Por Memória Globo

Nelson Di Rago/Globo

A estreia da mineira Janete Clair – registrada Jenete por um erro do escrivão – na televisão, em 1964, na TV Tupi, com a novela 'O Acusador', aconteceu depois de um bom período enfrentando preconceito das emissoras e vendo sinopses sendo recusadas sem sequer serem lidas. Em 1943, já em São Paulo, deixou o trabalho como datilógrafa em um laboratório para trabalhar como radioatriz e locutora na Rádio Tupi-Difusora. Aí conheceria Alfredo Dias Gomes, com quem se casaria. Em 1948, a ligação de Dias Gomes com o Partido Comunista criou problemas na rádio e ele deixou a emissora. Janete acompanhou o marido ao Rio de Janeiro e começou a escrever para ajudar no orçamento familiar. Até 1967, ela escreveria mais de 30 radionovelas, a maioria delas para a Rádio Nacional, onde estreou em 1956, com 'Perdão, Meu Filho'. Em 1967, foi chamada às pressas para ajudar a salvar uma novela na Globo, Anastácia, a Mulher sem Destino. A partir daí, seria autora de grandes sucessos da emissora.

Janete Clair — Foto: Acervo/Globo

Início da carreira

Filha do comerciante Salim Emmer e da costureira Carolina Stocco, que lhe deram o nome de Janete Stocco Emmer. Mas na certidão de nascimento ela foi registrada como Jenete, como entendeu o escrivão ao ouvir o nome pronunciado com o sotaque carregado de imigrante libanês. A menina passou a infância em Minas e no interior de São Paulo, sonhando fazer parte do mundo das estrelas do rádio. Na cidade de Franca, no interior paulista, teve sua primeira oportunidade de abraçar esse universo ao interpretar cançonetas francesas e árabes na Rádio PRB-5. Na década de 1940, foi morar com a mãe e o padrasto na cidade de São Paulo. Aos 13 anos, trabalhava como datilógrafa em um escritório da Avenida Tiradentes e, aos 15, no laboratório de análises clínicas de um hospital enquanto fazia um curso de bacteriologista.

Em 1943, Janete fez um teste como radioatriz e locutora na Rádio Tupi-Difusora. Aprovada, decidiu seguir carreira, mesmo ganhando menos do que no laboratório. Nos corredores da rádio conheceu, em 1945, o então radioator Alfredo Dias Gomes. Cinco anos depois, estavam casados e morando no Rio de Janeiro. Em 1948, a ligação de Dias Gomes com o Partido Comunista criou problemas na Rádio Tupi-Difusora e ele deixou a emissora para ser diretor de radioteatro na Rádio América. Janete acompanhou o marido e começou a escrever para ajudar no orçamento familiar.

A estreia na televisão aconteceu depois de um bom período enfrentando preconceito das emissoras e vendo sinopses sendo recusadas sem sequer serem lidas. Em 1964, 'O Acusador' foi ao ar na TV Tupi de São Paulo, com direção de Fabio Sabag e com Jardel Filho interpretando dois irmãos gêmeos que trocavam de identidade para solucionar um crime. Até 1967, ela escreveria mais de 30 radionovelas, a maioria delas para a Rádio Nacional, onde estreou em 1956, com 'Perdão, Meu Filho'. Foi nesse período que, por sugestão do radialista Octavio Gabus Mendes, ela passou a assinar “Janete Clair”. O sobrenome pelo qual seria conhecida pelo resto da vida era uma alusão a uma de suas músicas favoritas: Claire de Lune, do compositor erudito francês Claude Debussy.

Entrada na Globo

Em 1967, Janete Clair foi chamada às pressas por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, diretor de operações da Globo, para ajudar a salvar uma novela da emissora. 'Anastácia, a Mulher sem Destino', estrelada por Leila Diniz, era uma adaptação do folhetim 'A Toutinegra do Moinho', do escritor francês Emile Richebourg, assinada por Emiliano Queiroz. A novela tinha audiência sofrível, produção muito cara e um número excessivo de personagens. Janete Clair compreendeu logo que não havia como continuar a história de onde ela havia parado. Escreveu, então, um capítulo no qual um terremoto devastava a ilha onde se passava a trama, eliminando mais de 100 integrantes do elenco. Em seguida, a história dava um salto de 20 anos e recomeçava com poucos personagens. Funcionou. A produção reduziu os gastos, ampliou a audiência, e a autora garantiu seu lugar na emissora.

Entre 1967 e 1969, Janete Clair escreveu três novelas para a Globo: 'Sangue e Areia' – a primeira exibida às 20h –, 'Passo dos Ventos' e 'Rosa Rebelde', todas marcadas pelo estilo folhetinesco que a autora cubana Glória Magadan, responsável pelo departamento de dramaturgia da emissora, imprimia às suas histórias. As três foram dirigidas por Daniel Filho, que se revelaria o grande parceiro na trajetória da autora. Em 1969, estava ocorrendo uma grande mudança na teledramaturgia da Globo. O reinado de Glória Magadan estava chegando ao fim, e os melodramas capa e espada davam lugar a histórias naturalistas, ágeis, com enfoque mais próximo da realidade brasileira. Janete Clair teve um papel de destaque nesse processo ao escrever 'Véu de Noiva'. Novela das oito que marcou a estreia de Regina Duarte na emissora, formando um par romântico com Cláudio Marzo, 'Véu de Noiva' tinha diálogos curtos e coloquiais, personagens e cenários contemporâneos e – novidade absoluta na época – uma trilha sonora moderna composta especialmente para ela. A novela foi um sucesso, mas a consagração da autora veio no ano seguinte, com 'Irmãos Coragem'.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a novela 'Sangue e Areia' (1967)

Webdoc sobre a novela 'Sangue e Areia' (1967)

Uma lista de sucessos

Exibida em 1970, 'Irmãos Coragem' foi o trabalho mais longo de Janete Clair – 328 capítulos – e responsável pelo início da liderança da Globo na audiência do horário nobre. De quebra, conquistou o público masculino, graças à bem resolvida mistura da linguagem cinematográfica do western americano com os elementos clássicos do folhetim televisivo. Janete Clair criou nessa novela alguns personagens que ficariam eternizados no imaginário nacional, como o bravo herói João Coragem (Tarcísio Meira), Lara (Glória Menezes), a heroína com três personalidades, e o bizarro Juca Cipó (Emiliano Queiroz), um vilão que apesar de ter cometido atos horrendos, acabou caindo na simpatia do público graças à interpretação magistral do ator.

Um ano depois do sucesso de 'Irmãos Coragem' – que chegou a registrar índices de audiência maiores do que os de jogos do Brasil na Copa do Mundo do México – Janete Clair escreveu a história cheia de contornos místicos chamada 'O Homem que Deve Morrer'. A novela contava a história de Ciro Valdez (Tarcísio Meira), um homem espiritualmente evoluído que chegava a uma cidade no interior de Santa Catarina para levar sabedoria aos seus moradores. A premissa original era traçar um paralelo entre o personagem e Jesus Cristo, mas a Censura Federal proibiu qualquer menção a esse respeito. A solução foi transformar Ciro Valdez em um extraterrestre.

A escritora voltaria novamente a criar um grande sucesso com 'Selva de Pedra' (1972), contando a conturbada história de amor de Cristiano Vilhena e Simone Marques. O sucesso do par romântico formado por Francisco Cuoco e Regina Duarte foi imenso e a trama cheia de reviravoltas atingiu em cheio o público, resultando na maior audiência da história da televisão brasileira. No capítulo 152, quando a personagem de Regina Duarte, escondida sob uma falsa identidade, é desmascarada, quase todos os televisores ligados do país estavam sintonizados na novela.

Naquele ano, a autora ainda escreveria um episódio de 'Caso Especial' que também entrou para a história: 'Meu Primeiro Baile', uma adaptação da peça 'Un Carnet de Bal', do poeta e escritor francês Jacques Prevert. O programa foi o primeiro da TV brasileira gravado e exibido inteiramente em cores.

A novela seguinte teve de ser escrita às pressas pela autora para substituir outra, que havia sido censurada poucos dias antes da gravação. 'O Semideus' (1973) trazia Tarcísio Meira vivendo dois papéis: um industrial excêntrico que era dado como morto após um acidente e um sósia perfeito que usurpava seu império. Em 1974, a sinopse que havia sido proibida no ano anterior foi finalmente liberada pela Censura e foi ao ar com o nome de 'Fogo sobre Terra'. Na trama, Janete Clair discutia o conflito entre a modernidade e a tradição: uma grande construtora quer inundar uma pequena cidade do interior para construir uma represa, mas os habitantes lutam para preservar o lugar. Os militares criaram inúmeros problemas durante a novela, obrigando Janete Clair a demonstrar incrível capacidade de superação e criatividade para reescrever, em muito pouco tempo, cenas e capítulos inteiros.

Em 1975, Janete Clair estreou no horário das 19h, escrevendo com Gilberto Braga a novela 'Bravo!'. Ela já havia escrito 105 capítulos quando a censura vetou 'Roque Santeiro', que seria a próxima novela a estrear no horário das 20h. A autora foi chamada para escrever a trama substituta e, novamente, demonstrou seu talento para improvisar e criar dentro de prazos curtos. Gilberto Braga seguiu sozinho escrevendo 'Bravo!' até o capítulo final. Os dois se conheceram quando Gilberto escrevia 'Corrida do Ouro', de Lauro César Muniz.

Aproveitando o mesmo elenco escalado para 'Roque Santeiro' – Lima Duarte, Francisco Cuoco, Betty Faria, Rosamaria Murtinho, entre outros – Janete Clair escreveu 'Pecado Capital', considerado por muitos um dos seus melhores trabalhos. Pela primeira vez, a autora acrescentou ao seu estilo um pouco de realismo social e discutiu valores humanos a partir do dilema do taxista Carlão (Francisco Cuoco) que, sem querer, ficava com uma mala de dinheiro fruto de um assalto e hesitava entre devolvê-la ou gastar o dinheiro. A cena final da novela, em que Carlão foge dos assaltantes e morre abraçado à mala com o dinheiro roubado, entrou para a antologia da TV brasileira.

Em 'Duas Vidas' (1976), com Betty Faria, Francisco Cuoco, Susana Vieira, entre outros, Janete Clair discutiu o impacto da chegada do progresso na vida de uma comunidade, através da resistência dos moradores do Catete em relação ao metrô que acabava de ser inaugurado no bairro. Em 1977, com 'O Astro', estrelada mais uma vez por Francisco Cuoco, a autora deixou milhares de espectadores mobilizados em função da descoberta do assassino do personagem Salomão Ayala, vivido por Dionísio Azevedo.

'Pai Herói' (1979), a última novela de Janete Clair na década de 1970, teve boa parte da sua trama ambientada em Nilópolis, Baixada Fluminense. A novela contava a trajetória do jovem André Cajarana (Tony Ramos), que tenta desvendar a morte do pai, a quem nunca conheceu. O vilão da trama, o mafioso Bruno Baldaracci foi interpretado por Paulo Autran, em sua estreia na Globo, e sua atuação conquistou público e crítica.

Janete Clair — Foto: Acervo/Globo

Anos 1980

Em 1980, Janete Clair escreveu 'Coração Alado', novela estrelada por Tarcísio Meira, Débora Duarte, Vera Fisher, Walmor Chagas, entre outros. Na trama, o personagem de Tarcísio Meira administrava com dificuldade várias relações afetivas problemáticas. A novela seguinte teve uma linha completamente diferente. 'Sétimo Sentido' (1982) contava a história da paranormal marroquina Luana Camará (Regina Duarte), que voltava ao Brasil para recuperar a fortuna do pai brasileiro e terminava enfrentando a oposição de uma família de poderosos. No meio da trama, Luana encarnava o espírito da falecida atriz Priscila Capricce, que toma seu corpo para localizar uma filha desaparecida. Dessa forma, ela se casa com Tião Bento (Francisco Cuoco), seu principal inimigo na luta para reaver o patrimônio do pai.

Em 1983, Janete Clair começou a escrever a novela 'Eu Prometo', estrelada por Francisco Cuoco, Marcos Paulo e Dina Sfat. A autora, entretanto, já estava muito doente e não conseguiu chegar ao fim da trama. No dia 16 de novembro, faleceu, vítima de um câncer intestinal. 'Eu Prometo' teve que ser finalizada por Gloria Perez, sob a supervisão de Dias Gomes, seu marido, com quem teve quatro filhos: Alfredo, Guilherme, Denise e Marcos, morto devido a um problema congênito no coração, aos 3 anos.

'Globo Repórter' (1983): Janete Clair

'Globo Repórter' (1983): Janete Clair

'Globo Repórter' (1983): Janete Clair

'Globo Repórter' (1983): Janete Clair

Literatura

Além de toda a sua produção no rádio e na televisão, Janete Clair também escreveu um romance, 'Nenê Bonet' (1980), e uma fotonovela, 'A Mulher Perfeita', publicada pela revista Cartaz em 1972 e estrelada por Francisco Cuoco, seu galã preferido.

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