O primeiro contrato assinado com a Globo foi em 1982, como repórter cinematográfico, após chegar ao Rio de Janeiro sem passagem de volta para a terra natal, o Rio Grande do Sul. Na bagagem, Marcio Torres levava disposição para conquistar sonhos e a experiência adquirida durante sete anos na TV Difusora e na TV Guaíba, ambas em Porto Alegre. Filho do comerciante Carlos Ruff Torres e da professora Ofélia Rolim Torres, Marcio Rolim Torres conheceu a televisão em 1974, levado pelo irmão, o jornalista Dilermando Torres. “Eu havia terminado o segundo grau e estava sem uma profissão definida. Meu irmão falou: ‘Marcio, quer ir para a TV Difusora, a gente vai lá, você dá uma olhada, tem um pessoal que trabalha com imagem, de repente você gosta, fica lá…’ Eu fui e nunca mais larguei.”
De lá para cá, Marcio coleciona carimbos de 50 diferentes países registrados em seus passaportes e contabiliza em seu currículo a cobertura de diversas Copas do Mundo, Olimpíadas, cerca de 20 campeonatos de Fórmula 1 e outros eventos marcantes do esporte mundial, além da cobertura de três guerras, shows e outras imagens que correram o mundo.
Em 2009, tornou-se supervisor dos repórteres-cinematográficos de São Paulo, função que possibilita o craque da captação de imagens a transmitir conhecimento para novos profissionais e estimular o desenvolvimento permanente da equipe.
No início da carreira nas emissoras gaúchas, Marcio conquistou não só conhecimento para ampliar sua atuação profissional, mas também prêmios importantes. Em 1980, foi enviado ao Uruguai para cobrir a libertação de uma brasileira presa, durante oito anos, pela ditadura militar daquele país. “A Flávia Schilling foi estudar no Uruguai e, junto com o namorado, participou do movimento Tupamaro que lutava contra o regime militar. Durante uma manifestação de rua, ela e o rapaz distribuíam panfletos quando o Exército chegou. Flávia levou um tiro de fuzil no pescoço, caiu no chão e a prenderam.” Marcio conta que, na época, a imprensa pressionava pela libertação da estudante. O governo brasileiro ameaçou cancelar a importação de carne uruguaia, que era feita em grande escala, se não a soltassem. “Então, o Uruguai marcou uma data, e nós fomos fazer a cobertura da libertação. No dia marcado, não a soltaram.” A equipe esperou e foi surpreendida.
“Pegamos o equipamento, alugamos um táxi para que os militares não identificassem nosso carro, e fomos fazer imagens do presídio. Quando cheguei perto, era cercado por arame farpado, vi presas trabalhando na agricultura. Saí filmando, entrei no carro e fomos embora.”
Naquele tempo, os filmes eram entregues para pilotos de empresas aéreas brasileiras, e eles levavam para o Brasil, onde alguém da TV recebia. Mas, em uma madrugada, a rotina de trabalho foi interrompida.
“Eu estava dormindo, e senti a minha porta do quarto abrir e daí a pouco tinha arma na minha cabeça, me tiraram na marra de dentro do quarto, me levaram para a polícia, nos bateram bastante e arrebentaram o equipamento. O cônsul brasileiro ficou sabendo porque o filme foi para o ar na TV Difusora e na TV Educativa. Quando fomos soltos, dois dias depois, estava lá a imprensa brasileira, porque até então só estávamos nós. O cônsul nos chamou e disse: ‘Olha, se eu fosse vocês iria embora porque vocês correm risco de morte aqui, e eu não tenho como dar segurança a vocês, vocês sabem que a situação está complicada.’ Nos sentamos, eu, o meu assistente, e o repórter, e falamos: ‘Amigos, é o seguinte: a gente apanhou, foi torturado, fomos os primeiros a chegar aqui, agora vamos perder a saída da Flávia? Negativo.’
Resolveram ficar. Flávia Schilling foi solta três dias depois. Além de registrar as imagens da libertação da jovem, a equipe de Marcio fez a primeira entrevista onde ela relatou os horrores na prisão uruguaia. Marcio ganhou um prêmio internacional, entregue por Flávia, e o prêmio Vladimir Herzog.
A chegada na Globo
Marcio Torres apresentou seu currículo ao então chefe dos cinegrafistas por intermédio de um funcionário da Globo. “O profissional que me recebeu foi o Johnson Gouveia, um ícone da imagem e um fotógrafo genial. Ele levou meu currículo para o chefe dos cinegrafistas, que era o Ricardo Strauss. O Ricardo pegou aquele currículo, que já contava com uma Copa do Mundo, com prêmio internacional e me ligou.”
A proposta inicial era para trabalhar na afiliada da Globo na Bahia. Depois, veio o convite para outra emissora. Ambos recusados. O gaúcho havia se mudado para o Rio de Janeiro para realizar um desejo. “Queria a Globo porque eu tinha aquele sonho de fazer um 'Globo Repórter' e de crescer na empresa. Uma semana depois o Strauss ligou de novo me convidando para cobrir três meses de férias de outros profissionais. Cobri as férias e entrei para a emissora como funcionário, em 21 de abril de 1983.”
As primeiras reportagens foram feitas para o Jornalismo, no horário da madrugada. Na época, o departamento de Esportes ainda não era independente. Até que um dia, Marcio Torres foi escalado para fazer uma pauta com o repórter esportivo Raul Quadros. “O Raul pegou as minhas imagens para escrever a matéria e se impressionou com o que viu. Procurou o chefe de reportagem Luiz Nascimento, e falou: ‘Luizinho, você viu as imagens desse gaúcho?’ Eles se amarraram no meu trabalho, e toda semana me botavam para trabalhar no Esporte.”
Três meses depois, o Esporte foi alçado a departamento separado do Jornalismo pelos então diretores Armando Nogueira e Alice-Maria. Marcio foi um dos quatro cinegrafistas escolhidos para a área. “No Esporte você pode se soltar, sua imaginação não tem limites. O esporte é arte, é criatividade.” Começava ali um novo ciclo na vida profissional de Marcio Torres. Mesmo na área de Esportes, ele continuou trabalhando para os programas jornalísticos e realizou o sonho de fazer o 'Globo Repórter'.
A carreira na área de esportes
Dois meses depois de entrar na Globo, Marcio teve a oportunidade de cobrir os jogos Pan-Americanos, em Caracas. “Foi um grande evento na minha vida, porque eu tinha feito uma Copa do Mundo, mas em uma televisão pequena, não era uma estrutura como a da Globo. Para mim tinha um peso muito grande. Estar no meio dessas pessoas que conheciam muito de esportes”, lembra. A partir de então, Marcio participou da cobertura de diversos jogos, Olimpíadas e Copas do Mundo.
Na Fórmula 1, acompanhou o dia-a dia de pilotos que eram ícones mundiais. “Foi espetacular. Você já tinha ali Nelson Piquet no topo da carreira, Alain Prost, Rosberg… Os pilotos estrangeiros adoravam ir para o Rio de Janeiro, e chegavam dez dias antes para curtir a cidade. Você, querendo ou não, ia pegando amizade com eles. Eu lembro que eles ficavam no hotel, e havia várias festas. A gente tinha acesso direto à piscina, onde eles ficavam, e nós ficávamos junto com eles ali.”
Marcio passou a conhecer melhor as técnicas para a cobertura da Fórmula 1 e se especializou em transmissões. No início dos anos 1990, foi convidado pelo diretor Aloysio Legey para ajudar a planejar o posicionamento das câmeras do circuito de Estoril, em Portugal. Ao longo dos anos, além de ver de perto o surgimento de ídolos, como Ayrton Senna, ele vivenciou o avanço da tecnologia que passou a garantir os melhores ângulos de um evento esportivo.
“Hoje, você aperta um botão e tem 10, 15 câmeras para ser usadas pelos diretores TV que ficam nos caminhões de transmissão. Imagina um cinegrafista pendurado em um helicóptero, amarrado com um rabo de macaco, como eles chamam, e com o corpo para fora. Eu cansei de fazer isso, ficar uma hora e meia lá em cima, com a câmera pendurada, de cabeça para baixo, agarrado, literalmente no ar, com uma câmera que pesa 12 quilos. Era isso a tecnologia da época e era o que tinha de melhor. A Globo sempre foi buscar o que tinha de melhor.”
Emissoras estrangeiras e Sportv
Ainda em 1990, Marcio Torres decidiu buscar novos caminhos. Passou alguns anos fora da Globo, fazendo trabalhos para emissoras estrangeiras, entre eles a cobertura de três guerras. Mesmo afastado, continuou presente na programação. “Aconteceu que eu saí e não saí da TV Globo porque eu fiquei fazendo muita coisa com vários diretores da empresa que me chamavam para cobrir eventos. Quando tinha Fórmula 1 e carnaval, o Legey me chamava, eu fazia os especiais da Xuxa, 25 anos dos Trapalhões, quando Renato Aragão subiu no Cristo Redentor, a imagem de helicóptero é minha, aquele lá pendurado no helicóptero sou eu”, conta.
Renato Aragão no Cristo Redentor. 'Jornal Nacional', 29/07/2008
Em 1992, a convite do diretor Armando Nogueira, Marcio foi para o Sportv fazer o programa 'Esporte Real', onde ficou por três anos. De volta a Globo, em 1999, fez a direção de fotografia do programa 'Amigos', convidado pelo diretor Aloysio Legey. “ Quando o Legey me chamou, o Luiz Fernando Lima, que era Diretor de Esportes, me chamou também e falou: ‘Abriu uma vaga no Esporte e eu queria muito que você voltasse. O salário é bom e eu queria a tua experiência no departamento.’ Eu falei: ‘Luiz, eu estou com o Legey’. Eu tinha 42 anos e queria uma vida mais tranquila. Aí, eu optei por voltar para o Esporte. Só que o Legey ficou maluco e falou com a direção que eu tinha que ficar com ele até o final do programa. Então, colocaram um freelancer por dez meses no Esporte, e eu trabalhava para o Legey. Quando tinha uns dias livres no programa, eu vinha para me entrosar no Esporte de novo, porque eu estava voltando depois de dez anos.”
Realização profissional
Em 2009, Marcio Torres assumiu o cargo de supervisor de repórteres cinematográficos, em São Paulo. Ele nunca abandonou o trabalho na rua. Aos 60 anos na época do depoimento ao Memória Globo, considerava-se um garoto.
“Tenho espírito de 30 anos e não quero largar a profissão tão cedo. Para mim, eu vou mais dez anos, fácil. E hoje formo pessoas. Acho que é o troco que dou para a Globo porque a empresa me deu muito.”
Emocionado, Marcio revela que era difícil participar dos aniversários dos filhos. O trabalho sempre o chamava, mas hoje, sente-se um profissional completo. “Quando eu conheceria 50 países? Quando teria oportunidade de fazer Olimpíadas, Copa do Mundo, sem ter curso acadêmico? Vou te falar a verdade: quando peguei aquela malinha, em 1981, e uma passagem só de ida para o Rio, tinha certeza do que queria. E posso te falar 33 anos, depois: era isso que eu queria.”
Marcio Torres trabalhou na emissora até agosto de 2018.
FONTE:
Depoimento concedido ao Memória Globo por Marcio Torres em 17/11/2015. Perfil de Marcio Torres no LinkedIn. |