No universo essencialmente masculino das delegacias nos anos 1980, bruto e ríspido, Isabela Assumpção deslocava-se com segurança, sem intimidação. Integrante da primeira leva de jornalistas femininas a cobrir histórias policiais, a repórter – hoje na equipe do 'Globo Repórter' – acompanhou alguns dos crimes mais célebres do país nas décadas passadas. Fez reportagens sobre o assassinato de PC Farias, o sequestro do empresário Abílio Diniz, o duplo homicídio da Rua Cuba, em São Paulo, e viajou para a Colômbia para uma série de matérias sobre o tráfico de drogas e o poder do cartel de Medellín.
O envolvimento direto com esses dramas instigou a jornalista a buscar pautas que mostrassem questões relacionadas a direitos humanos. “Não podemos compactuar jamais com a quebra desses valores”, afirma Assumpção, que elege a cobertura do incêndio da Vila Socó, que matou dezenas de pessoas que viviam em casebres em cima dos dutos da Petrobras, em Cubatão, em 1984, e as reportagens sobre o Massacre de Carandiru, que terminou com a execução de mais de 100 presos em 1992, como as mais marcantes de sua carreira. Assumpção também viria a ganhar o prêmio Vladimir Herzog com a matéria 'Pais que Sequestram', exibida pelo 'Globo Repórter' em 1998.
Início da carreira
Filha de um advogado e de uma dona de casa, Isabela Machado Assumpção nasceu no dia 1º de abril de 1949, em São Paulo. Durante a escola, queria ser arquiteta, mas desistiu quando soube que teria que estudar matemática exaustivamente. Resolveu, então, cursar comunicação na Universidade de São Paulo (USP), com especialização em rádio e TV. Com a ajuda de conhecidos, conseguiu uma vaga na sucursal paulistana do jornal O Globo. “Nunca havia escrito uma matéria na vida quando entrei para o jornal”, recorda-se. Logo após terminar o estágio de dois anos e se formar, Isabela decidiu fazer mais dois anos de especialização em jornalismo na faculdade.
Em 1978, Isabela voltou para O Globo e começou a cobrir questões ligadas a direitos humanos durante a repressão militar. A repórter passou a acompanhar as greves de trabalhadores, os movimentos populares que surgiam no país e a consequente participação da igreja, com a liderança de Dom Paulo Evaristo Arns. No entanto, dois anos depois, uma paralisação de jornalistas em São Paulo provocou uma demissão em massa na redação. Isabela, que já havia recusado um convite para trabalhar na Globo, resolveu bater na porta da emissora e foi contratada em meados de 1980.
TV Globo
Caminho natural para os novos repórteres na época, Assumpção começou no 'Jornal Hoje', então voltado para dicas culturais. Durante os primeiros meses, sofreu para se adaptar. “A TV é só a essência da matéria do jornal. Você não tem como contar tudo que viu. E no jornal era completamente diferente. No início, eu fazia matérias enormes. Para piorar, trabalhávamos com filme e tínhamos certo tempo que não podíamos ultrapassar”, conta a repórter, que detestava fazer entradas ao vivo. “Ficava nervosa, era um horror, um fracasso”, lembra.
Aos poucos, com mais experiência, começou a ser escalada para os grandes eventos do jornalismo paulistano. Ainda em seu primeiro ano na Globo, esteve na despedida do papa João Paulo II, após a primeira visita do pontífice ao país.
“Foi emocionante. A última cena foi o meu cinegrafista, ajoelhado, chorando, porque tinha sido abençoado pelo Papa, já aos pés do avião que o levaria embora.”
Reportagens de Francisco Malfitani, Maria Christina Pinheiro e Isabela Assumpção sobre a visita do Papa João Paulo II a Aparecida do Norte, Jornal Nacional, 03/07/1980.
Logo em seguida, participaria da cobertura das eleições para governador, em 1982, e faria reportagens sobre os comícios da campanha Diretas Já, em 1984.
Tragédia da Vila Socó
Assumpção voltou à área policial, que já havia coberto no jornal O Globo, ainda no início dos anos 80. Em fevereiro de 1984, testemunhou a tragédia da Vila Socó, uma comunidade que desapareceu após um incêndio cujo número de vítimas jamais foi descoberto. “Foi uma cena dantesca, inesquecível. Tudo torrado, queimado, um cheiro insuportável”, afirma.
No fim dos anos 1980, preparou uma série de reportagens sobre a vida na Colômbia, um país então assolado pelo domínio do narcotráfico, imposto pelo cartel de Medellín.
Massacre do Carandirú
No início dos anos 1990, estava entre os repórteres que cobriram a chacina na Casa de Detenção de São Paulo, um episódio que terminou com 111 mortos e com a alcunha de Massacre do Carandiru. Presídio frequentado pela repórter para fazer suas matérias desde o início da carreira, ela não esconde o desconforto mesmo após a demolição do prédio, em 2002.
“Até hoje, passo no lugar e acho esquisito o presídio não estar lá. Era uma experiência muito forte: ninguém saía do Carandiru do mesmo jeito que entrou”.
Reportagem de Isabela Assumpção sobre o início da rebelião dos presos do Carandiru e os rumores de que o número de mortos seria superior a 100, Jornal Nacional, 03/10/1992.
A tragédia rendeu, além das reportagens diárias para os telejornais locais e o 'Jornal Nacional', um especial no 'Globo Repórter', uma parceria que Isabela repetiria com cada vez mais frequência ao longo dos anos, como no caso do assassinato de PC Farias e na explosão do shopping de Osasco, ambos em 1996.
Anos 2000
Em 2000, Isabela Assumpção decidiu deixar a Globo. Retornou no ano seguinte, para trabalhar na equipe do 'Globo Repórter'. “No início, o programa assemelhava-se mais a um documentário de cinema do que a um especial jornalístico para a TV. Hoje, as pautas são mais urgentes, mais próximas do nosso dia a dia”, compara. “Atualmente, nosso interesse está voltado para o cotidiano da população. Nos últimos anos, abrimos o leque para atender a classe C, e isso virou um exercício bem interessante para todos nós. Nosso leque de pautas deve ser cada vez mais amplo”, considera.
Isabela Assumpção relembra sua trajetória na TV
Isabela deixou a emissora em novembro de 2021.
FONTES:
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Isabela Assumpção em 28/01/2004 e 12/11/2008. |