Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Um anúncio de jornal chamou a atenção do adolescente José Wilker: “Vaga para locutor de TV”. Era a chance de ganhar seu próprio dinheiro e sair de casa. Como gostava de ler em voz alta, achou que seria fácil conseguir aquele emprego. Só não contava com o fato de que, aos 13 anos, a frequência da voz de todo menino fica comprometida. Perdeu a vaga de locutor, mas ganhou a de figurante no teleteatro da TV Rádio Clube, do Recife. Tudo ao vivo. “Ficava por ali aguardando alguma ponta”, lembra. A primeira aparição foi como cobrador de jornal na peça 'Um Bonde Chamado Desejo', de Tennessee Williams. Divertida, mesmo, foi a “pontinha” no clássico 'Escorial', de Michel de Ghelderode: “O bigode do rei caiu, e a partir daí virou um caos. O diretor me chamou num canto e disse: ‘Entra lá, mata os dois e acaba com isso’.”

Dono de um humor sagaz e apaixonado pelas artes, José Wilker fez carreira no teatro, cinema e televisão. Na Globo, despontou como o Mundinho Falcão, o mocinho de 'Gabriela' (1975), conquistou o público na pele de o protagonista de 'Roque Santeiro' (1985) e caprichou no estilo ao interpretar o ex-bicheiro Giovanni Improtta, de 'Senhora do Destino' (2004). Sua representação fiel do ex-presidente Juscelino Kubitschek, na minissérie 'JK' (2006); também fez sucesso, bem como seus comentários precisos, durante a transmissão do Oscar, da qual participou entre 2005 e 2014. Wilker foi muitos – precisamente 46, se levar em consideração apenas seus papeis na emissora. 

Entrevista exclusiva do ator e diretor José Wilker ao Memória Globo, em 30/05/2005, sobre sua escolha profissional.

Entrevista exclusiva do ator e diretor José Wilker ao Memória Globo, em 30/05/2005, sobre sua escolha profissional.

Entrevista exclusiva do ator e diretor José Wilker ao Memória Globo, em 30/05/2005, sobre seu ingresso na Globo.

Entrevista exclusiva do ator e diretor José Wilker ao Memória Globo, em 30/05/2005, sobre seu ingresso na Globo.

Entrevista exclusiva do ator e diretor José Wilker ao Memória Globo em 30/05/2005.

Entrevista exclusiva do ator e diretor José Wilker ao Memória Globo em 30/05/2005.

Início da carreira

José Wilker de Almeida nasceu em Juazeiro do Norte, mas ainda criança se mudou com a família o Recife. A mãe, Raimunda, era dona de casa. E o pai, Severino, um caixeiro viajante que durante o ciclo da borracha decidiu “ganhar a vida” no Acre, só retornando dez anos depois. Nove meses após o reencontro com a família, nascia o filho que se tornaria ator.

A vida como ator profissional começou no Movimento Popular de Cultura (MPC) do Partido Comunista. No MPC, estudou teatro, dirigiu vários espetáculos pelo sertão e realizou documentários sobre cultura popular. Iniciava filmagens com o cineasta Eduardo Coutinho quando, em 1964, o trabalho do MPC foi interrompido pelos militares: “Todo nosso acervo foi queimado. Desta época, só sobrou o filme do Coutinho, Cabra Marcado Para Morrer, que foi escondido”.

Em 1967, decidido a estudar Sociologia, mudou-se para o Rio. Mas abandonou o curso na Pontifícia Universidade Católica para se dedicar exclusivamente ao teatro. Ganhou vários prêmios. Com 'O Arquiteto' e o 'Imperador da Assíria', de Fernando Arrabal, recebeu o prêmio Molière de Melhor Ator, em 1970. Foi quando o escritor Dias Gomes o convidou para o elenco da novela 'Bandeira 2' (1971). Seu personagem era Zelito, um dos filhos do bicheiro Tucão (Paulo Gracindo). “Uma semana depois de estar no ar, eu era um cara com uma conta no banco, identidade, residência fixa e reconhecimento na rua. A resposta era muito imediata, intensa”, lembra.

Entrada na Globo

“O Dias Gomes foi ver a peça que eu estava fazendo [As hienas, de Bráulio Pedroso] e quando acabou o espetáculo ele falou assim: ‘Estou fazendo uma novela [Bandeira 2] e tem uma personagem que você pode fazer.” Eu falei: ‘Claro’. Eu me lembro que fui até a Globo, o Dias tinha me falado para procurar o Daniel Filho, que tinha uma fama no meio teatral de ser uma pessoa intransigente. Eu fui falar com o Daniel apavorado, pensando ‘vou brigar com esse cara’. O Daniel foi de uma simpatia, delicadeza, gentileza comigo, aliás o tempo inteiro em que estivemos juntos na Globo, ele era o cara. Eu tinha acabado de ganhar um Prêmio Molière, pelo 'O Arquiteto' e 'O Imperador da Assíria', e ele me anunciava nas chamadas da novela como o ‘ganhador do Prêmio Molière de teatro desse ano’.”

José Wilker em 'O Bofe', 1972 — Foto: Acervo/Globo

No ano seguinte, ele fez 'O Bofe', de Bráulio Pedroso, interpretando Bandeira, um hippie contestador, atuando ao lado de Cláudio Cavalcanti e Zilka Sallaberry. A audiência estranhou o estilo nonsense da trama, e Pedroso foi afastado. Em solidariedade ao amigo, o ator pediu demissão da TV. Seu personagem se despediu do público morrendo de um ataque de risos.

No ano seguinte, entretanto, estava de volta em 'Cavalo de Aço' (1973), de Walther Negrão. O primeiro protagonista veio em 1975: Mundinho Falcão, em 'Gabriela', adaptação de Walter George Durst do romance de Jorge Amado, um marco na história da teledramaturgia brasileira. “A coisa mais importante de uma novela, além do texto, evidentemente, é o casting. E 'Gabriela' era um acerto de elenco”. Além dele, integravam o elenco grandes atores como Sônia Braga, Armando Bógus, Nívea Maria, Grancindo Jr., Ary Fontoura e Elizabeth Savalla.

'Gabriela' - 1ª versão (1975): Mundinho Falcão é reverenciado na cidade

'Gabriela' - 1ª versão (1975): Mundinho Falcão é reverenciado na cidade

Os capítulos eram gravados um mês antes de irem ao ar. E Wilker relembra que muitas cenas eram reescritas pelos próprios atores: “Quando o personagem é bom, a gente acaba ficando dono dele, entendendo como elas respiram, se comportam, andam. E quando a gente falava para o diretor Walter Avancini que algo não estava coerente, ele tranquilamente dizia: ‘Reescreve’”.

Em 2012, foi escalado para atuar no remake de 'Gabriela', assinado por Walcyr Carrasco. Na trama, viveu o coronel Jesuíno Mendonça. No ano seguinte, trabalhou novamente com o autor em 'Amor à Vida', sua última novela.

Grandes personagens

Wilker tem em seu currículo uma série de personagens carismáticos, até hoje lembrados pelo público, como o jovem Rodrigo, protagonista da novela 'Anjo Mau' (1976), de Cassiano Gabus Mendes.

Em 1985, viveu Roque Santeiro, personagem central da trama homônima escrita por Dias Gomes e Aguinaldo Silva – talvez a novela de maior sucesso da televisão brasileira. Proibida pela Censura Federal em 1975, 'Roque Santeiro' marcaria época dez anos depois, com Wilker no papel principal, ao lado de Lima Duarte, como Sinhozinho Malta, e Regina Duarte, a Viúva Porcina. “Era muito divertido, trabalhar com o Lima Duarte de novo, trabalhar com a Regina, Ary Fontoura, o Bógus – tinha um elenco que era uma festa. A gente se divertia muito fazendo a novela”, lembra.

Em 2004 interpretou o divertido Giovanni Improtta, de 'Senhora do Destino', de Aguinaldo Silva. O ex-bicheiro lançou diversos bordões como “felomenal” e “o tempo ruge e a Sapucaí é grande”, e chegou ao cinema em filme que marcou sua estreia como diretor cinematográfico.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc novela - 'Senhora do Destino' (2004)

Webdoc novela - 'Senhora do Destino' (2004)

Para ele, o interessante em ser ator em televisão é poder contribuir para a obra, escrita no decorrer das filmagens: “A novela é uma obra aberta. As palavras escritas são pedras que só se edificam quando são ditas. Como ator, algumas vezes eu jogo para a lateral, outras, faço gol. Mas eu chuto! O atraente é ter essa margem monumental para errar”.

José Wilker, Susana Vieira e José Mayer em 'Senhora do Destino', 2004 — Foto: Gianne Carvalho/Globo

Minisséries

Destaque, também, para o seu trabalho nas minisséries 'Anos Rebeldes' (1992), de Gilberto Braga; 'Agosto' (1993), adaptada da obra de Rubem Fonseca; e 'A Muralha' (2000), escrita por Maria Adelaide Amaral e João Emanuel Carneiro. Já em 2006, ele estava no ar como o presidente da República Juscelino Kubitschek na minissérie 'JK', de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira. Em seguida, viveu um dos papéis principais da minissérie 'Amazônia, de Galvez a Chico Mendes' (2007), de Gloria Perez. Na trama, o ator interpretou o espanhol Luiz Galvez: “Quando eu fui fazer a personagem dos 'Anos Rebeldes' foi um desconforto para mim, porque eu era o outro lado, eu era o cara que na época [década de 1960] estava na rua tomando pedrada e gás lacrimogêneo e gritando ‘abaixo a ditadura’. E na minissérie eu estava fazendo o cara que era o repressor, o financiador da repressão. E eu achei legal por isso, de repente eu poder conviver com esse outro lado, entender e gostar de uma personagem. Você tem que, de alguma maneira, estabelecer com ela uma relação de afeição para ela sair direito.”

José Wilker em 'Amazônia - de Galvez a Chico Mendes', 2007 — Foto: João Miguel Júnior/Globo

Direção

Na Globo, dirigiu o humorístico 'Sai de Baixo' (1996) e as novelas 'Louco Amor' (1983), de Gilberto Braga, e 'Transas e Caretas' (1984), de Lauro César Muniz. Durante uma rápida passagem pela extinta TV Manchete, acumulou direção e atuação em duas novelas: 'Carmem' (1987), de Gloria Perez, e 'Corpo Santo' (1987), de José Louzeiro.

“'O Sai de Baixo' era uma grande diversão, uma grande brincadeira. Outra ideia brilhante do Daniel [Filho], junto com o Tatá [Luis Gustavo]. Todo mundo era amigo. E mesmo aquela coisa que saiu nos jornais na época, de que era uma batalha de ego, é mentira. A gente se juntava às vezes à tarde e falava assim: ‘Estamos sem mídia, vamos inventar uma mentira?’ A gente inventava, ligava para o jornal, falava: ‘Briguei com não sei quem’, criava um enorme clima ao redor. Aí saía briga no jornal. E a gente morrendo de rir daquilo. Claro que houve uma ou outra, mas era raríssimo; normalmente era tudo inventado.”

Paixão pelo cinema

Apesar de a televisão ter conquistado esse cearense, o ator não esconde sua grande paixão pelo cinema. Participou de filmes importantes como 'Xica da Silva' (1976) e 'Bye Bye, Brasil' (1979), ambos de Cacá Diegues. Encarnou personagens fortes, como Tenório Cavalcanti, em 'O Homem da Capa Preta' (1986), e Antônio Conselheiro, em 'Guerra de Canudos' (1997), os dois de Sérgio Rezende.

“A minha relação com o cinema começa na infância. Eu cresci, intermitentemente, entre Juazeiro, no Ceará, e Olinda, em Recife – até os 13 anos. E ao lado da minha casa, tanto em Juazeiro quanto em Olinda, havia cinemas. O de Juazeiro era colado, meu vizinho, e mesmo quando não era permitido que eu visse os filmes, eu conseguia entrar por baixo da cortina de entrada. Assisti 'Arroz Amargo', 'Amanhã Será Tarde Demais', filmes neorrealistas italianos, e também 'Branca de Neve' e as coisas para criança, além dos filmes da Atlântida. Foi uma relação, para mim, muito forte, muito marcante; foi a minha janela aberta para o mundo.”

Artista múltiplo, também escreveu para revistas e jornais, pôde ser visto na TV apresentando programas sobre cinema e comentando a cerimônia do Oscar. Entre 2003 e 2008, foi diretor-presidente da Riofilme – distribuidora de filmes do município do Rio de Janeiro. José Wilker é pai de Mariana, com a atriz Renée de Vielmond, e Isabel, com a atriz Mônica Torres.

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O ator morreu no Rio de Janeiro, no dia 5 de abril de 2014.

Fonte

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