Por Memória Globo

Renato Velasco | Arte/Memória Globo

Merval Pereira começou a trabalhar em O Globo no final da década de 1960, como estagiário. Motivado pela pressão do pai, que queria vê-lo trabalhando, apaixonou-se pela profissão de jornalista. Abandonou a faculdade de direito e entregou-se ao cotidiano atribulado das redações. Apesar de ser neto de senador – o maranhense Clodomir Cardoso –, Merval Pereira conta que não se interessava especialmente por política quando jovem. Curiosamente, seria na trilha do jornalismo político que consolidaria sua carreira. Passou pelas redações do Jornal do Brasil, onde foi editor-executivo, e da Veja, onde foi editor nacional e chefe das sucursais no Rio de Janeiro e em Brasília, e tornou-se diretor de O Globo, em 1994. Liderou importantes transformações à frente do jornal, com a revolução provocada pelo digital e, em 2003, afastou-se da gestão para voltar à escrita. Desde então, mantém uma coluna no jornal, uma referência na análise política e de questões estruturais do país, e atua como comentarista na CBN e na GloboNews.  

Acho que o jornalismo tem vida longa, seja em que plataforma for.

Merval Pereira em depoimento ao Memória Globo, 2013. — Foto: Renato Velasco/Memória Globo.

Início da carreira

O carioca Merval Soares Pereira Filho nasceu em 24 de outubro de 1949 e iniciou sua carreira no jornalismo muito cedo, aos 17 anos, quando seu pai, o médico Merval Soares Pereira, lhe conseguiu um estágio no Diário de Notícias. Leitor inveterado, gostava de escrever e via no jornalismo uma oportunidade de desenvolver esse talento. Em seguida, foi para O Globo e se encantou com a profissão, a ponto de abandonar a faculdade de Direito, que cursava na antiga Universidade da Guanabara (atual Uerj). Como na década de 1960 era possível exercer a profissão sem diploma, se registrou no Ministério do Trabalho sem fazer faculdade e seguiu a trajetória de quase todos os jovens repórteres naquele tempo: começou pela editoria Geral.

“Ninguém era jornalista como meio de vida. Era funcionário público, aí jornalista; era assessor de alguém e trabalhava no jornal. O jornal pagava muito mal. Mas eu gostei muito da reportagem. Tinha muita coisa pra fazer; saía para a rua, subia morro, fazia matéria do dia a dia, até de polícia”, lembra. Contratado formalmente no final de 1968, teve a chance de conhecer o Nordeste de carro, para escrever uma série de matérias sobre a região após dez anos de criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Foi sua primeira grande experiência na carreira.

Jornalismo político

A história de Merval Pereira em O Globo seria longa. Essa primeira etapa foi até 1973, ano em que o jornalista decidiu passar uma temporada em Londres. Viajou pela Europa, viveu outras culturas, aprendeu inglês e fez curso de gravura, exercitando o gosto por pintura. Na volta, Evandro Carlos de Andrade, diretor de O Globo e seu amigo, o recontratou, inicialmente para atuar na Editoria de Esportes. Logo, foi deslocado para cobrir o governo Geisel, em Brasília. Estava aberto o caminho para que se especializasse em jornalismo político. Curiosamente, apesar de ser neto de senador – o maranhense Clodomir Cardoso, pai de sua mãe Maricá Helena Cardoso Soares Pereira –, Merval Pereira conta que não se interessava especialmente por política quando jovem.

Nesse período, em meio à ditadura militar, o jornal O Globo deu um furo histórico: a publicação do projeto de anistia, na primeira página, em 1979. A minuta do projeto havia sido furtada da mesa do ministro Petrônio Portella por jornalistas do Globo que cobriam as atividades do Ministério da Justiça, o fotógrafo Orlando Brito, e o repórter Etevaldo Dias. Merval, nessa época, chefiava a sucursal de Brasília, e O Globo publicou o texto, com exclusividade, tomando toda a primeira página. Em 1981, o jornalista voltou ao Rio para ser editor de Política e, em 1982, foi para a Veja, a convite de Elio Gaspari. Na revista, foi chefe da sucursal de Brasília, editor de Nacional em São Paulo e chefe da sucursal carioca.

A passagem pela Veja durou até 1985, quando voltou ao Globo como subeditor-chefe. Em 1991, já como editor-chefe, mudou-se para os Estados Unidos para um curso de extensão para profissionais da imprensa na tradicional na Universidade de Stanford, graças a uma bolsa de estudos da John S. Knight Felowship. De volta ao Brasil, foi trabalhar no Jornal do Brasil, onde acompanhou, como editor-executivo, o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor. “O que aconteceu naquela ocasião é que a imprensa se mostrou importante para desvendar o governo Collor. Foi um momento em que a sociedade e a imprensa estiveram muito próximas; um período importante para consolidar essa relação”, avalia.

Na direção de O Globo

Em 1994, o amigo Evandro Carlos de Andrade convidou-o para assumir um novo desafio: o cargo de diretor da sucursal de O Globo em Brasília. No ano seguinte, com a transferência de Evandro para a TV Globo, Merval Pereira foi escolhido para ser o novo diretor do jornal. Na nova função, o jornalista pôde implantar o projeto de reforma gráfica da publicação, completamente redesenhada em 1995; criar um caderno de literatura, o Prosa & Verso; investir em informática, ampliando o setor de arte; contratar nomes importantes como Luis Fernando Verissimo, Artur Xexéu, Ancelmo Gois e Zuenir Ventura; ampliar o espaço para páginas de opinião, com mais artigos publicados; e levar para a internet a versão digital do jornal. Merval Pereira comandou O Globo em um momento-chave para o jornalismo: o advento das novas mídias. Frente às discussões de como o veículo se posicionaria no cenário e à natural migração da informação imediata para internet, coube ao impresso o papel de aprofundamento das pautas mais importantes, o que resultou no aumento do número de grandes reportagens produzidas pelo jornal. A reabertura do processo que investigou o atentado do Riocentro foi possível em função de uma reportagem dessa fase.

Com a reformulação administrativa do Infoglobo, em 1997, Merval Pereira tornou-se diretor de Mídia Impressa e Rádio (MIRA) da empresa, que englobava os demais veículos jornalísticos do Grupo. Nessa condição, participou do lançamento dos jornais Extra (1998), de perfil mais popular, e, em parceria com o Grupo Folha, do Valor (2000), voltado para a área econômica, além da compra do Diário Popular (2001), de São Paulo.

Colunista e comentarista

Os desafios da gestão acabaram distanciando o jornalista do prazer da escrita e, em 2003, Merval Pereira decide de afastar do comando de O Globo para dedicar-se a uma coluna. O espaço se tornou referência para discussão de grandes temas nacionais – e do mundo, como é o caso do Fórum Econômico Mundial. Uma credencial especial do evento garante ao jornalista acesso a reuniões sobre os principais debates relativos ao futuro do planeta, e permite que leitores acompanhem suas análises. Com mais tempo para o jornalismo, passou também a fazer comentários, especialmente sobre política, na rádio CBN e na GloboNews. “A linguagem é completamente diferente, você tem que se adaptar. Rádio é uma coisa mais informal. A GloboNews é uma coisa mais informal que a TV aberta, mas é menos informal do que o rádio”, comenta. Com presença em todas as plataformas, cobriu temas de grande repercussão, como o processo do Mensalão, ao qual se dedicou por meses.

Merval Pereira comenta suspensão da nomeação de Ramagem

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Merval Pereira acompanhou atentamente o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além servir de base para análises e comentários diários na imprensa, ao assunto foi tema de dois de seus livros: O Lulismo no Poder (2010) e Mensalão – o Dia a Dia do Mais Importante Julgamento da História (2013), ambos, sucesso de vendas.

Merval Pereira lança livro sobre o julgamento do mensalão

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Pêmios e ABL

A contribuição para a atividade jornalística fez com que Merval Pereira ganhasse alguns prêmios ao longo da carreira. Antes dos 30 anos, ganhou o Esso, com o jornalista André Gustavo Stumpf, por uma série de reportagens sobre o fim do governo Geisel – o que resultou no livro A Segunda Guerra, sucessão de Geisel, em 1979. Em 2009, recebeu o Maria Moors Cabot, oferecido pela Universidade de Columbia a profissionais de destaque nas Américas. A premiação aconteceu após o jornalista passar um ano nos Estados Unidos acompanhando a eleição de Barack Obama – quando também foi visiting scholar na Universidade de Columbia. Em 2011, veio outro reconhecimento importante, a eleição para a Academia Brasileira de Letras. “Logo no início da Academia, havia uma discussão sobre se devia ser um espaço só de escritores ou se devia ser de personalidades da vida brasileira. Prevalece a ideia de que a Academia é para as excelências nos seus diversos setores”, explica. E o jornalismo, como dizia Moacir Scliar, pode ser uma forma de literatura. O jornalista também recebeu o Golfinho de Ouro de Comunicação; três prêmios Abril de jornalismo; e o Prêmio Especial de jornalismo da Bolsa de Valores.

Fontes

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