Dono de um senso de humor sutil, Maurício Farias não imaginava que o riso faria parte de sua vida profissional. Com mais de trinta anos de carreira, o cineasta e diretor de televisão acredita que o principal desafio de quem faz comédia é controlar o ritmo da cena. Um segundo atrasado, e a piada perde a graça. Isso requer prática e organização: “Na comédia, você pode pegar um material que não parece tão engraçado, mas quando você ajusta o ‘timing’, aquilo fica bom”.
Início da carreira
Nascido em uma família tradicional do cinema brasileiro, Maurício Farias se interessou muito cedo pela sétima arte. Quando tinha 11 anos foi ator no longa-metragem 'As Aventuras com tio Maneco' (1970), dirigido por Flávio Miggliaccio e produzido por seu pai, o cineasta Roberto Farias. Mesmo apaixonado por cinema, achou que seu futuro estaria em outro campo. Prestou vestibular para Desenho Industrial na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não concluiu. No quinto período do curso, aceitou ser assistente de direção do pai em um especial da Globo, exibido na faixa de programação Quarta Nobre, e nunca mais deixou a televisão. Neste primeiro trabalho, conheceu Paulo Afonso Grisolli, que o convidaria para outras produções. Fizeram a minissérie 'A Máfia no Brasil' (1984), que teve um problema com a censura federal por conta de supostas cenas de violência, nudez e tráfico de drogas. A estreia foi adiada. “A gente recebia uns avisos. Teve uma cena em que a Márcia Porto aparecia supostamente nua na cama, com lençol mostrando a perna dela. Parecia que tínhamos feito uma cena de sexo explícito, foi uma loucura”, relembra.
Em seguida, Maurício engrenou como assistente de direção na minissérie 'Tenda dos Milagres' (1985). Baseada no romance homônimo de Jorge Amado, a trama contava a história do ogã Pedro Arcanjo (Nelson Xavier), que, à beira da morte, relembra sua luta para manter vivas as culturas negra e mestiça na Bahia. A trama mergulhou no universo do candomblé e foi gravada em várias cidades do Brasil, incluindo Salvador.
Após esse trabalho, Farias saiu da Globo para fazer novelas no SBT, com Walter Avancini. Retornou à emissora poucos anos depois para dirigir, ao lado do pai, o sucesso 'As Noivas de Copacabana', de Dias Gomes. Ambientada no Rio de Janeiro, em 1992, a minissérie tinha como protagonista o serial killer Donato Menezes (Miguel Falabella), obcecado por mulheres vestidas de noiva. Foi a primeira produção em estilo policial do cineasta. “Era um texto que contava a história de um psicopata, feito maravilhosamente pelo Falabella. Ele era um cara normal e matava nas horas vagas. É um precursor de tantos filmes de psicopata que vieram logo depois”, comenta.
A Viagem
Maurício Farias decidiu ganhar mais experiência como diretor desbravando o Velho Mundo. Partiu para Portugal a convite de Walter Avancini e gravou uma novela para a rede lusitana RTP. 'O Banqueiro do Povo' contou com atuação da atriz portuguesa, Eunice Munõz.
Dois anos depois, retornou ao Brasil e aceitou o desafio de ser o terceiro diretor de 'A Viagem', em 1994, ao lado de Wolf Maya e Ignácio Coqueiro. Remake da novela homônima exibida pela TV Tupi, em 1975, 'A Viagem' foi escrita por Ivani Ribeiro e tinha como tema a vida após a morte. Farias conta que foi uma experiência positiva participar tão jovem de um programa que foi sucesso de audiência, inaugurando sua parceria com Wolf Maya.
Depoimento - Maurício Farias: O personagem mascarado da novela A Viagem (1994)
Quatro por Quatro
Não houve muito tempo para descansar após o término das filmagens. Maurício Farias logo estava na direção de 'Quatro por Quatro', ao lado de Alexandre Avancini e Luís Henrique Rios. A trama bem humorada de Carlos Lombardi apresentava conflitos amorosos repletos de separações, reconciliações e tramoias, partindo da amizade entre quatro mulheres de classes sociais distintas. Unidas, elas decidem se vingar dos parceiros que as desprezaram.
A novela foi grande, em número de capítulos: 233. Maurício conta que, na reta final, a equipe já estava esgotada, mas animada para fazer o melhor trabalho possível. “Naquele desespero de gravar os últimos dias, entrei no estúdio e perguntei se Letícia Spiller (Babalu) e Marcelo Novaes (Raí) tinham lido o texto. Vi que sim, então gravamos sem ensaiar, de tamanha sintonia que havia entre a equipe, o elenco e o texto”.
Hilda Furacão
Logo depois, Maurício dirigiu duas novelas e uma minissérie seguidas, com Wolf Maya: 'Cara e Coroa' e 'Salsa e Merengue' e 'Hilda Furacão'. Foi com a minissérie escrita por Gloria Perez que Maurício Farias cresceu como diretor. Promovido a segundo diretor, pode botar em prática técnicas que vinha aprendendo há anos, principalmente com relação à gravação de cenas externas.
“Essa minissérie foi importante na minha carreira, pude aperfeiçoar a direção de coro, que é dirigir cenas com muitas pessoas ao mesmo tempo”.
Exemplos deste desafio foram as externas gravadas na Praça da Liberdade, na cidade mineira de Tiradentes. Ali, era o centro urbano da fictícia Santana dos Ferros, onde cresceu o narrador da história, Roberto Drummond (Danton Mello).
Pecado Capital
A preparação para dirigir, também com Wolf Maya, o remake 'Pecado Capital', em 1998, exigiu um estudo aprofundado da primeira versão, dirigida por Daniel Filho, em 1975. Original de Janete Clair e reescrita por Gloria Perez, a novela contava a história de Carlão (Eduardo Moscovis), um taxista honesto que encontra em seu carro uma mala com R$ 2 milhões. Maurício Farias lembra que muitas cenas foram gravadas em Marechal Hermes, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. A equipe de produção, inclusive, alugou algumas casas de moradores para poder usá-las em cena. “A gente escolheu uma rua para ser a rua onde morava o Carlão. A gente fez o interior no estúdio e, as externas, gravavam lá. Era uma novela com ritmo, muito boa de fazer”.
Esplendor e Você Decide
Em 2000, Farias dirigiu as últimas duas produções com Maya: 'Esplendor' e 'Você Decide'. Para ele, uma das principais dificuldades em 'Esplendor' foi a cena final, em que o personagem de Murilo Benício, o malvado Cristóvão Rocha, cai em um desfiladeiro. A externa foi filmada em um cânion, em Santa Catarina, em um dia de neblina. “O nevoeiro foi baixando e foi um corre-corre complicado. A gente se virou e fez a cena. Um bom trabalho de um diretor vai em uma primeira instância na média de erros dele, quanto menor essa média vai ficando, ou seja, quanto menos erros você tem no trabalho, melhor é o seu resultado, claro. E ali, vi que estava fazendo com mais facilidade”.
Nos episódios de 'Você Decide' que dirigiu, Maurício tentou trazer uma estética cinematográfica para o programa, filmando em 24 quadros. “Você Decide era um programa a frente do tempo dele, um programa para hoje. Porque hoje a interatividade é uma coisa cavalar. Naquela época, com a central telefônica, já era uma coisa incrível. Hoje em dia, seriam milhões de votos”.
A Grande Família
Em 2002, um ano após a série ter começado, Maurício Farias assumiu a direção de 'A Grande Família', a convite do diretor de núcleo Guel Arraes, a quem considera seu grande mentor na área da comédia. “A Grande Família surgiu como um desejo de fazer um seriado na televisão com histórias fechadas, que tivesse uma continuidade, que fosse popular e que tivesse a qualidade de uma história fechada”.
Uma das mudanças que teria dado certo – e que foi uma aposta do roteirista Claudio Paiva – foi a ideia de tornar Agostinho Carrara (Pedro Cardozo), um taxista. No início, ele apenas se apropria de um carro velho do sogro, Lineu (Marco Nanini), mas, depois, para ter um trabalho, o personagem transforma o automóvel em um táxi. Aproveitando sua experiência com telenovela, Maurício Farias levou para o seriado uma nova forma de gravar. “Passamos a gravar com câmeras dentro do cenário, câmeras independentes. Repetindo a cena de diversos ângulos. Nós fechamos o cenário, colocamos teto e passamos a trabalhar de uma maneira diferente”.
Apesar dessa ideia de uma história fechada, com tramas curtinhas que se resolvessem em um episódio, o sucesso do seriado permitiu mudanças de longo prazo. “Diferente de uma novela, que você não tem compromisso nenhum com o que você fez anteriormente, o seriado tem um passado. Termina o ano e tem que lidar com ele. Mas podemos pensar em melhorar elementos: cenário, luz, figurino, texto, interpretação. Essa tarefa vai ficando difícil, porque o sucesso é um acerto, não importa aonde, você acertou”.
Em 2007, Farias dirigiu o filme 'A Grande Família', com o mesmo elenco e boa parte da equipe da série. Ele considera que ganhar o cinema trouxe benefícios ao seriado, porque possibilitou ao grupo encontrar soluções artísticas para um formato que estava ficando saturado, já em sua sexta temporada. Daí surgiu a ideia de fazer o filme contado em três tempos, uma estrutura que não funciona bem na televisão, mas que é viável no cinema. “A história já começava com a notícia da morte do Lineu, ele morria no primeiro ato. Então era o risco que a gente corria. Não era uma extensão de um episódio da televisão”.
Aline
Paralelamente, Maurício Farias dirigiu o especial 'Aline', em 2009. Com roteiro de Mauro Wilson, o programa contava a história de um triângulo amoroso que vivia em harmonia sob o mesmo teto, na cidade de São Paulo. O especial virou uma série, sendo exibida em 2009 e 2011. Segundo Farias, foi a produção em que ele teve “mais liberdade de criação na imagem e direção”, já que se tratava de um “território delicado por mexer com a moral das pessoas”.
O diretor viu na criação de uma estética juvenil, com uso de cores fortes no figurino, edição ágil e diálogo com traços de história em quadrinhos, a solução para o impasse que poderia causar rejeição do público. “O amor é uma coisa inquestionável. Era preciso reforçar que não era uma questão sexual. Então fomos ver vários filmes românticos, de triângulo amoroso, dos anos 1960, e acabou que o programa foi recheado com essas referências de narrativa”.
Junto e Misturado
Logo depois de gravar a primeira temporada de 'Aline', Farias passou a trabalhar no projeto 'Junto e Misturado', uma série semanal que reunia expoentes de uma nova geração de humor, mostrando o jeito como uma turma de jovens via a vida. Exibido entre outubro e dezembro de 2010, o programa “tinha muita liberdade também, porque os quadros eram umas verdadeiras loucuras, ia desde situações… desde uma crítica de cotidiano, a uma reconstituição histórica, digamos assim, coisas incríveis, engraçadas”, relembra.
Tapas e Beijos
Naquele ano, Maurício Farias deixou 'A Grande Família' para dirigir 'Tapas e Beijos', de Cláudio Paiva, outro seriado de humor. A trama conta a história de duas mulheres de 40 e poucos anos – vividas por Fernanda Torres e Andréa Beltrão -, que sonham em ter uma vida feliz. Um projeto que deu certo. “É a história da mulher moderna, que colocou o trabalho em primeiro plano. É a história da família que a gente forma dentro do trabalho também. Diferente de A Grande Família, que essa é família sanguínea, é a família que você elege”.
Outros trabalhos
Neste momento, Maurício Farias estava em grande sintonia com o humor. Aceitou o desafio de fazer a direção de núcleo da primeira temporada de 'Casseta e Planeta Vai Fundo', em 2012. Com o programa, os cassetas tentavam se reinventar e elaboraram um novo texto, que contava com diferentes quadros e participações especiais. Farias destaca a escolha de temas por bloco como a grande mudança trazida pela equipe, enfatizando o quadro 'O Povo Fala' como um dos maiores acertos.
Ainda em 2012, Maurício Farias embarcou na nova aposta da Globo, o programa 'Encontro com Fátima Bernardes'. Ao lado de Boninho, tornou-se diretor de núcleo do programa que mistura jornalismo e entretenimento. “Esse casamento sempre foi muito difícil, porque nunca houve um projeto que juntasse a essência das duas coisas. Agora, a gente tem uma jornalista com talento, a credibilidade e o carisma da Fátima, a estrutura do Jornalismo e podemos conversar. É preciso que um lado absorva o outro.”
Em 2014, apostou em um novo formato de humor para a televisão aberta: 'Tá no Ar: a TV na TV'. Com redação final de Marcelo Adnet e Marcius Melhem, o humorístico satiriza a programação da TV, com uma linguagem dinâmica. Nada escapava ao olhar crítico e divertido dos realizadores.
Cinema
Em 1986, Maurício Farias dirigiu, em parceria com Luiz Fernando Carvalho, o curta-metragem 'A Espera'. O retorno à direção de cinema foi em 2005 com o filme 'O Coronel e o Lobisomem'. Posteriormente, dirigiu 'Verônica' (2009) e 'Vai que Dá Certo' (2013). Em 2015, junto com Calvito Leal, dirigiu a continuação 'Vai que Dá Certo 2'.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO:
Webdoc sobre a novela A Viagem com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Webdoc sobre a inauguração dos Estúdios Globo, com depoimentos exclusivos ao Memória.
FONTE:
Depoimentos de Maurício Farias ao Memória Globo, em 28/05/2012 e 20/06/2012. |