Ele poderia ter dado prosseguimento a uma promissora carreira de engenharia na área de planejamento do BNDES, ao lado de feras como o economista Sérgio Besserman Vianna e o ex-prefeito de Vitória, Luiz Paulo Velloso Luca. Chegou até a passar um ano na Itália, estudando planejamento industrial. Mas Marcelo Garmatter Barreto é um daqueles sujeitos que perdem o amigo, mas não perdem a piada. Então, por que não juntar ambos, as piadas e os amigos? O BNDES certamente não sente falta dele, mas a verdade é que o humorismo da televisão brasileira foi renovado com a formação do 'Casseta & Planeta': o septeto Marcelo Madureira, Bussunda, Hubert, Hélio de la Peña, Reinaldo, Beto Silva e Claudio Manoel.
Marcelo Madureira é um multimídia nato. E autodidata. Mas, como uma espécie de embaixador da piada e da zoação, e levantando a bandeira do “jornalismo mentira, humor verdade”, ele já marcou presença em todas as mídias, da televisão aos palcos, passando pela indústria fonográfica e pela internet. Sempre com muito sucesso. Não há quem não o conheça, principalmente devido ao programa Casseta & Planeta, Urgente!, que ficou no ar por longos 18 anos e que, em 2012, cedeu lugar ao Casseta & Planeta Vai Fundo, ou por sua coluna dominical no jornal O Globo, que dividiu durante 25 anos com Hubert, assumindo o papel de Agamenon, o repórter. E pensar que tudo começou literalmente com uma brincadeira.
“No primeiro ano da escola de Engenharia, na UFRJ, junto com Beto Silva e Hélio de la Peña, fundamos a Casseta Popular. Nasceu de uma brincadeira, em 1978. Costumávamos dizer que, na engenharia, havia homens e ‘indivíduos portadores de vagina’ – não havia mulher. Como distração, então, resolvemos fundar um jornal de humor. A Casseta Popular era uma espécie de hobby. O objetivo do jornal, inicialmente, era tentar comer alguém – como sempre, nosso carma. Sob esse aspecto, nunca deu muito certo. Mas o humor foi mais ou menos engatilhando. Depois, entraram Cláudio Manoel e Bussunda. Acho que nunca tivemos a expectativa de viver disso. Então, nosso approach, nossa visão era muito relaxada nessa época. Como não havia uma expectativa ansiosa nessa história, o negócio foi dando certo.”
Na mesma época, começou a circular um jornal chamado 'Planeta Diário', com Reinaldo e Hubert à frente do projeto, ao lado de Cláudio Paiva. Tratava-se de uma proposta de humor muito semelhante, mas bem mais estruturada, com distribuição em banca de jornal. A coincidência é que todos os envolvidos nos dois projetos se conheciam de alguma forma, e não tardou para que as ideias fossem unificadas, nascendo a revista Casseta & Planeta. Tal publicação chegou a vender 150 mil exemplares, um número fantástico para os padrões da época.
O primeiro passo rumo à televisão foi dado em 1987, quando o grupo escreveu o especial 'Wandergleyson Show', que foi ao ar na TV Bandeirantes, em 13 de dezembro daquele ano.
“Nós escrevemos o Wandergleyson Show, que virou especial de fim de ano com Pedro Cardoso e Luiz Fernando Guimarães. Para a época, era bastante revolucionário, inovador, uma certa tradução daquele humor da Casseta para a televisão. Assim que ficou pronto, Sérgio Mattar (dona da produtora que encomendou o programa e o vendeu para a Bandeirantes) ligou para o Boni, e nós fomos lá. Nunca me esqueço: Boni botou a fita na máquina, começou a ver o programa e nos contratou na hora. Saímos da TV Globo contratados. No meu currículo, tenho a vaidade de ter sido contratado pelo Boni em pessoa, na própria Globo.”
'TV Pirata'
Marcelo Madureira e seus amigos foram contratados para redigir a 'TV Pirata', que ficou no ar de 1988 a 1992. “Jô Soares tinha sido contratado pelo SBT, então abriu um boqueirão, um espaço na grade naquela época”, situa Madureira. A riqueza das reuniões de pauta do programa acabou gerando não apenas textos primorosos de humor, mas um espetáculo de paródias musicais que os cassetas resolveram levar ao teatro. Bussunda imitava Tim Maia, Cláudio Manoel encarnava Nelson Gonçalves, e o espetáculo, que era apresentado apenas às segundas-feiras, acabou pousando no Canecão, então a casa de shows mais importante do Rio de Janeiro. Foi um sucesso muito grande, de público e na imprensa. E o destino, então, tratou de dar seu empurrãozinho final.
“Veio a novela 'Pantanal', da TV Manchete, um tsunami que fez um tremendo sucesso, e que derrubou a 'TV Pirata' da grade. Daí surgiu o programa 'Dóris Para Maiores' (1992), que tinha texto nosso e atuávamos também. Nós, do Casseta & Planeta, fazíamos a parte de humor hard. Foi daí que nasceu o nosso mote: jornalismo mentira e humorismo verdade. O 'Dóris' ficou um ano em cartaz. Quando acabou, o Boni nos chamou e disse: ‘Não tem mais Dóris Para Maiores. Vai ficar Casseta & Planeta. E tem que ter mulher bonita’. A primeira foi a Kátia Maranhão. E fomos em frente.”
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre o programa TV Pirata com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
'Casseta & Planeta Urgente'
O programa 'Casseta & Planeta, Urgente!' começou mensal, em 1992. Ao mesmo tempo, Madureira, ao lado de Hubert, estreou sua coluna dominical no jornal O Globo, encarnando o repórter sem escrúpulos Agamenon Mendes Pedreira. O sucesso foi imediato. E 'Casseta & Planeta, Urgente!' saudado como a nova vertente de humor da televisão brasileira.
“Quando aparecemos, diziam que era o ‘humor novo’, o ‘humor inteligente’. Mas não havia exatamente uma novidade. Eu acho que cada geração agrega a sua linguagem de humor. Eu tive várias vertentes. Tenho irmãos mais velhos, eles compravam o 'Pasquim', que foi muito importante na minha formação humorística. Jaguar e Ivan Lessa, principalmente."
Em 'Casseta & Planeta, Urgente!', Madureira viveu tipos e imitações que fizeram história nas noites de terça-feira: Bill Clinton, George W. Bush, Cid Moreira, Pedro Bial, Marta Suplicy e Evo Morales ficaram impagáveis na pele do humorista, assim como o seu Coisinha de Jesus, o dançarino de um só passo, baseado em Carlinhos de Jesus.
“Acho que todos os personagens rendem. A graça está justamente nessa variedade. Eu costumo dizer que deve ser muito difícil ser humorista na Noruega ou na Islândia. Mas, no Brasil, brincamos: no final, sempre sobra o seringueiro, que está na floresta tirando leite do pau. O importante é ficar de antenas ligadas. Eu não tenho tantos personagens. Francamente, não sou um cara muito de personagens. Coisinha de Jesus é o que eu gosto mais, porque é o mais maluco. Gosto de coisas nonsense. Tem o Cid Madureira (baseado no Cid Moreira). O que eu gosto de fazer é ser myself, o Marcelo Madureira.”
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre concepção e formato do programa “Casseta & Planeta, Urgente!”, com entrevistas exclusivas ao Memória Globo.
Webdoc sobre composição dos personagens do programa “Casseta & Planeta, Urgente!”, com entrevistas exclusivas ao Memória Globo.
Outros trabalhos
Madureira não ficou apenas com o 'Casseta & Planeta, Urgente!', o que não seria pouco, diga-se de passagem. Ele e os demais cassetas participaram da criação e fizeram a supervisão de texto de 'Garotas do Programa', que foi ao ar de abril a agosto de 2000, com direção de Rosane Svartman, com Marília Pêra, Betty Gofman, Camila Pitanga, Drica Moraes, Mariana Hein e Zezé Polessa, que encenavam vários esquetes satirizando o universo feminino e suas relações com o sexo oposto. O humorista também apresentou um programa no GNT chamado 'Sem Controle', com o jornalista Arthur Dapieve, em 2007.
“A ideia é que o programa seja o ponto de partida, e nós falamos sobre qualquer assunto, vamos derivando. É como dois amigos, duas pessoas que se sentam para ver televisão, comentam o que estão vendo. Esse programa me surpreende pela repercussão que tem. Dá uma audiência fantástica.”
O humorista faz questão de falar sobre sua experiência no cinema. Em 2003, ele e os demais cassetas estrelaram 'A Taça do Mundo é Nossa', uma produção da Conspiração Filmes, que ficou na casa de um milhão de espectadores. Madureira viveu Dolores. Três anos depois, uma nova experiência na telona, com 'Casseta & Planeta: Seus Problemas Acabaram', direção de José Lavigne, e último trabalho do casseta Bussunda, que faleceu durante a Copa de 2006, na Alemanha. “O primeiro filme custou muito para sair, por vários motivos. Não sabíamos como fazer. Tivemos, então, um aprendizado completo, desde escrever o roteiro, desenvolver um argumento, até produzir e levantar os recursos. Pessoalmente, acho que nosso primeiro filme ficou legal”.
Seu currículo cinematográfico aumentou em 2012 com 'As Aventuras de Agamenon', direção de Victor Lopes. Madureira escreveu o roteiro, produziu e ainda atuou no filme, que teve participações especiais de Fernando Henrique Cardoso, Jô Soares, Paulo Coelho e Caetano Veloso. Todos dão depoimentos antológicos sobre o repórter.
Nas Olimpíadas do Rio, em 2016, fez entrevistas e entradas ao vivo para o SporTV e o 'Globo Esporte'.
Marcelo Madureira visita competições de tênis de mesa na Rio 2016
Se não bastasse, Marcelo Madureira atira balas de humor para todos os lados. Teve blog muito visitado; criou, roteirizou e protagonizou o quadro 'Pacato Cidadão', no Fantástico, sobre viagens esquisitas (2010); e escreveu um livro de piadas que vendeu mais de 150 mil exemplares (com o grupo, foram nada menos do que 18 livros, que juntos venderam mais de 500 mil cópias), além de ter participado de um livro de contos 'Meu Querido Canalha?', lançado pela editora Objetiva (2004). Um multimídia, com certeza. “O humor brasileiro é muito bom, vigoroso e diversificado. Tem para todos os gostos. E eu acho que o legal é a diversidade. Acho bacana você escolher”, garante Madureira, que já é avô e é faixa preta de judô.
Paródia da novela “Explode Coração” com Claudio Manoel, Beto Silva e Marcelo Madureira.
FONTE:
Depoimento concedido ao Memória Globo por Marcelo Madureira em 04/08/2005. |