Quando ainda era criança, Marcelo Pasqualoto Canellas e sua família se mudaram para a cidade gaúcha de Santa Maria. Ele permaneceu lá até se formar em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria, em 1987. Seu início na televisão foi como repórter da RBS Santa Maria, afiliada da Globo. Foi para o Rio de Janeiro como repórter especial da Globo em 1990. Para Marcelo Canellas, o jornalismo vai muito além da cobertura do acontecimento inusitado, ou dos fatos que afetam o dia a dia do telespectador. Um dos repórteres mais premiados da televisão brasileira, Canellas busca a notícia onde ela está escondida, conta histórias de pessoas que, se não fosse sua intervenção, dificilmente seriam conhecidas pelo público.
Afiliadas da Globo
Marcelo Canellas começou a trabalhar em televisão como repórter da RBS Santa Maria, afiliada da Rede Globo. A estrutura da TV era muito pequena, o que lhe permitiu, durante apenas seis meses, exercer diversas funções de um jornalista de televisão: “A RBS tinha, naquela época, 11 ou 12 emissoras no interior do Rio Grande, com uma equipe muito reduzida em cada uma delas. Éramos três pessoas para colocar os jornais no ar e fazer tudo. Então aprendíamos toda a cozinha do jornalismo”.
Do interior do Rio Grande do Sul, seguiu para o interior de São Paulo, quando surgiu a oportunidade de trabalhar em Ribeirão Preto, na EPTV Ribeirão, outra afiliada da Globo. Permaneceu lá entre 1988 e 1990 e, como repórter, conseguiu fazer as primeiras reportagens veiculadas em rede nacional.
Anos 1990
Em 1990, Marcelo Canellas foi para o Rio de Janeiro, como repórter especial da Globo. Mesmo cobrindo notícias factuais, naquela época tentava imprimir em suas reportagens o que se tornaria sua marca: a busca por questões envolvendo direitos humanos e sociais, como na reportagem sobre a chacina da Candelária.
No dia 21 de agosto de 1992, Canellas protagonizou uma cena que se tornou um símbolo dos protestos pelo impeachment do presidente Fernando Collor. Enquanto registrava a passeata que reuniu 100 mil “caras-pintadas” na Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro, seu rosto e a câmera foram pintados por uma manifestante. A imagem foi reproduzida em diversas reportagens que trataram do tema.
Jovem pinta o rosto do repórter Marcelo Canellas de verde e amarelo durante manifestação de estudantes pelo impeachment do presidente Collor, Jornal Nacional, 21/08/1992.
Reportagem de Marcelo Canellas sobre o desespero de mães à procura de notícias dos filhos após a chacina da Candelária, Jornal Nacional, 23/07/1993.
Depois de três anos no Rio, Canellas foi deslocado para Brasília, mas não se adaptou à rotina da cobertura política. Começou a fazer matérias de comportamento na Capital Federal: “Tinha toda uma vida a ser descoberta e que não aparecia no 'Jornal Nacional' ou no 'Fantástico'. Eu me lembro, por exemplo, de um cineasta bombeiro. Era um bombeiro de Brasília que fazia filmes de fundo de quintal, arregimentava seus atores na periferia e era conhecido por lá. Era um sujeito que já tinha quatro, cinco longas-metragens, que eram exibidos nas cidades-satélites.”
Eldorado dos Carajás
De Brasília, começou a viajar para os mais diversos e remotos cantos do país, buscando revelar, em suas reportagens, histórias de regiões e populações em situações de pobreza. Canellas conta que, nesse período, já frequentava mais os aeroportos do que a redação, o que continuou a fazer depois que voltou para o Rio de Janeiro, em 1996, ano em que ocorreu o massacre dos sem-terra em Eldorado dos Carajás.
Reportagem de Marcelo Canellas sobre as visitas de autoridades ligadas à defesa dos direitos humanos ao local do massacre em Eldorado dos Carajás, Jornal Nacional, 20/04/1996.
Mapa da Fome
Dois anos depois, Canellas começou a pavimentar o caminho por onde chegaria a um de seus trabalhos mais importantes: a premiada série de reportagens sobre a fome no Brasil. Canellas conta que pensava no assunto desde a época da faculdade, quando leu 'Geografia da Fome', de Josué de Castro – “Um livro escrito em 1946 e que me causou grande impacto e muita curiosidade de saber se as suas premissas ainda estavam presentes mais de 50 anos depois”. Chegou a propor a realização da série ainda em 1998, e começou a colher informações sobre o assunto em cada lugar para o qual viajava. Mas sua ideia só emplacou em 2001.
As reportagens, exibidas no 'Jornal Nacional' em junho daquele ano, durante uma semana, foram desenvolvidas por Canellas junto com o repórter cinematográfico Lúcio Rodrigues e uma equipe de Brasília. Eles viajaram por seis estados para buscar personagens e histórias e compor um mapa da fome no Brasil. “Nós vamos costurando um quadro geral a partir da história específica de cada uma daquelas pessoas, e vamos montando o retrato de uma região a partir dos depoimentos daquela gente”. 'Fome' tornou-se uma das séries mais premiadas do telejornalismo brasileiro. Entre outros prêmios, a equipe da Globo recebeu o Ayrton Senna de Jornalismo, o Barbosa Lima Sobrinho, o Imprensa Embratel, o Vladimir Herzog na categoria de documentário e a medalha ao mérito da Organização das Nações Unidas (ONU). Dois anos depois, Canellas voltou aos lugares retratados pela série e mostrou, no Globo Repórter, que a situação pouco havia mudado.
Outras séries de destaque na carreira de Marcelo Canellas foram exibidas no 'Bom Dia Brasil', telejornal onde o repórter encontrou grande receptividade para desenvolver o que ele chama de “grande reportagem”, que tenta aprofundar, contextualizar e explicar os fatos. Na série 'Vaqueiros e Peões', Canellas e o repórter cinematográfico Luiz Quilião fizeram um perfil do homem rural brasileiro. “Nós estivemos no Rio Grande do Sul, atrás do gaúcho arquetípico, aquela história mítica do centauro, de que o homem e o cavalo são a mesma coisa. Depois fomos ao Mato Grosso do Sul, aos pantaneiros. Estivemos na Ilha de Marajó, com os vaqueiros de lá, que lidam com os búfalos; e com o peão do interior de São Paulo, o peão de boiadeiro.”
Em 2007, foi exibida no 'Bom Dia Brasil' a série 'Terra do Meio', sobre uma região de sérios conflitos agrários localizada entre os municípios de Altamira e São Félix do Xingu, no Pará, um lugar que o Brasil desconhecia. As reportagens mostraram a ocupação de terras públicas por grileiros e também, como é característico dos trabalhos de Marcelo Canellas, histórias de pessoas ignoradas pelo Estado. A série conquistou seis prêmios e uma homenagem especial concedida pela ONU. Mas uma das principais recompensas que Canellas recebeu veio por telefone: “A coisa que mais me gratificou foi quando recebi um telefonema a cobrar, de um orelhão de Altamira: era o seu Chico Feitosa, um personagem que nós encontramos lá, e que não tinha identidade. Ele disse: ‘Olha, seu Marcelo, estou com a minha carteira de identidade aqui. Queria que o senhor fosse o primeiro a saber’.”
Outra reportagem premiada de Marcelo Canellas foi exibida no 'Fantástico' em 2009. Em 'A Tropa do Zé Merenda', ele conta a história dos tropeiros que levam, em lombo de burro, o alimento das crianças que estudam em uma região quase inacessível do interior de Goiás.
As participações de Marcelo Canellas no 'Globo Repórter' renderam programas que trataram de diversos temas como saúde, natureza e cidadania. Foi pelo programa que o repórter teve a oportunidade de viajar para o Egito e para Cuba e produzir reportagens que fizeram um retrato histórico e cultural destes dois países.
A partir de 2009, ele passou a ser repórter especial do 'Fantástico', com base em Brasília. Ao lado do repórter cinematográfico Lúcio Alvez, produziu matérias especiais, principalmente de cunho social, como a reportagem especial 'S.O.S. Infância', sobre violência e omissão de crianças no Brasil, exibida em 2013; e a série 'Quem é meu pai', que foi ao ar em outubro de 2014.
Cabeça de cachorro
Entre as várias séries que Canellas produziu para o 'Jornal Nacional', uma das que se destacam fez parte do Projeto Amazônia e foi intitulada 'Cabeça de Cachorro', nome de uma região que fica no noroeste do estado do Amazonas. “São 23 etnias numa região que tem o tamanho de Portugal. É um mundo totalmente desconhecido, um Brasil com cara de índio”. As reportagens foram exibidas em 2009. No ano seguinte, Canellas fez a reportagem de abertura da série especial do 'Jornal Nacional' sobre as principais preocupações dos brasileiros naquele ano eleitoral. Sua matéria foi sobre saúde, campeã das reclamações, identificada por uma pesquisa do Ibope. A cada quatro anos, o repórter faz parte da cobertura das eleições presidenciais no 'Jornal Nacional', produzindo matérias para séries como 'Eleições 2014', que falou sobre trabalho, saúde, educação como maiores preocupações dos brasileiros; e 'O Brasil Que Eu Quero', que, em 2018, mostrou a realidade das oportunidades e empregos no campo.
Globo Universidade
Repórter interessado na discussão teórica sobre a sua profissão, Marcelo Canellas foi convidado, em 2009, pelo Globo Universidade – área da Globo responsável pela relação da emissora com o meio acadêmico – para ministrar, junto com outros repórteres, um curso na Universidade de Coimbra, em Portugal. “Foi uma experiência espetacular, fantástica. No dia a dia da nossa profissão, nós temos poucas oportunidades para parar e pensar, refletir sobre que tipo de jornalismo você está fazendo.”
'Brasileiros'
De junho a agosto de 2010, Marcelo Canellas participou do programa jornalístico 'Brasileiros', concebido por Edney Silvestre e que teve também a participação de Neide Duarte. “A ideia era mostrar pessoas anônimas que fazem uma grande diferença na comunidade em que vivem e que conseguem transformar a realidade em volta por uma ação individual, ou coletiva, baseada na iniciativa delas”, explica Canellas, que ganhou em 2011 o Grande Prêmio Sebrae de Jornalismo por sua matéria 'Microcrédito', exibida no programa. Outro prêmio que se junta aos mais de 40 que já acumulou em seu currículo.
Reportagem de Marcelo Canellas, exibida no programa 'Brasileiros', sobre o projeto História Viva, que integra idosos em asilos a crianças doentes em hospitais de Curitiba. 15/07/2010
Livro de crônicas
Em 2013, Canellas lançou 'Províncias - Crônicas da Alma Interiorana' (Globo Estilo), uma seleção de crônicas publicadas no 'Diário de Santa Maria'.
Exemplo de coletividade
Em agosto de 2014, Marcelo Canellas foi agraciado pelos trabalhos ligados aos Direitos Humanos com a Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, no grau de Comendador, em Brasília. A indicação foi da ministra Kátia Magalhães Arruda. Instituída em 1970, a OMJT – Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, destina-se a agraciar personalidades civis e militares, nacionais ou estrangeiras, que tenham se destacado no exercício de suas profissões e se constituído em exemplo para a coletividade.
'Meu nome é Brasil'
Entre as várias séries de reportagens que Canellas fez para o 'Fantástico', em 2022 ele esteve à frente de 'Meu nome é Brasil'. Nela, percorreu as cinco regiões do país para conhecer a história de seis ‘Brasis’ (pessoas que se chamam Brasil) que se deparam com os grandes desafios da nação.
Série 'Meu nome é Brasil' apresentada por Marcello Canellas mostrou diferentes realidades de pessoas que levam Brasil no nome. 'Fantástico', 25/09/2022
Boate Kiss
No início de 2023, nos dez anos do incêndio que matou 242 jovens universitários em Santa Maria, o Globoplay produziu a série documental "Boate Kiss. A tragédia de Santa Maria", em cinco episódios. Canellas dirige e apresenta o programa, que conta a história de luta por justiça protagonizada por familiares das vítimas.
Também no início de 2023, Canellas fez reportagens especiais para o 'Fantástico' sobre os ataques golpistas de 8 de Janeiro.
O jornalista deixou a emissora em abril de 2023.
FONTES:
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Marcelo Canellas em 16/02/2004 e 02/09/2010 |