Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Luiz Henrique Alvarenga Rabello é um autodidata apaixonado por televisão. Cursou alguns períodos de Arquitetura e Economia quando jovem, mas se formou anos depois em Jornalismo, quando já estava estabilizado na carreira. Rabello começou na Globo como contínuo da redação, em 1980. Rapidamente se encantou pelos equipamentos de geração e recepção de sinal e, por conta própria, passou a observar o trabalho de operadores de VT e de ENG. Aprendeu rápido o ofício. Oito meses depois, foi contratado nesta função. Ao longo do tempo, assumiu novas responsabilidades dentro do setor de Operações do Jornalismo – área dedicada a pensar estrutura de transmissão da notícia. Passou a liderar equipes como supervisor, coordenador e gerente, atuando tanto no dia a dia, quanto em grandes coberturas, como Copas do Mundo e Olimpíadas, eleições. Rabello também integrou o grupo que implantou a estrutura tecnológica da GloboNews, no final dos anos 1990. Foi gerente de Operações até julho de 2020, quando deixou a Globo.

Luiz Henrique Rabello, em entrevista ao Memória Globo, 2016 — Foto: Renato Velasco/ Memória Globo

Jornalismo é a minha cachaça, é uma coisa que me completa

Filho do mecânico Ademar Rabello e da cozinheira Bartolomea Medeiros de Albuquerque Rabello, Luiz Henrique Alvarenga Rebello nasceu no Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1959. Estudou em escola pública e decidiu que seria arquiteto. Quando estava prestes a concluir a graduação, deixou o curso e resolveu fazer Economia, onde ficou apenas por seis meses. Isso porque, na mesma época, conseguiu um trabalho como contínuo na redação do Jornalismo da Globo, no dia 9 de julho de 1980. Um novo mundo se abriu para ele, ficou encantado. Não queria mais saber de outra coisa. Começou ali a construir uma carreira sólida, baseada, como ele mesmo diz, em “transparência”, de 40 anos de dedicação ao setor de Operações da emissora.

“Uma frase que eu adoro: ser sempre transparente. Duas coisas que acho fundamentais, independente da função, é ter respeito e transparência.”

Em apenas oito meses, Luiz Rabello passou de contínuo a operador de VT e pôde realizar o sonho de trabalhar no 'Jornal Nacional', onde conheceu a diretora de Jornalismo Alice-Maria, com quem diz aprendido muito. “Sofri muita cobrança dela, mas acho que todas foram muito construtivas para minha formação”, avalia. Depois de um ano e meio, passou a coordenador de ENG, gerenciando o trabalho dos operadores que faziam a gravação das reportagens, em um tempo em que havia contratação de satélite por horário fixo, com alto custo, o que exigia precisão de todos. “Você tinha que se superar. Havia 15, 20 minutos de manhã para receber quatro, cinco praças. Você tinha nove estados no Nordeste para receber em 20 minutos. Claro que diariamente não eram esses estados todos, mas eram três, quatro estados, e você tinha que agilizar isso para não perder nada”, explica.

O próximo cargo foi de coordenador de Produção, no qual ficou cerca de três anos até se tornar supervisor de Operações. Nessa trajetória, Rabello acompanhou de perto o desenvolvimento tecnológico em sua área de atuação. Do uso de filmes até o universo digital, com a incorporação da tecnologia 4k, lidou com a chegada dos equipamentos em U-matic, das unidades móveis e do sinal digital, mudanças percebidas como pequenas revoluções, quando implantadas.

Luiz Henrique Rabello e a equipe de Operações nos bastidores da gravação do piloto do novo estúdio do 'Jornal Nacional', 2017 — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

“Hoje existe o que a gente chama de escritório 2.0, o do Japão, que faz uma transmissão, via internet, com uma qualidade muito boa, excelente. Hoje você pega imagem de agência por site. Você sabe o que está acontecendo em tempo real. A vantagem é que você descobriu o mundo com o satélite e está redescobrindo o mundo com a internet”.

Grandes eventos

No primeiro grande evento de que participou, a Copa do Mundo da Espanha, em 1982, Luiz Rabello se assustou com a quantidade de jogos que precisavam ser gravados, mas aceitou bem a tarefa pelo prazer do trabalho. Ele esteve envolvido com a competição no dia a dia, mas atuando no Brasil, assim como em 1984, na Olimpíada de Los Angeles. Nestes Jogos, já na função de coordenador, precisava seguir um rígido cronograma, definido com diversas chefias, para saber o que levar ao ar, e quando. Quatro anos depois, em Seul, o desafio foi mudar completamente o ritmo de vida, pois as provas eram realizadas de madrugada, aqui.

A primeira viagem aconteceu em 1998, na Copa do Mundo da França, quando ele ficou inteiramente dedicado ao evento. “Fazia todos os jornais, menos o Bom Dia Brasil. Fazia do Globo Esporte ao Jornal da Globo, coisa assim de 15 horas por dia, todos os dias. Eu me lembro que pensei assim: ‘Tenho que tirar uma foto na Torre Eiffel para o meu filho acreditar que eu estava aqui’. E aí um dia eu não dormi, virei a noite para ir até a Torre Eiffel e tirar um monte de fotos. Bom, agora está registrado”, rememora.

Gerência de Operações

Ainda em 1998, depois de voltar da França, Luiz Rabello se tornou gerente de Operações. Um dos trabalhos iniciais desenvolvidos na nova função foi uma avaliação de sua equipe e um grande estudo que detalhou a atuação de cada um na área, o que possibilitou a correta adequação dos profissionais em termos de cargos e salários. Como gerente, conduziu a operação de cobertura da Olimpíada de Sidney, em 2000, enfrentando o desafio de garantir a continuidade da estrutura necessária ao jornalismo cotidiano, no Brasil, com a montagem de uma equipe exclusiva para a competição.

Outra medida tomada a partir de um amplo estudo foi a criação do PGR, em 2011. Com a nova estrutura, buscou-se dar um uso mais inteligente às ilhas de edição, com ganho de tempo e melhor distribuição de recursos humanos e técnicos entre programas importantes da grade de jornalismo, como o 'Fantástico' e o 'Globo Repórter'.

Luiz Henrique Rabello com Cid Moreira, Sérgio Chapelin e Rosa Magalhães, no aniversário de 50 anos da Globo. — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

Logística

Uma preocupação constante da Gerência de Operações é a logística, como enfatiza Luiz Rabello. Cobrir um evento como a Copa do Mundo do Japão e da Coreia, em 2002, exige um planejamento muito bem-executado, na medida em que há a diferença de fuso horário, no outro lado do mundo, e a necessidade de deslocamento de equipes em dois países. Na Olimpíada de Pequim, em 2008, novamente a questão do fuso horário teve impacto, enquanto que na Copa do Mundo da África, em 2010, a falta de infraestrutura local fez com que equipamentos precisassem ser enviados às cidades-sede.

Eventos no Brasil

Os eventos realizados no Brasil demandaram outro tipo de esforço. Os Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007, tiveram uma operação complexa, pelo engajamento maior da equipe, porque a competição envolvia não apenas o esporte, mas toda a estrutura de jornalismo no Rio de Janeiro, em função do impacto no trânsito e na cidade em geral. Em 2014, foi a vez da Copa do Mundo. “A gente começou a planejar a Copa com pelo menos dois anos de antecedência, então tínhamos reuniões periódicas sobre a parte operacional, como íamos cobrir, que programas seriam produzidos. Sendo na nossa casa, você tinha mais programas, desde o primeiro telejornal, 'Bom Dia Brasil', até o 'Jornal da Globo', com programas intermediários”, detalha.

Dois anos depois, aconteceram os Jogos Olímpicos no Rio. Se a Copa ocorreu em vários estados, a Olimpíada foi uma exclusividade carioca. “Acho que tivemos alguns diferenciais, como o estúdio sensacional que construimos no Parque Olímpico. Se você pegar eventos lá fora e olhar a transmissão da emissora-sede, não verá uma cobertura igual a nossa. É uma coisa única, quem participou, participou”, define.

Futebol brasileiro

A transmissão de vários campeonatos, como o Brasileiro, a Copa do Brasil e a Libertadores da América, criou a necessidade de definição de formatos de coberturas, como explica Luiz Rabello. No início das competições, por exemplo, usam-se dez câmeras em cada jogo; quando chegam as etapas finais, e o espaço de cada jogo na grade de programação aumenta, a robustez da cobertura passa a ser maior, começa a haver preocupação não só com a partida, mas também com o que cerca o espetáculo, principalmente em grandes cidades. “Hoje, há 600 pessoas listadas em uma planilha de eventos. Então, planejamento é fundamental. Isso dá um ganho enorme lá na frente”, garante.

Experiências marcantes

Entre as experiências marcantes da carreira do gerente de Operações, que mostram inclusive a autonomia desfrutada na empresa, está a coordenação de uma entrada ao vivo da repórter Zileide Silva, que estava no arquipélago de Galápagos no momento em que um barco afundava. “O editor internacional não acreditou em mim: ‘Não, você está maluco’. Eu falei: ‘Vai ao ar, sim, vamos fazer, diga para o William chamar’. E aí eu me lembro até hoje que o editor internacional virou as costas para não olhar. A Zileide estava posicionada, ela e o cinegrafista Orlando Moreira. O vivo dela calhou com o barco afundando, aquela imagem da Globo rodou o mundo inteiro”, comemora.

Bem antes de exercer funções de comando, Luiz Rabello lidou com outro fato marcante, o atentado no Riocentro, em 1981. Ainda como operador de VT, estava de plantão quando recebeu, quase uma hora da manhã, um material gravado, sem saber exatamente o que havia acontecido. A diretora de Jornalismo Alice-Maria, acompanhada de Roberto Irineu Marinho, perguntou se ele sabia editar. Apesar de ainda estar aprendendo, Luiz Rabello disse que sabia e, muito nervoso, ajudou a colocar um flash sobre o atentado no ar.

O Rock in Rio de 1985, que inaugurou a série de festivais, também ficou em sua história. Não havia na época satélite nem fibra ótica, trabalhava-se ainda por micro-ondas, com enlaces de sinal, algo que tornava um desafio a transmissão de muitas horas de programação ao vivo, longe da emissora. “Eu bato palmas para os meus diretores de TV, imagina só a visão de 20 monitores diferentes, você escolhendo. Atualmente você tem recurso de recuperação, coisa que não havia em 1985, você não tinha”, lembra.

Rabello com o supervisor de operações Ricardo Mattos, 2009. — Foto: Paulo Jabur/Memória Globo

Tragédia da Chapecoense

A queda do avião com o time da Chapecoense, que vitimou em 2016 atletas, comissão técnica e jornalistas, gerou uma extensa mudança na programação. O 'Jornal Nacional' que se seguiu à tragédia chegou a ter uma hora e meia de duração. “Isso é uma coisa que mudou muito aqui, antigamente não havia essa flexibilidade, o jornal que era com 40 minutos, era com 40. Hoje, não, é notícia, você negocia”, afirma.

Cobertura do carnaval

Participando da cobertura do carnaval desde 1981, antes da inauguração do Sambódromo, Luiz Rabello acompanhou as novidades na transmissão do evento, como o uso de recursos tecnológicos que possibilitam ao telespectador ver detalhes do desfile. “Você está sempre criando alguma coisa nova, um estúdio de vidro, um estúdio na dispersão, você muda a transmissão, teve a Cable Cam, teve câmera de trilho, é preciso buscar a inovação. A gente tem muita diferença no áudio, houve uma evolução muito grande e você consegue botar nas TVs um áudio nítido das baterias”, exemplifica.

A tecnologia também permitiu que fossem levadas à frente iniciativas como a Caravana JN, criada para que o 'Jornal Nacional' pudesse ser ancorado de diversas cidades do Brasil, aproximando-se de seus moradores. Em algumas das primeiras caravanas, transportadas por ônibus, Luiz Rabello esteve pessoalmente. Depois, os deslocamentos passaram a ser feitos de avião. Ele conta que nem sempre havia boas condições técnicas para transmissão nos lugares escolhidos, o que exigia criatividade, além de um correto planejamento logístico.

Camila Andrade e Luiz Henrique Rabello durante ancoragem do 'JN' em Brasília, 50 anos da cidade. — Foto: Memória Globo

Implantação da GloboNews

Como gerente de Operações, Luiz Rabello também participou, desde o início, da implantação da GloboNews, a partir de 1996. “A gente não tinha noção do que era colocar um canal 24 horas no ar e fomos fazendo aos trancos e barrancos, com um custo bem pequeno, infraestrutura bem pequena, muita gente nova. Agora, é um canal totalmente diferente, você pode ousar, a GloboNews bota um celular no ar sem problema nenhum”, assegura.

Otimista sobre as possibilidades que o futuro reserva, em função das tecnologias mas, sobretudo, da qualidade dos profissionais que o cercam, Luiz Rabello ressalta que “a gente tem um diferencial muito grande, isso aqui não é uma fábrica de cimento, de tijolo. As pessoas são o nosso negócio”.

Em julho de 2020, Rabello se aposentou e deixou a Globo.

FONTES:

Depoimento de Luiz Henrique Rabello ao Memória Globo em 11/10 e 06/12 de 2016
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