Foi com reportagens sobre a Operação Lava Jato que a jornalista Malu Mazza ganhou destaque no noticiário nacional. Denúncias contra grandes empreiteiras, delações premiadas envolvendo esquemas de corrupção, formação de quadrilha, prisões. Desde 2014, fatos não faltam no dia a dia da cobertura política em Curitiba, cidade onde a repórter nasceu no dia 1º de novembro de 1975. Malu Mazza iniciou sua carreira no jornalismo como “foca” da Rede Paranaense de Comunicação, na cidade natal, assim que se formou na Universidade Federal do Paraná, em 1997. Entrou para um período de experiência na então sede da RPC, batizada de “castelo” por ser uma réplica de uma construção do Vale do Loire, na França. Hoje, integra o time de repórteres especializados em cobrir fraudes, suborno e lavagem de dinheiro envolvendo governo, políticos e empresários.
Início da carreira
Filha de Raul Mazza do Nascimento, advogado e comentarista esportivo, e Marilene Mazza do Nascimento, dona de casa, Malu sempre sonhou em ser repórter e, com orgulho, se tornou jornalista: “Toda vez que entrava uma matéria minha no ar, eu ligava para a minha mãe e dizia: ‘Olha, hoje vou aparecer na televisão’”. A estreia foi em uma edição local para o telejornal de sábado. O assunto era sobre um menino superdotado: “Não me lembro a idade dele, mas muito novinho. A mãe queria que ele avançasse na escola, porque ele sabia ler e escrever. Na época, não existia ainda esse debate”.
Interessada em cultura e comportamento, era comum sugerir pautas sobre esses temas. As reportagens entravam no 'Bom Dia Brasil' e 'Jornal Hoje'. Mas a estreia no 'Jornal Nacional' foi com uma matéria de esporte, em 2008: “Viajamos para a Itália para mostrar o jogador Alexandre Pato no Milan. Também tinha a volta do Ronaldinho Fenômeno. Não era a minha praia, mas acabou acontecendo. Estreei de Milão. Chique”.
Jornal Nacional: estreia de Alexandre Pato pelo Milan (2008)
Intercâmbio
Em 2000, Malu fez um intercâmbio na Globo do Rio de Janeiro. Uma experiência e tanto em função do noticiário intenso da cidade, como o sequestro do ônibus 174: “A gente entrava no meio da tarde e ia fazendo a pauta que surgia. O sequestro foi no Jardim Botânico, perto da sede da Globo. Eu estava acompanhado da redação até certo momento, até que o sequestrador começou a liberar alguns reféns. Fui para a porta da delegacia fazer a chegada dos reféns e os depoimentos. Lembro que o desfecho foi durante o jornal, com o bandido atirando. Fiz matéria pra rede de lá, com a família da Geísa, os desdobramentos. Foi assim. Um aprendizado”.
Na Cidade de Deus, no Rio, uma outra reportagem que marcou o intercâmbio da repórter: a vida de pessoas que viviam na miséria: “As pessoas pegavam um pedaço de compensado, um tapume, um pedaço de outdoor, juntava e aquilo era uma casa. Não tinha banheiro, ia tudo para valeta ali direto. Todo mundo queria que elas saíssem dali, mas elas não tinham para onde ir. As pessoas produziam esgoto dentro da casa. Tinha rato na panela, e a mulher estava com o pescoço todo machucado, eu perguntei: ‘O que é isso? ’ E ela falou: ‘O rato pulou no meu pescoço’. Muito selvagem, impactante”.
RJTV 1ª edição: Rio Grande na Cidade de Deus (2000)
A volta para Curitiba e a cobertura da Lava Jato
Um outro trabalho que Malu Mazza considera marcante na sua trajetória, e da própria RPC, foi a série premiada de reportagens 'Diários Secretos', sobre um esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Paraná. Depois de dois anos de investigação levantado por jornalistas, inúmeras irregularidades foram encontradas no Diário Oficial da Assembleia: “Contratação retroativa, pessoas sendo demitidas e admitidas no mesmo dia, funcionários fantasmas, “laranjas”. Um esquema que desviou 300 milhões de reais. E não foi um trabalho dos órgãos de investigação, mas dos jornalistas”. O repórter-cinematográfico foi Rafael Trindade.
A grande virada nas coberturas da RPC foi com a operação Lava Jato. Até então, Curitiba não estava no epicentro das reportagens nacionais, e foi com o escândalo de corrupção que abalou o país que a rotina começou a mudar: “Em princípio, a RPC não tinha ideia do que seria, ninguém na verdade tinha”.
Com o auxílio de jornalistas de Brasília, um novo processo de cobertura se estabeleceu na capital, agora com o contato com fontes ligadas ao caso, que assumiu uma amplitude nacional. “ A Camila Bonfim conseguiu um material que a gente queria muito. Mas como aproveitar? Como é que faz? Tínhamos feito todo um caminho para aquilo. E aí, ela disse assim: ‘ Tem que ter paciência, você não vai chegar lá e conseguir; eu fui dez vezes conversar com essa fonte. Na décima vez ela começou a me passar alguma coisa e veio esse papel. Então, você tem que tentar. A gente tinha muito isso, hoje parece ingenuidade, mas na época não era; se você for até lá, você tem que conseguir. Como é que você vai lá e vai voltar sem nada? Camila sempre nos dizia:“ É um trabalho de formiguinha mesmo, às vezes, você vai dez vezes e não consegue, vai 20 e consegue”; tem que criar um relacionamento, uma relação profissional”. Diferentemente das coberturas que Curitiba estava habituada, quase sempre voltada para os jornais locais, agora envolvia todo um país. “Você precisa ter um nível de confiança profissional, que a pessoa possa te passar informações, é a questão do off. As relações são formais e você tem que ter credibilidade”.
#Lavajato
Foram muitos os depoimentos que Malu e a equipe de Curitiba acompanharam no decorrer da Lava Jato. E-mail e hashtag foram criados para centralizar a quantidade de informações que iam surgindo. Ela explica como começou a cobertura: “O Paulo Roberto Costa era diretor da Petrobrás e o esquema dele era ligado ao Partido Progressista. Ele foi pra Petrobrás e recebia um valor que era dividido com os deputados do PP. Quem lavava esse dinheiro era o doleiro Alberto Youssef, que entrou na investigação porque tinha um documento de um carro Land Rover que ele tinha comprado para o Paulo Roberto. Ele recebia uma mesada e foi assim que a PF descobriu o caso. O Paulo Roberto Costa foi o primeiro delator desse núcleo. Nesse depoimento, se descobriu que havia um grande esquema de divisão de propina, entre o PP, o PT e o PMDB. O Alberto Youssef foi o primeiro a citar o Eduardo Cunha, que teria recebido cinco milhões de reais.”
Mazza começou a acompanhar a operação quando o doleiro e o diretor da Petrobrás foram presos e, em seguida, uma decisão judicial mandou soltá-los. Inúmeros plantões foram feitos pela repórter na Polícia Federal em Curitiba. Em liberdade, Paulo Roberto começou a delação premiada.
Na 7ª fase da operação Lava Jato houve uma reviravolta quando as grandes empreiteiras do país foram delatadas no esquema: “Camargo Corrêa, OAS, aquelas empresas que faziam todas as obras do país. Empresas que faziam obras para a Petrobrás e havia a suspeita de que elas tinham formado um cartel para fraudar licitações”.
Não faltaram depoimentos polêmicos na cobertura do caso: “Um dos delatores, Pedro Barusco, disse que eles faziam sorteio para ver quem ficaria com qual obra. Falavam que não era um esquema que tinha sido inventado por um governo. Teria existido desde 1998″.
As investigações avançaram na 14ª fase da operação. Nesse momento, Marcelo Odebrecht foi preso. A empresa foi alvo da operação, junto com a Andrade Gutierrez: “Existia um esquema diferente com a Odebrecht. Não se tinha investigado a Odebrecht tão a fundo, mas se sabia que a forma de pagamento era diferente das outras empresas. Era com conta no exterior, offshore, o esquema era mais complexo. A gente percebeu naquele primeiro momento que a Odebrecht era mais combativa nas investigações, eles questionavam a maneira como a PF e o Judiciário conduziam o processo”.
Para acompanhar, e decupar, as delações da Odebrecht foi montada uma “ sala de guerra”, em Brasília. Malu Mazza e o produtor José Vianna integraram a equipe durante duas semanas. Eram três turnos de trabalho intenso até decidir o que seria imprescindível estar nos telejornais do dia.
Jornal Nacional: Operação Lava Jato - prisão de Marcelo Odebrecht (2015)
Aletheia
As primeiras notícias que envolveram o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva também foram de Curitiba. Alvo da investigação Aletheia (24ª fase da operação Lava Jato), as informações que chegaram à imprensa era de que a empresa de Lula, a LIUS, estaria recebendo propina de empresários: “Em 2016, a operação triplo X investigou o condomínio Solaris, que era um empreendimento originalmente da Bancoop, a cooperativa dos bancários de São Paulo. A obra foi terminada pela OAS, por impossibilidade da Bancoop tocar o projeto. A Triplo X investigava apartamentos do condomínio: um da família do Vaccari, outro que pertencia a uma offshore da Mossack Fonseca e citava genericamente a unidade 164 A, sem falar em Lula ou Marisa”.
No dia em que Lula prestou depoimento no processo do triplex, ao então juiz Sérgio Moro, todo o jornalismo de Curitiba foi mobilizado. Não existia outra pauta. Era um acontecimento inédito com um ex-presidente. “Atraiu a curiosidade de todo mundo. A equipe toda da RPC ficou ligada nisso, tinha equipe no aeroporto, no portão, esperando um flash. A cidade parou. As pessoas com medo de haver conflito entre petistas e antipetistas. Foi um esquema de segurança inacreditável".
Foi um aprendizado a cobertura da Lava Jato, diz Malu Mazza, quando o juiz Sérgio Moro retirou o sigilo das escutas telefônicas e deixou tudo público no processo eletrônico. As conversas não eram só entre Lula e Dilma- embora essa seja a mais célebre, justamente pelo conteúdo sugerir uma obstrução de Justiça. Havia várias conversas. Dele com a família, com pessoas do Instituto Lula, com o ex-prefeito do Rio, Eduardo Paes. Eram dezenas de áudios.
A equipe ficou sabendo da existência de um determinado áudio entre a presidenta e Lula às cinco da tarde. A informação chegou pelo repórter Vladimir Netto. “A gente tinha que entrar no processo e acessar os áudios, que não vinham com identificações de quem estava conversando com quem, nem qual era o tema do diálogo. Como eram dezenas de áudios, era procurar agulha em palheiro mesmo… A decisão de fazer uma reportagem enorme naquele dia não se mostrou a mais acertada".
Jornal Nacional: Operação Lava Jato - depoimento de Lula (2017)
Prisão de Lula
Quando a prisão de Lula foi decretada, o jornalismo da RPC deslocou uma unidade móvel para a Polícia Federal, uma área residencial e tranquila. Mas as ruas eram estreitas e não tinha onde estacionar o carro com link. A equipe, então, foi para um estacionamento em frente a PF. “Nós tínhamos a informação que teria um complexo médico, que ele iria para a sala do Estado Maior, por ter sido presidente. Começamos a estruturar nossas equipes por toda aquela área. Sabíamos o percurso do helicóptero, pensamos nos imóveis que poderíamos alugar, todas as possibilidades. Demorou um pouco, foram uns dias até que a prisão se efetivasse. Foi num sábado e era justamente o dia que eu estava lá".
Malu conta que apoiadores do ex-presidente se concentraram na frente à PF e os veículos foram hostilizados. A equipe optou por ficar no estacionamento, em cima do carro, e entrar ao vivo de lá. “Soubemos que havia gente sendo agredida. Aí saímos daquela área e fomos para um apartamento que tinha sido alugado, bem próximo. O Leonardo Morrone estava lá para fazer a imagem, com essa lente bem forte. Foi uma decisão conjunta de ficar no apartamento, pensando na nossa segurança. Acabamos não entrando no JN. Quando o helicóptero estava vindo, começou o plantão e estouraram muitos fogos. A fumaça vinha toda na minha cara e eu não enxergava nada. E eu estava ao vivo e tinha que falar alguma coisa. Tinha as informações dos fatos, sabíamos que o helicóptero estava chegando, mas não sabia exatamente o que estava acontecendo. De repente, o auxiliar Paulo Kreling, que estava com o Leonardo, nosso cinegrafista, corre para o meu lado e começa a fazer mímica, para me tirar desse apuro. Uma mímica pra me mostrar o que estava acontecendo, o ex-presidente descendo do helicóptero. Eu lembro que falava assim: ‘O ex-presidente chegou agora no prédio da Polícia Federal, ele desce pelo heliponto, desce uma escada. Quando terminou aquilo, eu falei: ‘Gente, se não fosse você ali a me ajudar… Esse é um trabalho em equipe de verdade”.
Plantão Globo: prisão de Lula (2018)
FONTES:
Depoimento de Malu Mazza ao Memória Globo em 19/09/2018. |