Nascida em 1942, Neusa Borges foi uma menina inquieta que, desde criança, desejou a vida artística como destino. Amava cantar, foi crooner de orquestras e enveredou pelas artes cênicas em musicais, no cinema e em novelas. Sua estreia na TV Globo como atriz aconteceu em ‘Escrava Isaura’, em 1976. Ela já havia atuado em outras emissoras e começava na Globo uma trajetória de décadas. Nessa caminhada, trabalhou especialmente em obras de Gloria Perez, interpretando personagens que a tornaram conhecida e querida pelo grande público. Teve papéis de muito sucesso, como Dalva, em ‘O Clone', de 2001; Cema, de ‘Caminho das Índias’, em 2009; e Diva, de ‘Salve Jorge’, em 2012.
Início da carreira
A atriz e cantora Neusa Maria da Silva Borges nasceu em Florianópolis, Santa Catarina, no dia 8 de março de 1942, e bem menina mudou-se para Piquete, no interior de São Paulo. Neusa demonstrou cedo sua vocação para as artes, dançando e cantando no jardim de infância. Inquieta, com vontade de conhecer o mundo, fugiu aos 12 anos da casa em que morava com a mãe e o padrasto para viver na capital, com os tios.
Em São Paulo, seguiu os estudos e manteve ativo seu interesse pelo canto. Aos 16 anos, começou a frequentar com uma amiga cantora, também adolescente, clubes noturnos. Ia com a mãe da amiga, pela idade de ambas, e conheceu nesses espaços artistas famosos à época, como Cauby Peixoto e Angela Maria. Antes de se estabelecer como cantora, trabalhou alguns anos como empregada doméstica.
Neusa cantora
A primeira experiência à frente de uma orquestra se deu a convite do maestro Clóvis Ely. Em seguida, Neusa Borges cantou acompanhada dos músicos do maestro Salgado Filho, e sua carreira deslanchou. O primeiro contrato com uma gravadora foi assinado com a Polydor, em função do sucesso que ela havia feito em ‘Hair’, em uma das adaptações do musical no Brasil, encenada em 1969. O cabelo black power usado em ‘Hair’, no entanto, levou a atriz a enfrentar ataques racistas: “Sofri, chamada de macaco, de piolhenta, do diabo a quatro, vocês não podem imaginar. Não podem imaginar. Eu tinha que usar, porque era a coisa do hippie, a peça era a coisa do hippie. Mas eu sei o que eu passei com aquele cabelo”.
Nessa fase da carreira, Neusa Borges trabalhou em algumas das principais emissoras de TV. Na Tupi, viu de perto a apresentação do grupo Jackson Five, em 1974. Antes disso, na Globo, participou de atrações com plateia. Esteve no ‘Programa Silvio Santos’ e foi jurada do ‘Chacrinha’.
Primeira novela na Globo
Ainda na Globo, estreou em novelas atuando em um grande sucesso, ‘Escrava Isaura’ (1976), de Gilberto Braga, que fez uma adaptação do livro homônimo de Bernardo Guimarães. No papel de Rita, teve a chance de contracenar com uma de suas referências na carreira, a atriz Léa Garcia. Neusa Borges apareceria inicialmente em apenas três capítulos, mas, pela repercussão de seu trabalho, acabou ficando no elenco durante toda a novela. Em seguida, emendou mais duas participações: foi Zana, em ‘Sinhazinha Flô’ (1977), de Lafayette Galvão, e Madalena, em ‘Dancin’ Days’ (1978), de Gilberto Braga. A atuação na pele de Zana a fez ter a chance de estrelar um filme com coprodução nigeriana, ‘A Deusa Negra’ (1978), de Ola Balogun.
Depois, na Band, Neusa Borges trabalhou em ‘A Deusa Vencida’ (1980) e ‘O Meu Pé de Laranja Lima’ (1980), ambas de Ivani Ribeiro. Na volta à Globo, pôde experimentar outro tipo de produção, na minissérie ‘Grande Sertão: Veredas’ (1985), de Walter George Durst, baseada na obra de Guimarães Rosa.
Parceria com Gloria Perez
Na TV Manchete, Neusa Borges inaugurou sua parceria com a autora Gloria Perez na novela ‘Carmem’, de 1987. Na trama, a protagonista interpretada por Lucélia Santos faz um pacto de sangue em um terreiro de quimbanda com a personagem de Neusa, a Pombagira. Depois, Gloria Perez a convidaria a atuar, na Globo, em ‘De Corpo e Alma’ (1992), ‘O Clone’ (2001), ‘América’ (2005), ‘Caminho das Índias’ (2009) e ‘Salve Jorge’ (2012).
Novela 'De Corpo e Alma'
Na década de 1990, um dos trabalhos de destaque da atriz aconteceu em ‘A Indomada’ (1997), de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares. Sua personagem, Florência, envelhecia ao longo da trama, começando jovem, passando pela maturidade e se tornando idosa.
Queda no carnaval
Neusa Borges sofreu um grave acidente no desfile da Unidos da Tijuca, em 2003, quando caiu de um carro alegórico na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro. A queda a fez ficar de cama, assistida por enfermeiros, durante um ano e oito meses, o que a afastou do trabalho. Na volta, em ‘América’ (2005), interpretou Diva, uma personagem muito popular, que fazia dupla com Feitosa, interpretado por Ailton Graça, seu filho na trama. Ela queria casar Feitosa com Creusa, vivida pela atriz Juliana Paes, uma falsa beata, depois desmascarada.
Outra personagem de que o público gostou foi a Ivete, de ‘Araguaia’ (2010), de Walther Negrão. Ivete andava com uma carrocinha, cercada de cachorros, após se tornar mendiga, alternando momentos de maior e menor lucidez. Neusa Borges precisou vencer o medo de cães para interpretar o papel. Em ‘Salve Jorge’, dois anos depois, a atriz voltou a interpretar a Diva e inventou um de seus bordões, “marido!”, que fez bastante sucesso. Quando acabou ‘Salve Jorge’, Neusa Borges teve o segundo AVC de sua vida – o primeiro foi durante a novela ‘A Vida da Gente’ (2011) –, do qual se recuperou completamente.
Em uma nova plataforma, na era do streaming, ela atuou em duas produções do Globoplay: as séries ‘A Divisão’ (2019) e ‘Encantado’s’ (2022). Nessa última, a atriz ganhou a chance de contracenar com um elenco jovem e voltar ao que primeiro a motivou na carreira artística. “A alegria deles extrapola tudo na vida. Eu ali fazia a mãe de um batuqueiro. Quando fui gravar a primeira cena, numa laje, que cena linda... Primeira cena, e o diretor me põe para cantar”, comemora.
Cinema e teatro
Neusa Borges teve também, em sua carreira, participação em muitos filmes e peças. Como exemplos, no cinema, atuou em ‘O Rei da Noite’ (1975), de Hector Babenco; ‘Sábado Alucinante’ (1979), de Cláudio Cunha; e ‘Polaroides Urbanas’ (2008), de Miguel Falabella. No teatro, participou das montagens dos musicais ‘A Capital Federal’ (1972), de Artur Azevedo; ‘Deus lhe Pague’ (1976), de Joracy Camargo, com adaptação de Millôr Fernandes e direção de Bibi Ferreira; ‘Ópera do Malandro’ (1978), de Chico Buarque, com direção de Luís Antônio Martinez Corrêa; e ‘Alô, Madame’ (1995), de Vinícius Márquez e Marcelo Saback.
Prêmios e referências
Entre os diversos reconhecimentos recebidos ao longo da carreira, como o Prêmio APCA de melhor atriz coadjuvante pela atuação em ‘De Corpo e Alma’ (1992), Neusa Borges destaca a Ordem Tiradentes, concedida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, nos anos 1990. Em sua trajetória, duas pessoas tiveram importância especial para sua formação: os poetas Solano Trindade e Vinicius de Moraes. “Casei com os homens que eu amei, e que me amaram, mas o ser humano que eu sou hoje, a mulher que eu sou hoje, eu aprendi a ser com esses dois homens. Aprendi o que é ser negra, aprendi a ser mulher, aprendi que, na verdade, tudo é bom enquanto dura”, afirma.
FONTES:
Depoimento de Neusa Borges ao Memória Globo em 26/09/2022; ‘O Falabella do teatro infantil’. In: Jornal do Brasil, 22/10/1995, Caderno B, página 5; Enciclopédia Itaú Cultural (itaucultural.org.br); https://revistaraca.com.br/a-luta-da-atriz-neuza-borges/. |