Por Memória Globo

Zé Paulo Cardeal/Memória Globo

O ator e dramaturgo Juca de Oliveira precisa de muitas folhas para preparar um currículo de sua carreira profissional. E de uma ótima memória. Afinal, são mais de 30 novelas e minisséries na televisão, dez longas-metragens, 60 peças como ator, algumas como autor. Já trabalhou com os maiores nomes da televisão e do teatro brasileiros e, se não bastasse, se envolveu politicamente com sua profissão de tal forma que chegou a assumir, em certo tempo, a presidência do Sindicato de Atores de São Paulo. A verdade é que a história do teatro e da televisão nacionais passa pela vida de Juca de Oliveira. E vice-versa. Nesses anos, aprendeu que o ator tem que ser flexível, viver a personagem e sentir o texto à flor da pele. 

Eu aprendi a não ter uma coisa determinada e fixa. [O diretor] pode pedir: ‘Faz chorando’, e eu faço chorando; mas se não ficou bom, faço rindo. O ator tem essa capacidade, ele cria uma verdade que é só dele.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Entrevista exclusiva do ator Juca de Oliveira ao Memória Globo em 03/03/2010, sobre sua infância.

Entrevista exclusiva do ator Juca de Oliveira ao Memória Globo em 03/03/2010, sobre sua infância.

Início da carreira

"Trabalhava em um banco e, quando terminei o colégio, não sabia exatamente o que fazer. Resolvi fazer um teste vocacional e me disseram que eu não devia fazer nem engenharia nem medicina, porque, segundo eles, tinha dificuldade de raciocínio no campo espacial. Devo ter mesmo, porque até hoje não sei o que significa isso. Acabei fazendo faculdade de Direito na USP. Mas o teste vocacional tinha dito, para meu espanto, que eu devia fazer teatro”.

Parece difícil acreditar que um ator e dramaturgo tão dedicado e de tanto sucesso tenha optado pelo teatro somente após realizar um teste vocacional, mas foi assim que José Juca de Oliveira Santos, nascido em São Roque, interior de São Paulo, em 16 de março de 1935, descobriu seu talento.

Teatro

Juca já havia feito teatro na escola e se lembrou do quanto era gostoso atuar. Até o dia em que viu um anúncio de jornal de um grupo abrindo teste para atores. Foi, ali conheceu Nilcedes Soares, atriz principal do grupo (que anos mais tarde seria nacionalmente conhecida como Glória Menezes) e, o mais importante, descobriu a Escola de Arte Dramática. Por algum tempo, acumulou o banco, a faculdade de Direito e a escola de teatro. “Um belo dia tive que optar. E, como eu tinha me apaixonado desesperadamente pelo teatro, resolvi continuar na Escola de Arte Dramática. Tranquei o Direito no terceiro ano e não voltei mais, infelizmente”, conta.

Seu primeiro espetáculo, 'Frei Luis de Sousa', de Almeida Garrett, não fez muito sucesso, mas na plateia estava Flávio Rangel, um dos mais importantes diretores de teatros do país, que o convidou para participar do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Juca lembra com emoção que foi no palco deste primeiro espetáculo, contracenando com Aracy Balabanian que viu que a dramaturgia era seu verdadeiro destino.

Talvez tenha sido o momento mais emocionante de toda minha vida. Eu me dei conta naquele momento, naquela cena, naquela emoção que nós extravasamos, que eu tinha condições de fazer aquilo. Eu descobri, naquele momento, que eu podia ser um ator. Foi absolutamente genial.

No Teatro Brasileiro de Comédia começou sua carreira profissional e encenou várias peças, como 'A Semente', de Gianfrancesco Guarnieri, e 'A Morte do Caixeiro Viajante', de Arthur Miller, peça que lhe rendeu seu primeiro prêmio como coadjuvante, o Saci, outorgado por críticos do jornal O Estado de S. Paulo.

Nessa época, começou a se envolver com política, filiando-se ao Partido Comunista Brasileiro e atuando em sindicato. No início dos anos 1960, ao lado de Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Paulo José e Flávio Império, comprou o Teatro de Arena, de José Renato. Era uma sala para apenas 80 ou 90 espectadores, onde foi encenado, por exemplo, sucessos como 'Eles Não Usam Black-Tie', de Guarnieri, um marco contra a censura no país. O Arena foi um referência na história do teatro brasileiro, como um celeiro de produção intelectual e um centro contra a ditadura. “Não foi por acaso que o Teatro de Arena foi brutalmente atingido pela ditadura militar. O teatro foi fechado, nós fomos perseguidos. Uma tragédia”, lembra o ator.

Exilado político

Quando as perseguições começaram, Juca de Oliveira acabou se exilando na Bolívia, ao lado de Guarnieri: “Fiquei entusiasmadíssimo, porque Flávio Rangel, Boal e Guarnieri, homens tão importantes, estavam sendo procurados, e eu, que não era absolutamente ninguém, também. Por um lado, fiquei em pânico, mas por outro meu ego ficou insuflado. Paulo José falava assim para mim: ‘Você não está sendo procurado por talento, é por política. Não fica alegrinho, não’. Aí baixei um pouco a bola”.

O fato é que, nesse meio tempo, eles já davam aulas na Bolívia. Mas o pai de Guarnieri havia sido preso, e eles decidiram voltar ao Brasil. Curiosamente, não foram procurados.

De volta ao Brasil, de volta aos palcos e, a novidade, com um contrato para trabalhar na TV Tupi. Juca participou de sua primeira telenovela na emissora, 'Quando o Amor é Mais Forte', em 1964. Também atuou nas primeiras cenas externas da televisão brasileira. Em 1969, protagonizou 'Nino, o Italianinho', um dos maiores sucessos da história da telenovela, tornando-se definitivamente um nome conhecido pelo grande público. Trabalhou na TV Tupi com grandes nomes da teledramaturgia, como Janete Clair, Walter George Durst e Lauro César Muniz. Também dirigiu pela primeira vez, à frente da novela 'Irmãos Corsos': “Eu gravava, gravava e gravava. Às vezes, quando dava três da manhã, eu me sentava no meio-fio em frente à TV Tupi e ficava uma hora, cansadíssimo, para começar no dia seguinte. A experiência foi um inferno. Também dirigi alguns 'Alô, Doçura', com John Herbert e Eva Wilma. Foi horrível. Caí fora, felizmente, e nunca mais dirigi”.

Em 1968, assumiu a presidência do Sindicato dos Atores de São Paulo, quando conseguiu importantes avanços para a categoria, como a regulamentação do ator, a quantidade máxima de tempo de gravação e, até mesmo, uma lei, que ele mesmo redigiu, estabelecendo que o texto teria que ser liberado para memorização 72 horas antes da gravação.

Foi nessa época que a Globo o convidou para fazer 'Os Ossos do Barão', de Jorge Andrade. Mas Juca acabou estreando apenas em 'O Semideus', de Janete Clair, em 1973. Atuou em episódios do programa 'Caso Especial' e, no ano seguinte, participou da novela 'Fogo sobre Terra', da mesma autora, quando fez par com Regina Duarte.

Depoimento de Juca de Oliveira sobre seu ingresso na Globo (1973)

Depoimento de Juca de Oliveira sobre seu ingresso na Globo (1973)

Saramandaia

Em 1976, Juca de Oliveira atuou em 'Saramandaia', de Dias Gomes, com direção de Walter Avancini. Para ele, foi um marco em sua trajetória na televisão: “Eu considero Avancini uma pessoa absolutamente importante para tudo que aconteceu na televisão brasileira em termos de dramaturgia. Nós só começamos a ouvir a linguagem de televisão através de Avancini. Ele inventou uma linguagem de televisão”.

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Webdoc sobre a novela 'Saramandaia – 1ª versão' com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Webdoc sobre a novela 'Saramandaia – 1ª versão' com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Mais novelas vieram, como 'Espelho Mágico', de Lauro César Muniz, em 1977, 'Pecado Rasgado', de Silvio de Abreu, em 1978, além de minisséries e outros 'Casos Especiais'. Em 1982, transferiu-se para a TV Bandeirantes, para fazer 'Ninho da Serpente', de Jorge Andrade, e 'A Idade da Loba', de Alcione Araújo. Nova mudança, desta vez para o SBT, e Juca atuou em 'As Pupilas do Senhor Reitor', de Lauro César Muniz, e 'Os Ossos do Barão', de Jorge Andrade, um grande sucesso que, segundo o ator, contribuiu enormemente para sua carreira.

Dr. Albieri

Em 1993, Juca de Oliveira voltou para a Globo, para fazer o professor Praxedes em 'Fera Ferida', de Aguinaldo Silva. Logo depois, fez parte do elenco de 'Torre de Babel', de Silvio de Abreu, e viveu o Doutor Albieri, um médico geneticista que produzia um clone humano, em 'O Clone', de Gloria Perez. Foi, sem dúvidas, um papel marcante em sua carreira na televisão.

Juca de Oliveira em 'O Clone', 2001 — Foto: João Miguel Júnior/Globo

Na trama de Gloria Perez, Albieri, abalado pela morte do afilhado Diogo (Murilo Benício) decide clonar o irmão gêmeo dele, Lucas, como forma de trazer Diogo de volta e realizar um sonho: ser o primeiro a realizar a clonagem de um ser humano. “Essa personagem tem uma particularidade excepcional do ponto de vista do texto. Eu fico até arrepiado quando eu penso nisso. É muito bonita a maneira como ele se refere à dor da perda daquele menino que era toda a sua vida, que dava sentido inclusive à sua existência. A perda é tão grande que daí ele parte para a construção de um igual para substituir”, lembra.

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Depoimento - Juca de Oliveira: 'O Clone' (2001)

Depoimento - Juca de Oliveira: 'O Clone' (2001)

Webdoc sobre a novela 'O Clone' com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Webdoc sobre a novela 'O Clone' com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Em seguida, duas minisséries também merecem destaque: 'Mad Maria', de Benedito Ruy Barbosa, em 2005, e 'Amazônia – De Galvez a Chico Mendes', de Glória Perez, em 2007. Ainda participou das séries 'S.O.S. Emergência' e 'Diversão.Com', em 2010. Atuou em duas novelas de Walther Negrão: 'Araguaia', em 2010; e Flor do Caribe, em 2013.

No mesmo ano, interpretou Santiago em 'Avenida Brasil' (2012), que se revelou o grande vilão, responsável pelo sofrimento de Mãe Lucinda (Vera Holtz) e o verdadeiro mentor da vilã Carminha (Adriana Esteves). Em 2015, participou do seriado 'Os Experientes' e no mesmo ano viveu dois personagens em 'Além do Tempo', de Elizabeth Jhin: Alberto Navona, e o Conde Alberto Castellini. Dois anos depois, deu vida a Natanael Montserrat em 'O Outro Lado do Paraíso', de Walcyr Carrasco.

'Avenida Brasil' (2012): Carminha (Adriana Esteves) invade o casamento de Jorginho (Cauã Reymond) e Nina (Débora Falabella)

'Avenida Brasil' (2012): Carminha (Adriana Esteves) invade o casamento de Jorginho (Cauã Reymond) e Nina (Débora Falabella)

Mais teatro

Ao longo de todo esse tempo, jamais deixou o teatro, inclusive escrevendo e atuando em suas peças, como 'Meno Male', 'Hotel Paradiso', 'Caixa Dois', 'Às Favas com os Escrúpulos' e 'Happy Hour'. “Eu tenho uma carreira muito ligada ao teatro. Eu fiz um teste vocacional e deu que eu devia fazer teatro. Aí encontrei uma outra vocação, que é escrever. Foi muito bom, foi maravilhoso. Foi uma opção acertada”, ressalta. Hoje, Juca de Oliveira vive exclusivamente do teatro e da sua fazenda, onde cria gado nelore para corte.

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