Mario Ferreira fez parte da equipe que inaugurou o primeiro canal de TV em Blumenau, uma afiliada da Globo, no final dos anos 1960. Decidido a trabalhar na sede da emissora e seguir carreira, ainda sem função definida, veio para o Rio de Janeiro e bateu na porta da Globo, no Jardim Botânico. Atendido pelo diretor de Jornalismo na época, Armando Nogueira, no dia seguinte já saía para fazer uma matéria e operava sua primeira câmera.
Pela proximidade alcançada com os cineastas que atuavam na emissora, integrou a equipe que criou o 'Globo Repórter' e participou da consolidação do programa, feito em formato de documentário, por muitos anos. Trabalhou também para o 'Fantástico', na Editoria Rio, cobriu Copas do Mundo e foi correspondente internacional, primeiro na Alemanha e depois baseado em Londres.
“Tudo o que era desafio para a gente era ótimo, porque a gente queria mais. Eu sempre procurei me reciclar, a minha vida inteira.”
Entrevista exclusiva do cinegrafista Mário Ferreira ao Memória Globo, em 14/05/2012, sobre a Guerra Irã – Iraque.
Início da carreira
Mario Ferreira nasceu em Itajaí, Santa Catarina, em 29 de novembro de 1952. Filho do caminhoneiro Cipriano Ferreira e da dona de casa Laurinda Ferreira, mudou-se com os pais para a cidade de Blumenau, onde, aos 17 anos, começou a trabalhar em uma afiliada da Globo. “Eu me interessava muito por essa coisa de notícia, de televisão, de jornalismo, e eu soube que ia abrir um canal de televisão. Eu tinha morado no Paraná, então eu já sabia o que era televisão. Comecei no departamento artístico, quando a emissora ainda não tinha sido inaugurada, em 1968”, conta.
Como desejava novas oportunidades, após três anos trabalhando na afiliada em Blumenau decidiu procurar um emprego na emissora, no Rio de Janeiro. O ano era 1971. Conseguiu o emprego e, um dia após ter pedido uma chance, saía com o cinegrafista Orlando Moreira para gravar uma matéria na cidade. Pela primeira vez, colocou uma câmera no ombro, fez imagens da Floresta da Tijuca, onde crianças haviam se perdido, e emplacou uma matéria no 'Jornal Nacional'.
Sobre aqueles tempos românticos, em que as pessoas aprendiam no dia a dia e as oportunidades apareciam de forma rápida, ele lembra que “havia noites em que dormia na Globo, dormia no laboratório, porque a gente operava com filme. Era muito legal ver aquela movimentação, eu vim trabalhar numa cabeça de rede, entendeu? Isso para mim era muito emocionante”.
No início dos anos 1970, em muitos casos os próprios cinegrafistas faziam as matérias, sem repórteres e entrevistando pessoas. E eram obrigados a lidar com as restrições impostas pela ditadura militar para realizar sua função. Havia censores na redação para checar as notícias e ordens determinando que assuntos poderiam ou não ser tratados. “Não se podia entrevistar Dom Hélder Câmara”( ex-arcebispo de Recife e Olinda), cita Mario Ferreira, entre as muitas proibições do período.
GLOBO REPÓRTER
Próximo a cineastas que trabalhavam na emissora, como Paulo Gil Soares, Walter Lima Júnior e Domingos de Oliveira, o cinegrafista conseguiu uma vaga como assistente no 'Globo Shell', programa que produzia e exibia documentários, entre 1971 e 1972. Filmava-se em película, com duas Auricons, câmeras que traziam som direto no próprio filme. Do 'Globo Shell', Mario Ferreira foi para o 'Globo Repórter', uma nova atração em que os documentários eram produzidos com recursos da própria emissora, sem patrocínio.
“Eu fui o primeiro cinegrafista do 'Globo Repórter'. Tenho até orgulho de falar isso. Eu não tinha assistente, o meu assistente era o operador de áudio. Então, era uma equipe mais limitada do que a do 'Globo Shell', porque a Globo estava bancando”, explica. Com o sucesso de audiência, o 'Globo Repórter' passou para o horário nobre – antes era exibido às 23h – e trouxe outros diretores para a emissora. Com Eduardo Coutinho, por exemplo, Mario Ferreira foi mais de uma vez ao Nordeste, para mostrar a seca e aspectos da religiosidade na região.
A abertura de Globo Shell Especial, de 1971
Ainda sobre o Nordeste, o repórter cinematográfico destaca um 'Globo Repórter' de impacto, dirigido por Jotair Assad. “Foi em Uauá, uma cidade baiana, nós passamos três semanas filmando lá. A gente pegava o tema e ia com a cara e a coragem: ‘Olha, vamos fazer um filme sobre uma cidade onde começou a Guerra de Canudos? As tropas estavam ali’. A gente dormiu num barraco de taipa, naquela coisa toda de tijolos feitos de barro, fomos mordidos por mosquito, pernilongos, bichos. A gente não tinha hotel, às vezes se hospedava na casa das pessoas. Mas esse é um dos filmes de que mais gosto”, avalia.
A CHEGA DAS CORES
Na época, ainda não havia repórteres no programa, o diretor fazia as perguntas e o câmera e o operador de áudio gravavam imagem e som. Quando a equipe chegava no Rio de Janeiro, o filme era revelado. Em paralelo, o cinegrafista também trabalhava para o 'Fantástico', na Divisão de Reportagens Especiais. E pouco tempo depois do início dos dois programas, em 1973, a cor chegou às imagens.
“A gente comprava livros, a gente corria atrás, procurava saber. Havia um livrozinho do American Cinematographer que era a bíblia de todo câmera, o manual técnico dele. Ali havia todos os tipos de filmes, quais eram as sensibilidades dos filmes, o tipo de cor, se era filme day light para luz externa, se era filme interior para luz artificial. Então, a gente tinha que aprender assim”, afirma. Aprendia-se, também, com os profissionais mais experientes. Na Globo, um dos grandes mestres de Mario Ferreira foi o baiano José Andrade, seu amigo.
Uma recordação forte do cinegrafista, em relação a esse período, foi o incêndio na Globo, em 1976, no Rio de Janeiro. Como estava próximo, ele assistiu ao esforço dos funcionários para salvar materiais caros, como as fitas quadruplex, e decidiu registrar o acontecimento com a câmera fotográfica que levava. “Todo mundo queria lutar, todo mundo queria ajudar, a Globo fazia parte da vida de cada um”, enfatiza.
EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
Em 1978, Mario Ferreira aceitou o convite da então diretora Alice-Maria para se transferir para a Alemanha, onde trabalhou ao lado de Hermano Henning no escritório recém-aberto pela Globo no país. A experiência internacional continuou em Londres, quando os correspondentes na Europa passaram a atuar em conjunto, na cidade. Nessa época, o cinegrafista participou de coberturas importantes, como a Revolução Islâmica no Irã.
Reportagem de Roberto Feith, com imagens de Mário Ferreira, sobre as mudanças em Teerã após a Revolução Islâmica. Fantástico, 04/03/1979.
“A revolução estourou e eu e o Roberto Feith pegamos um voo para Teerã, de Londres, sem visto, sem nada. Chegamos lá em plena revolução, o aeroporto estava uma bagunça geral. Entramos no país e começamos a filmar. Um dia, eu filmava sozinho e os caras, os revolucionários, me enfiaram dentro de um carro, me botaram no banco de trás, com um fuzil apontado para mim. Eu não podia nem me mexer. Nossa intérprete viu e conseguiu me libertar depois de meia hora de tumulto, um monte de gente em volta, fumaça, fogo, aquele cheiro de guerra”, recorda.
Reportagem de Roberto Feith, com imagens de Mário Ferreira, sobre a recepção do aiatolá Khomeini na cidade de Qom, centro de estudos religiosos xiita. Jornal Nacional, 06/03/1979.
Também marcante foram as coberturas das escolhas de dois papas em três meses, na Itália, em 1978, em função da morte repentina de João Paulo I, apenas 33 dias depois do conclave que o elegeu; e uma viagem feita em um navio do Greenpeace, o Rainbow Warrior, que seguia baleeiros para mostrar a crueldade da caça às baleias no litoral da Islândia. “Eu fiquei a bordo uns 30 dias e tenho boas fotos dessa cobertura. Uma coisa que também me deixou muito feliz foi pilotar no mar violento, tempestade, aquele naviozão e eu ali no timão, com aquelas ondas”, diz.
OLIMPÍADAS E COPAS
Na Olimpíada de Moscou, em 1980, mais uma vez com Roberto Feith, Mario Ferreira foi à União Soviética para mostrar o país. Ele diz ter enfrentado as limitações impostas aos jornalistas estrangeiros, que só podiam sair em roteiros pré-determinados. Dois anos depois, esteve na Espanha, presenciando de dentro do estádio a histórica derrota do Brasil para o time de Paolo Rossi. “Eu estava atrás do gol e, por acaso, junto com a torcida italiana. Aí foi, claro, uma rixa, mas uma coisa dentro do esporte, eu não me sentia ameaçado. Acho que eu sempre fui pé frio para a seleção brasileira, em 1990 estava junto com a torcida da Argentina quando o Cannigia fez o gol que tirou o Brasil da Copa”, se entrega.
Antes da Copa da Espanha, em 1982, o cinegrafista voltou a trabalhar no Brasil e tentou, junto com o repórter Francisco José, chegar às Malvinas, para cobrir o conflito entre Argentina e Inglaterra pelo domínio da ilha. Os dois não conseguiram, mas no trajeto de volta, de avião, ele teve a chance de mostrar uma base aérea argentina que os ingleses não conheciam, e essa imagem correu o mundo.
Reportagem de Roberto Feith e Mário Ferreira sobre a torcida do Brasil que foi acompanhar os Jogos Olímpicos de Moscou 1980 na capital russa, Fantástico, 20/07/1980.
PRODUTORA INDEPENDENTE
Em 1983, Mario Ferreira saiu pela primeira vez da Globo e montou uma produtora, prestando serviços para a emissora como pessoa jurídica. Até 2001, quando voltou a trabalhar como funcionário, fez um 'Globo Repórter' com Carlos Nascimento sobre Getúlio Vargas, cobriu eleições em Pernambuco e gravou a abertura da 'TV Pirata', entre outros trabalhos. “Fui um dos poucos, talvez o primeiro mesmo, câmera independente. Peguei um mercado cru ainda, um mercado que estava sendo aquecido, começando a aquecer. E aí eu não parei mais de trabalhar”, afirma.
A volta à Globo se deu primeiro no programa Linha Direta e, depois, na Editoria Rio. O convite para o Linha Direta aconteceu porque a equipe de produção sentia falta de um cinegrafista mais ágil, o que facilitaria a reconstituição dos crimes. Em seguida, foi contratado para atuar no Jornalismo, período em que teve que lidar com a perda do colega Tim Lopes, em 2002. “Encontrei com ele, que me disse: ‘Estou indo pra lá agora, estou indo para o Alemão’. Foi a última vez que eu o vi. Na segunda-feira, quando eu voltei para trabalhar, o Tim Lopes havia desaparecido e nunca mais apareceu. Isso foi trágico e eu o vi partindo”, se entristece.
Um dos últimos trabalhos feitos para a Globo, de onde saiu de forma definitiva em 2007, foi a cobertura dos Jogos Pan-Americanos, nem sempre se envolvendo diretamente nas competições. “Na Editoria Rio eu cobria as notícias, eu tinha que, por exemplo, estar com a família do lutador para mostrar a emoção dos parentes. Ou alguma falha no sistema da organização dos jogos: trânsito engarrafado, o estádio que não estava pronto”, detalha.
Ao longo da carreira, Mario Ferreira viu do filme preto-e-branco à chegada da TV digital, em HD. Para ele, uma evolução positiva e necessária. “A qualidade está sendo mais exigida, o público é muito diversificado. Então, essa diferença do digital veio ajudar, não só a produção em TV, hoje você faz cinema em HDTV, tem câmeras pra isso, com qualidade de filme. Eu solto foguetes para essa tecnologia nova. Eu sempre procurei me reciclar, a minha vida inteira. Voltar para o jornalismo Globo foi uma reciclagem, para ver a nova tecnologia, para aprender trabalhar com isso”, conclui.
Em seus últimos anos de vida, Mario Ferreira ministrou cursos para formação de novos cinegrafistas. Morreu em 8 de dezembro de 2014, vítima de câncer.
OUTRAS REPORTAGENS
Fonte
Depoimento de Mario Ferreira ao Memória Globo em 14/05/2012 |