“Absolutamente autodidata”, Manoel Carlos se inspirou em sucessos da radionovela para consolidar seu estilo de escrita em dramaturgia – aprendeu muito nos bastidores da televisão, em uma época de pioneirismo e experimentação de linguagem e formatos. Maneco, como é conhecido, começou na Globo em 1972, como diretor-geral do 'Fantástico': antes, já havia passado pela maioria das emissoras brasileiras, escrevendo, produzindo e até atuando. Sim, a carreira artística de Maneco começou nos palcos, aos 17 anos. Hoje, suas novelas são conhecidas por terem a cidade do Rio como cenário (e também personagem), bem como por explorarem conflitos no seio da família brasileira. Para cada história consagrada, uma heroína. De 'Baila Comigo' (1981) a 'Em Família' (2014), as Helenas de Manoel Carlos são, sobretudo, mães cujo amor pelos filhos é capaz de superar qualquer desafio.
Início da carreira
Manoel Carlos Gonçalves de Almeida é filho do comerciante José Maria Gonçalves de Almeida e da professora Olga de Azevedo Gonçalves de Almeida. Nascido em 14 de março de 1933, Maneco é paulista só na certidão de nascimento, porque ele se considera carioca de coração. “Faço coisas muito fortes, sob um céu muito azul. As tragédias e os dramas acontecem, mas o dia está lindo. A praia e o espírito carioca dão uma coloração rosa ao contexto cinzento”.
Ao longo dos anos, não estabeleceu uma rotina de trabalho, gosta de escrever a qualquer hora e em qualquer lugar. E procura deixar “a porta sempre aberta, principalmente para os filhos”. Sua preocupação ao pensar uma novela é tecer uma trama realista, mas com “roupagem de ficção”. A mágica se dá nesse meio do caminho entre o possível e o impossível. Para tanto conta com uma equipe de pesquisadoras que o auxilia na criação das histórias que envolvem dramas baseados em fatos reais.
O caminho até se tornar esse autor conceituado entre os melhores da televisão brasileira, foi tortuoso e atípico: seu primeiro emprego, aos 14 anos, foi como auxiliar de escritório. Mas, desde essa época, integrava os Adoradores de Minerva, um grupo de jovens que se reunia diariamente na Biblioteca Municipal de São Paulo para ler e discutir literatura e teatro. Entre os integrantes do grupo estavam Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Fabio Sabag, Flávio Rangel e Antunes Filho.
Aos 17 anos, em 1951, recebeu o primeiro papel como ator, na TV Tupi paulista, onde atuou no 'Grande Teatro Tupi', sob a direção de Antunes Filho. No ano seguinte, foi premiado como ator revelação e estreou como produtor e diretor, além de começar a escrever seus programas. Entre 1953 e 1959, participou da fase inaugural da TV Record; passou pela TV Itacolomi, de Belo Horizonte; TV Rio e TV Tupi, do Rio de Janeiro, onde, além de ator e diretor, adaptou mais de 100 teleteatros; e também passou pelo Jornal do Commercio, em Recife.
Na década de 1960, Manoel Carlos participou das últimas produções da TV Excelsior. Na TV Rio, dividiu a redação do programa 'Chico Anysio Show' com Ziraldo e Mário Tupinambá. Foi, ainda, diretor do programa, assim como de um segundo humorístico, 'O Homem e o Riso', também com Chico Anysio, exibido pela TV Rio e pela TV Record paulista. Ele foi também um dos criadores da 'Equipe A', em 1964, que criaram, escreveram e produziram programas para a Record, como 'Hebe Camargo', 'O Fino da Bossa', 'Bossaudade', 'Esta Noite se Improvisa', 'Alianças para o Sucesso', 'Para Ver a Banda Passar' e 'Família Trapo', escrito também por Jô Soares e Carlos Alberto de Nóbrega.
Estreia na Globo
Manoel Carlos estreou na Globo em 1972, como diretor-geral do 'Fantástico'. Permaneceu na função por três anos, e, nessa época, participou também do 'Globo Gente', um programa de entrevistas comandado por Jô Soares. Em 1978, com a experiência de mais de 150 adaptações para a televisão, transformou em novela o romance 'Maria Dusá', de Lindolfo Rocha, sob o título de 'Maria, Maria'. A primeira telenovela de Manoel Carlos na Globo teve direção de Herval Rossano, com Nívea Maria no papel principal, e foi ao ar no horário das 18h.
Ao Memória Globo, Manoel Carlos contou que a ideia para adaptar a novela foi do escritor Fernando Sabino. “Um dia, o Fernando Sabino encontrou o Borjalo [então diretor executivo da Central Globo de Produção] e disse que tinha um romance do século XIX chamado 'Maria Dusá', do Lindolfo Rocha; e que ele achava que dava uma boa novela das seis. Na época, a Globo tinha uma preocupação de adaptar os romances brasileiros, então o Borjalo chegou para mim e passou essa ideia. Eu gostei e fiz”.
Em seguida, naquele mesmo ano, o autor adaptou o romance 'A Sucessora', de Carolina Nabuco, que também foi dirigida por Herval Rossano. Exibida no horário das 18h, a novela teve no elenco Susana Vieira, Rubens de Falco e Arlete Salles, entre outros atores.
Em 1980, convidado pelo diretor Paulo Afonso Grisolli, escreveu alguns episódios do seriado 'Malu Mulher' – protagonizado por Regina Duarte –, entre os quais os polêmicos 'Até Sangrar' e 'Duas Vezes Mulher'. Ainda naquele ano, teve a sua primeira experiência no horário das 20h: convidado pelo autor Gilberto Braga, dividiu a autoria – a partir do capítulo 57 – da premiada 'Água Viva'. A novela contava no elenco com Reginaldo Faria e Raul Cortez – em seu primeiro trabalho na Globo –, além de Betty Faria, Tônia Carreiro e Glória Pires.
'História de Amor'
Manoel Carlos retornou a Globo em 1991, para escrever a novela 'Felicidade', um projeto de 12 anos que começou a ser esboçado com o término de 'A Sucessora'. A trama foi inspirada em diversos contos de Aníbal Machado, entre os quais 'Tati, a Garota'. Em 'Felicidade', Maneco deu vida à sua segunda Helena, dessa vez interpretada por Maitê Proença. A novela foi a primeira da emissora a ter uma mulher na direção-geral: Denise Saraceni.
Em 1993, Manoel Carlos adaptou dois contos de Mário de Andrade para o especial 'O Besouro e a Rosa', dirigido por Roberto Talma, Ignácio Coqueiro e Guel Arraes.
“Escrevi essa novela para a Regina Duarte e para a Carolina Ferraz”, contou Maneco a respeito de seu próximo sucesso das 18h, 'História de Amor (1995). Helena, interpretada por Regina, integra um triângulo amoroso: apaixonada por Carlos Alberto (José Mayer), ela tem como rival a ciumenta Paula (Carolina), com quem o médico é casado. Nesta trama, uma campanha sobre o câncer de mama foi promovida por meio da personagem Marta, interpretada por Bia Nunes.
'Por Amor'
Em 1997, Manoel Carlos lançou 'Por Amor', cuja sinopse fora escrita em 1983. Por meio de mais uma Helena, novamente interpretada por Regina Duarte, o autor abordou a polêmica atitude de uma mãe que abre mão de seu filho em nome da filha, que perdera seu bebê horas depois do parto. “Eu acho que o único amor absolutamente inquestionável na humanidade, é o amor materno. Então, pensei: ‘Qual seria a maneira de uma mãe se sacrificar radicalmente por uma filha? Dar um filho em troca do neto, com o sacrifício do amor do marido”, explicou.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Depoimento de Manoel Carlos: Por Amor (1997)
'Laços de Família'
O sacrifício materno também embasou outro grande sucesso de sua carreira: 'Laços de Família' (2000), foi ambientada no bairro carioca do Leblon. O centro da trama era o triângulo amoroso entre o jovem Edu, interpretado por Reynaldo Gianecchini, Helena, vivida por Vera Fischer, e sua filha Camila, uma personagem escrita especialmente para a atriz Carolina Dieckmann. No decorrer da novela, Camila descobre que está com leucemia e a única forma que sua mãe encontra para salvá-la é gerar um filho do mesmo pai que a menina, um homem que ela não ama mais.
O autor contou ao Memória Globo que a ideia surgiu de um fato real, quando uma mãe nos Estados Unidos gerou um filho e doou as células-tronco do cordão umbilical do bebê para a filha com leucemia. “Foi em 1991. Eu fiquei sabendo desse caso pelo jornal. Eu pensei que se ninguém fizesse essa história, eu faria. Em 1995, eu fiz a sinopse. O tema central da novela é uma mãe que engravida de um homem, já sem gostar dele, para salvar a sua filha. Novamente, a relação de amor de mãe com filha que é fundamental”.
As histórias de Manoel Carlos também são marcadas por ações socioeducativas. Imagens da novela 'Laços de Família', foram usadas em uma campanha da emissora sobre leucemia. Como resultado, a novela contribuiu para aumentar o número de doadores de medula óssea.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre Laços de Família (2000)
'Mulheres Apaixonadas'
Em 'Mulheres Apaixonadas' (2003), uma das ideias era exaltar a força das mulheres para superar dificuldades e seguir com a vida.
A novela girava em torno da diretora de uma escola de ensino médio, Helena, interpretada por Christiane Torloni. Paralelamente, foram abordadas questões relacionadas ao preconceito contra o idoso no Brasil, apresentadas a partir do casal vivido por Carmem Silva e Louzadinha. Além disso, a trama retratou também a violência contra a mulher e o celibato.
Três anos mais tarde, em 'Páginas da Vida', Maneco convidou novamente Regina Duarte para viver sua terceira Helena. “Eu decidi que a Helena era uma médica e achei que era uma história interessante ter uma menina com Síndrome de Down. Logo que eu resolvi, o material que mais me chamava atenção na pesquisa era justamente sobre inclusão”.
No mesmo ano, escreveu a novela 'Viver a Vida' (2009), também dirigida por Jayme Monjardim, que tinha como mote o tema da superação. Thaís Araújo vive uma top model de renome internacional que, no auge da carreira, larga a profissão e se casar com o sedutor Marcos (José Mayer), que tem uma filha que luta para se recuperar de um acidente que a deixou paraplégica.
Para viver a última Helena de sua carreira, Maneco convidou Julia Lemmertz, filha de Lilian Lemmertz, sua primeira musa. Na novela 'Em Família' (2014), Helena viu a filha se apaixonar por seu ex-noivo, Laerte (Gabriel Braga Nunes), acusado de enterrar vivo seu atual marido.
Minisséries
Um de seus principais trabalhos na dramaturgia foi a adaptação de 'Presença de Anita' (2001), inspirada em obra homônima de Mário Donato. A minissérie apresentou uma história de obsessão, sedução e morte, tendo como protagonista a jovem e sedutora Anita (Mel Lisboa).
Em janeiro de 2009, Maneco assinou sua segunda minissérie na Globo, inspirada na biografia da cantora Maysa. Exibida em nove episódios, 'Maysa – Quando Fala o Coração' foi dirigida por Jayme Monjardim, filho da cantora, e protagonizada pela atriz Larissa Maciel.
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