Nascido no Brasil, cidadão de Nova York, o mineiro Lucas Mendes trouxe durante 40 anos um olhar particular sobre os acontecimentos dos Estados Unidos para o público brasileiro. Testemunha de muitos dos principais fatos que marcaram a história das últimas décadas, Lucas sempre se esmerou em transmitir para seu país de origem as notícias internacionais. A oportunidade de ir para fora do Brasil veio logo cedo, quando, em 1968, ganhou uma bolsa de estudos de um ano para jornalistas profissionais na World Press Institute, patrocinada pela organização Reader’s Digest. Ao terminar a bolsa, foi contratado pela Bloch Editores para ser correspondente em Nova York. Em 1975, surgiu a oportunidade de trabalhar na Globo, em Nova York.
O jornalista Lucas Mendes, em entrevista exclusiva ao Memória Globo em 28/01/2009, fala sobre a censura nos anos de ditadura.
Trajetória
Filho de um dentista e de uma dona de casa, Lucas Mendes Campos estudou em Belo Horizonte até o final do científico (hoje ensino médio), e veio para o Rio de Janeiro com o objetivo de ser diplomata. O jornalismo não estava nos planos, mas apareceu em seu caminho, com o trabalho de repórter nas revistas Fatos & Fotos e Manchete, da Bloch Editores.
Em 1968, ganhou uma bolsa de estudos de um ano para jornalistas profissionais na World Press Institute, em Nova York, patrocinada pela organização Reader’s Digest. Ao terminar a bolsa, foi contratado pela Bloch Editores para ser correspondente em Nova York.
Em 1975, surgiu a oportunidade de trabalhar na Globo, a convite do jornalista José Itamar de Freitas, na época editor-chefe do Fantástico. Lucas conta que, antes de começar, foi encaminhado para fazer um treinamento no Rio de Janeiro com a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller, para melhorar sua voz. “Eles me botaram no Hotel Everest, fiquei lá uma semana em um esforço inútil da dona Glorinha, porque a minha voz de mineiro é para dentro mesmo, é uma voz muito ruim para rádio e televisão. Se fosse nos Estados Unidos ou na Inglaterra, eu jamais faria rádio ou televisão com esta voz”.
Entrevista exclusiva de Lucas Mendes ao Memória Globo sobre a inauguração do escritório da TV Globo em Nova York, em 1973.
Após um ano na Globo trabalhando como correspondente em Nova York, Lucas Mendes entrevistou para o Esporte Espetacular o técnico da seleção masculina de basquete dos Estados Unidos, Dean Smith. O treinador Smith comandou os americanos na conquista da medalha de ouro nos Jogos de Montreal, em 1976.
Lucas teve o privilégio de iniciar sua carreira como jornalista sem a pressão da censura, que começou a apertar no Brasil logo que ele foi para os Estados Unidos. Naquela época, não existiam videoteipe nem satélite. “Mandava a fita de avião, raramente dava para entrar no Jornal Nacional, só quando tinha um acontecimento maior”, conta. Sua primeira cobertura internacional foi uma viagem ao México, para testemunhar a posse do presidente eleito, José López Portillo, em 1976. No ano seguinte, foi ao Cairo cobrir a repercussão da viagem de Anwar Sadat, presidente do Egito, a Israel. A visita era a tentativa de firmar um acordo de paz no Oriente Médio. Do início de sua carreira, Lucas Mendes destaca também a cobertura das revoluções da Nicarágua, de El Salvador, e outras matérias sobre a América Central: “Trabalhávamos com liberdade de tempo, liberdade de ação, tínhamos contatos. O fato de ser brasileiro abria muitas portas em El Salvador, e com isso fazíamos matérias mais críticas aos militares, críticas da repressão, mostrando abusos e excessos, e eram iguaizinhas às situações daqui. No Brasil você não podia falar de repressão, de prisão, de tortura, aí você falava da América Central, El Salvador e Nicarágua”.
Escritório da Globo em Nova York
Durante sua carreira no escritório da Globo em Nova York, cobriu eventos memoráveis com matérias para o Jornal Nacional, Jornal da Globo, Fantástico e Globo Repórter, como a entrevista exclusiva com Robert Gallo, um dos cientistas que identificou o vírus da AIDS, a Guerra das Malvinas, o caso Watergate e a renúncia de Richard Nixon e as posses dos presidentes americanos Jimmy Carter (1977) e Ronald Reagan (1981). A cobertura da posse de Carter, que mobilizou dezenas de profissionais, muitos vindos do Brasil, foi a primeira cobertura de vulto, produzida pelo jornalismo da Globo, da qual o jornalista participou.
Em outubro de 1978, mais de 900 fiéis de uma seita comandada pelo pastor Jim Jones se suicidaram em Jonestown, na Guiana. Lucas Mendes foi enviado para a região com toda a estrutura para produzir a cobertura da notícia, mas teve que enfrentar uma censura por parte dos americanos que não queriam a imprensa estrangeira lá. “Era uma matéria para o Fantástico. Tínhamos o avião, o piloto, tínhamos tudo, e não nos deixaram descer em Jonestown. Não fizemos imagem do local.”
A cobertura de fatos históricos dos anos 1980, como o assassinato de John Lennon (1980), o caso Irã-Contras (1986) e a explosão do ônibus espacial Challenger (1986) e a visita do estadista russo Mikhail Gorbachev ao presidente Fidel Castro, em Cuba (1989) trariam ainda mais experiência à carreira de repórter de Lucas Mendes. A prática o levou a definir uma reportagem para TV como uma história contada em 90 segundos e que tem na imagem seu ingrediente principal. “A minha ideia da matéria é a seguinte: não entrar em conflito com a imagem. As imagens na televisão são, quase sempre, mais importantes que o texto. Quando elas contam, você não interfere, você não atrapalha”.
Watergate e Renúncia de Nixon (1974)
Entrevistas marcantes
Entrevistas com personalidades também marcaram sua carreira. Em seu currículo, estão conversas com o cineasta Woody Allen, o pugilista Muhammad Ali e o líder palestino Yasser Arafat. Esta última foi uma aventura. Através de um contato intermediado por um pastor do estado americano de Delaware, Lucas Mendes foi à Palestina em 1979 entrevistar Arafat. A longa espera até conseguir encontrar o entrevistado o marcou: “A sensação de ficar três semanas naquele lugar… Naquela época era uma barra pesada – tiro a noite inteira, morteiro, Israel passava com os aviões fazendo rasantes, mesmo durante o dia, rompia a barreira do som, fazia uma explosão terrível em cima da cidade”.
Lucas Mendes trabalhou no escritório da Globo em Nova York de 1975 a 1990. Em seguida, foi trabalhar na TV Record, até o escritório da emissora em Nova York ser fechado em 1992. Passou nove meses sem emprego fixo. Em 1993 veio o convite do GNT, que daria origem a um dos programas mais bem-sucedidos da TV a cabo brasileira, o Manhattan Connection.
Manhattan Connection
O GNT queria produzir um programa de reportagens internacionais, mas tinha uma verba pequena para o projeto. Lucas Mendes sugeriu um formato de estúdio. A ideia da “Conexão” surgiu de um projeto antigo que ele tinha com Paulo Francis para um programa de rádio, que acabou não dando certo. Com a concretização do Manhattan, os dois amigos consolidaram profissionalmente uma parceria que começou ainda na década de 1970. Foi por intermédio de Lucas que Francis entrou para a Globo.
O Manhattan Connection estreou em março de 1993. O programa era um painel semanal que discutia fatos políticos, econômicos e culturais com um tempero de polêmica. Lucas Mendes era o mediador que regia e equilibrava os comentários dos outros participantes. Nas palavras de Lucas, o segredo do programa era reunir “pessoas com personalidade forte, controvertidas, ideias próprias”.
A primeira formação da mesa tinha, além de Lucas, Nelson Motta, Caio Blinder e Paulo Francis, que marcou o Manhattan com seus comentários ácidos, controversos e imprevisíveis. Depois de sua morte, em 1997, a cadeira foi ocupada por personalidades que pudessem desempenhar um papel similar ao de Francis. Arnaldo Jabor cumpriu a tarefa durante seis anos. Hoje, o papel de principal polemista da Conexão está com Diogo Mainardi, que compõe a mesa com Lucas Mendes, Caio Blinder, Ricardo Amorim e Pedro Andrade. Já passaram também pela bancada do Manhattan Connection o antropólogo Roberto da Matta, o teatrólogo Gerald Thomas e a jornalista Lúcia Guimarães. Depois de ficar no GNT durante 17 anos, o Manhattan Connection mudou de casa. Passou a ser transmitido pelo canal de notícias GloboNews.
No Manhattan, Lucas Mendes comandou debates que ajudaram o público a compreender melhor diversos fatos que marcaram as últimas décadas, com destaque para os atentados às Torres Gêmeas e a eleição de Barack Obama. Como cidadão de Nova York, ele sentiu em sua rotina o baque gerado pelo ataque terrorista de 11 de setembro de 2001: “O maior choque foi mesmo da vulnerabilidade que tinha não só a cidade, mas o país inteiro, como a gente estava exposto, vulnerável, frágil, diante de um plano tão bem armado, tão incrível, tão fantástico como foi a queda das torres”.
Além de comandar a bancada do Manhattan Connection, Lucas Mendes também era visto à frente do programa de entrevistas 'Milênio', também da GloboNews, desde 1996. Trabalhou ainda como correspondente da BBC por 14 anos (1994 a 2008) e da Rede Cultura durante 10 anos (1993 a 2002). Sua obra inclui ainda os livros Conexão Manhattan, Crônicas da Big Apple (1996) e Manhattan Re-Conexões (2004).
Em outubro de 2015, Lucas Mendes foi agraciado, em Nova York, com o Maria Moors Cabot, o prestigiado e mais antigo prêmio do jornalismo mundial dos EUA. Ele foi reconhecido como um dos cinco melhores jornalistas do mundo em função de seu trabalho dedicado a promover o diálogo e a democracia nas Américas.
Em 2020, o Manhattan Connection saiu do ar na GloboNews e Lucas Mendes deixou a Globo.
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