Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

A disposição para buscar o novo e enfrentar desafios está na genética de Leticia Viana Muhana. Os avós paternos imigraram para o Brasil vindos da Síria e do Líbano. Os avós maternos, da Espanha. Leticia nasceu carioca, em 20 de agosto de 1953, filha de pais baianos. O início da infância foi no Rio de Janeiro, até que o pai decidiu voltar para a terra natal. “Meu avô Gabriel havia desenvolvido um câncer e meu pai decidiu passar com ele os últimos meses de vida. Fomos para Salvador. Eu cheguei aos oito anos lá e saí aos trinta”, conta.

O período de adaptação teve lá suas dificuldades. Leticia já carregava um sotaque carioca que se tornou alvo de implicância dos novos colegas da escola. A menina que se tornaria mais tarde uma jornalista empreendedora, passou tempos evitando se comunicar. “As crianças são cruéis. Quando eu chegava na escola, elas ficavam brincando. Então, para mim, era um horror falar. Eu fiquei sem falar na escola do ginásio ao admissão”, lembra.

Depoimento de Leticia Muhana ao Memória Globo, 2015 — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

Quando a gente estreou, a Globosat tinha quatro canais pra zero assinante. Hoje, temos mais de 20 milhões. E aí você fala: a gente venceu.

Leticia Muhana se formou em Comunicação Social pela Universidade Federal da Bahia. “Eu fiz vestibular para Administração de Empresas, por influência do meu pai que, naquela altura, já havia deixado o trabalho como bancário e era empresário. Ele queria que eu seguisse um pouco a atividade dele, mas nos anos 1970, que foi o período em que eu fiz vestibular, havia uma efervescência cultural, e eu ali, com aquela gente fazendo contabilidade, não dava certo. Então, apliquei para comunicação.”

O primeiro estágio foi na área de publicidade, mas faltou identificação. Leticia foi, então, estagiar na redação de um jornal. “Eu fui para a Tribuna da Bahia e adorei, me achei em uma editoria pela qual todo estagiário passa, a editoria de Cidade. Cobria chuva, buraco, abrigado, desabrigado, mas eu adorava. Um dia eu tive a oportunidade de ser chamada para concorrer a uma vaga na produção do departamento de jornalismo da TV Aratu, então afiliada da Globo. E quando eu pisei na TV Aratu, eu falei: ‘Olha, esquece Tribuna da Bahia, esquece e vamos embora para televisão, e eu vou buscar essa vaga, eu vou brigar com as outras duas candidatas à vaga de produção de jornalismo.’ E consegui.”

Depoimento Leticia Muhana ao Memória Globo, 2015 — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

A partir daí, a televisão se transformou no mundo de Leticia. A década de 1980 se iniciava e a jornalista aproveitava cada oportunidade de conhecer os diversos setores da televisão. “Trabalhar em uma afiliada é difícil porque tem uma estrutura menor, mas te dá uma cancha, porque você acaba compreendendo tudo da atividade de televisão, como o comercial, a área de programação, engenharia. Então, aquilo foi importante para mim porque eu era obrigada a entender de televisão de um jeito amplo, bacanérrimo, e isso me deu ferramentas para poder trabalhar. Ao mesmo tempo que a gente sentia dificuldades operacionais, isso dava pra gente entusiasmo, uma vontade de fazer melhor, de brigar com os desafios”, lembra.

Na TV Aratu, Leticia teve diversas funções. Foi produtora, repórter, chefe de reportagem, chefe de redação e de telejornais. “Eu era a segunda do departamento. Tive o privilégio de trabalhar com Alice-Maria [então diretora de telejornais da Globo] quando ela estava criando o 'Bom Dia Brasil'. Eu e o Hermano [Henning] estreamos o 'Bom Dia Bahia' naquela época. Foi uma Disneylândia pra mim, trabalhar com Alice e com aqueles profissionais que faziam o jornalismo da Globo naquele momento. Foi uma sorte e um privilégio.”

Ingresso na Editoria Rio

Em 1984, Leticia foi convidada pelo então diretor da Central Globo de Jornalismo, Alberico de Sousa Cruz, para trabalhar como editora do 'RJTV'. A chegada ao Rio de Janeiro aconteceu em 10 de abril, dia do comício das Diretas Já, que reuniu cerca de um milhão de pessoas na Candelária. “Aquilo para mim foi um marco, embora eu não estivesse entendendo muito o tamanho daquele evento. Acho que nem eu nem muita gente. Foi emblemático. A partir daí, eu comecei uma nova escola. Uma escola que me deu tudo.”

Com desejo de absorver o conhecimento possível e com poucas amizades na cidade, Leticia passava o tempo todo na TV. Cobria folgas de colegas, férias e licenças. “Eu chegava de manhã e saía à noite. Feliz da vida, porque eu acho que é isso, se você gosta, se você foi feita pra aquilo, é um prazer, é uma festa, não tem sofrimento. Tem é sede de aprender, de ouvir, de pegar aquelas laudas, naquele momento de laudas, de máquinas de escrever pretinhas. Era quase familiar o ambiente profissional.”

No ano seguinte à sua chegada, Leticia participou da cobertura da eleição e da morte do Presidente Tancredo Neves. Um momento que ficou na memória da jornalista. “A gente trabalhava muito, e com o coração apertado porque o cidadão, a cidadã, extrapola a função do jornalista, então era a vida da gente junto, era tudo junto naquele momento.” Na editoria Rio, ela atuou também como editora-chefe das duas edições do 'RJTV', como chefe de reportagem, e foi também chefe de redação da editoria Rio. À frente da segunda edição do 'RJTV', capitaneou importantes coberturas da Assembleia Constituinte de 1988.

“A gente fazia programas para que a audiência entendesse o que era a Constituinte, qual era a importância de uma nova Constituição naquele momento. Então, isso deu muita asa pra gente criar, a gente fez muita coisa bacana, junto com [os apresentadores] Eliakim [Araújo] e Leila [Cordeiro]. Os programas iam ao ar depois do 'Fantástico', aos domingos à noite. A gente trabalhava muito para aquilo.”

Atuação no 'JN'

Leticia também foi chefe de redação para os jornais de rede e, mais tarde, em 1989, se tornou editora do 'Jornal Nacional', função que desempenhou até 1991. “Foi um momento complicado no jornalismo porque aconteceu a saída do Armando [Nogueira] e da Alice [Maria], que eram os diretores. Mudou tudo porque as atividades ligadas à chefia de redação, à chefia de reportagem, à edição dos locais, elas passam a ter um outro espectro, um outro jeito. Você sai da liderança de um grupo e passa a ser uma editora respondendo a um editor-chefe. Você torna-se um profissional não líder, um profissional que vai trabalhar para um líder e isso faz toda a diferença na sua rotina profissional.”

Na equipe do 'JN', Leticia foi alocada como coordenadora das reportagens ao vivo na posse do ex-Presidente Fernando Collor. “Para a gente, que tinha pouco a ver com o que o Collor pregava, era sempre mais um desafio a se vencer como cidadão, como pessoa, como brasileiro, mas fizemos uma cobertura excepcional. Foi um momento político importantíssimo.”

Surge a Globosat

A cobertura do impeachment de Collor, em 1991, foi coordenada por Leticia em um novo cargo, o de diretora do canal GNT, da Globosat. “No GNT, a gente transmitiu o impeachment ao vivo. Para mim foi um outro momento, em um outro lugar, lá no Rio Comprido, naqueles porões da Globosat, e com a liberdade de transmitir sem problema de tempo, porque na TV por assinatura nós é que coordenávamos o tempo, diferentemente de uma emissora aberta”, lembra.

A transição de Leticia Muhana do 'Jornal Nacional' para o canal fechado da Globosat foi feita quando o GNT ainda estava no papel, a partir de uma indicação do então diretor de jornalismo da Globo. “O Alberico [Souza Cruz] me chamou na sala dele e falou: ‘Olha, Leticia, o Boni está precisando de uma pessoa que lidere, ou que implante, um canal de notícias, e eu resolvi te convidar’. Eu falei: ‘Bom, meta dada, vamos cumprí-la, vamos tentar entender o que é isso.’ E por um período o meu editor-chefe não sabia que eu me reunia com Boni, [Roberto] Buzzoni e Joe Wallach, que estavam à frente da criação do canal.”

Mesmo participando da gênese dos canais a cabo no país, Leticia ainda manteve suas funções no 'Jornal Nacional' durante um período. “Eu lembro que trabalhava à tarde no Jardim Botânico, no jornalismo, fazendo o 'JN', e de manhã tinha reuniões com aquela equipe que estruturou a Globosat, liderada pelos mestres Joe Wallach, Boni e Luiz Gleiser. Eu trabalhava 24 horas, na função de executiva de manhã, na função de edição à tarde, e à noite coordenava a equipe que editava para o GNT”.

Com os canais da Globosat no ar, Leticia deixou as atividades no 'Jornal Nacional' e assumiu o Núcleo de Informação, que compreendia os canais GNT e Sportv. “Eu me lembro que quando a gente estreou o 'Manhattan Connection' no GNT, em 1993, a engenharia abria o sinal pra toda a base de banda C, então o 'Manhattan', com [Paulo] Francis, Nelsinho [Nelson Motta], Caio [Blinder], Lucas [Mendes], na sua primeira formação, era mais conhecido do que o próprio GNT [risos]. Eu cansava de ir a eventos sociais e ouvia as pessoas falando: ‘Você viu aquele programa do Paulo Francis?’ O programa era muito mais conhecido do que o canal e a própria Globosat.”

Na GloboNews

Em 1995, Leticia se viu diante de um novo desafio: colocar no ar a GloboNews com Alice-Maria. “O Alberto Pecegueiro me emprestou para a Globo, para a gente formatar o que seria a GloboNews. E eu, finalmente, saí da direção do Sportv. A Alice era diretora-geral, eu era diretora-executiva. A gente trouxe a Vera Íris pra ser a responsável pela área de news, e a Mônica Labarthe para liderar a equipe de programas. E naquele momento então, junto com Evandro (Carlos de Andrade, então diretor de Jornalismo da Globo), e da Marluce ( Dias), que tinha a direção-geral da Rede Globo, a gente começou a formar aquele perfil de profissionais que atuou no primeiro momento da GloboNews.”

GNT Portugal e Canal Viva

Leticia Muhana voltou a se dedicar exclusivamente ao GNT, em 1997. Um período que durou pouco. A pedido do diretor-executivo da Globosat, Alberto Pecegueiro, aceitou o desafio de implantar o canal GNT de Portugal. “Era um canal com conteúdo da Globo que não estava na SIC, a Sociedade Independente de Comunicação, naquele momento. Novelas e algumas pequenas janelas de produtos customizados para o público português. Ele entrava no top três de audiência no mercado de pay TV de Portugal. Era divertidíssimo fazer, um privilégio estar lidando com aquele target com o qual eu não tinha nenhuma intimidade.” O canal funcionou até abril de 2006.

Três anos depois, Leticia capitaneava novo projeto: o canal Viva, que estreou em 2010, oferecendo conteúdos da Globo que ficaram na memória afetiva dos telespectadores. Além de diretora do Viva, Leticia também era consultora de programação da Globosat. “Quando a gente estreou, a Globosat tinha quatro canais pra zero assinante. Hoje temos mais de 20 milhões de pessoas [nos assistindo]. E aí você fala: ‘A gente venceu’.”

Em junho de 2015, Muhana anunciou a sua saída da Globosat, sendo substituída por Daniela Mignani.

FONTES:

Depoimentos concedidos por Leticia Muhana ao Memória Globo em 23/11/2015 e 10/12/2015.
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