O menino de Barbacena, interior de Minas Gerais, era tão apaixonado pelo rádio, cujas novelas acompanhava quase que religiosamente, que não titubeou ao escolher seu presente de aniversário: ir ao Rio de Janeiro, para conhecer pessoalmente a Rádio Nacional. Presente pedido, presente dado. Fez a visita e decidiu, naquele dia, que “seria um Paulo Gracindo, cantor, locutor de futebol, tudo – só não podia era ficar fora do rádio”. O jornalista Hélio Costa gosta muito de contar essa passagem de sua vida, porque sabe que, desde pequeno, sua história já estava escrita: ex-correspondente internacional da Globo, deputado federal, candidato a governador de Minas, ministro das Comunicações e senador, ele é, definitivamente, um homem de comunicação.
Como jornalista, Hélio Costa se destacou por sua atuação como correspondente internacional da Globo, nas décadas de 1970 e 1980, com matérias transmitidas em todos os telejornais da emissora e reportagens especiais, que muitas vezes se transformavam em assunto nacional quando eram veiculadas no 'Fantástico'. O Hélio Costa político também tem um currículo especial. Como deputado federal, foi apontado, em 2001 e 2002, como um dos principais destaques da seleta lista do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), sendo considerado então um dos melhores debatedores e articuladores do Congresso Nacional. Já como ministro das Comunicações, pasta que comandou por cinco anos, de 2005 a 2010, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, coordenou a escolha do padrão da TV digital brasileira, brigou pela redução do preço da assinatura básica das operadoras de telefonia fixa e dedicou-se à popularização da banda larga no país, entre outros assuntos relevantes.
Início da carreira
Filho de um eletricista e de uma operária tecelã, Hélio Calixto da Costa nasceu em 17 de agosto de 1939 em Barbacena, cidade mineira de cem mil habitantes que se localiza exatamente entre o Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Como seus pais trabalhavam muito, o pequeno Hélio ficava com a irmã, que ouvia rádio praticamente o dia inteiro.
“Ainda muito menino, eu podia ter uns 6 ou 7 anos, a primeira memória que tenho de alguma coisa relacionada com comunicação era um poste muito alto no centro da cidade, que tinha um sistema de alto-falantes. E aquela voz bonita, uma coisa alta que chamava a atenção de todo mundo. Isso me despertou a atenção”.
Depois de uma visita à Rádio Nacional, já com 13 ou 14 anos, perturbou tanto o rapaz que operava a rádio local, que passou a frequentar os estúdios e um dia até substituiu um locutor na transmissão do noticiário, mesmo com sua voz de menino. Acabou empregado como office boy.
Sua trajetória até chegar à Globo foi um caminho natural, ainda que tenha levado alguns bons anos e muito aprendizado adquirido: foi locutor e redator da rádio de Barbacena, onde chegou a criar e apresentar um programa chamado 'Melodias da Broadway', com comentários sobre os filmes que passavam na cidade, e acabou indo para Belo Horizonte para ser locutor e repórter de jornal. “Na época, eu tinha quatro empregos para poder sobreviver. Trabalhava na Rádio Itatiaia, no Estado de Minas, na Rádio Inconfidência e ainda trabalhava em uma agência de publicidade. Era uma correria das 6h às 20h, quando inevitavelmente tinha que ir para o colégio, pois fazia o terceiro ano científico”, detalha. A grande sacada foi uma proposta que fez à Rádio Itatiaia, que era reconhecida por suas coberturas jornalísticas internacionais: ir aos Estados Unidos para cobrir a posse do presidente John Kennedy.
Foi , e venceu. Acabou fazendo contatos e foi contratado para atuar na Rádio Voz da América. “Na época, era a Globo dos jornalistas”, aponta. Também cursou arts and sciences na Universidade de Maryland e complementou a formação com um curso de correspondente internacional e outro de produção de TV com equipamento portátil, ambos na Universidade Católica de Washington. Fez carreira na Voz, chegou a editor, até que a Globo lhe convidou para ocupar o cargo de correspondente internacional. “As pessoas dizem: ‘Poxa, mas você deu sorte’. Não existe sorte. Existe absoluta dedicação. A minha proposta era ser um bom jornalista, um bom correspondente internacional. Eu estudei, gramei, fiz tudo que tinha que fazer, e aproveitei todas as oportunidades. Nesse processo, sacrifiquei muito a minha vida pessoal, meu contato com meus filhos e família”, avalia.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Depoimento de Hélio Costa sobre a censura
Hélio Costa fala sobre reportagens marcantes que fez para o 'Fantástico'
Correspondente internacional
Hélio Costa tornou-se correspondente internacional da Globo em setembro de 1972. Ele se lembra do crescimento da emissora nos Estados Unidos: ao chegar lá, começou trabalhando numa pequena sala e com uma única câmera, ao lado de um cinegrafista e uma produtora; cinco anos depois, eram 23 funcionários. Como repórter, carimbou em seu passaporte o visto para fazer reportagens em 73 países, de todos os continentes. Cobriu, como correspondente de guerra, conflitos em El Salvador, Nicarágua e Oriente Médio; fez entrevistas memoráveis com artistas como Paul Newman, John Lennon, Frank Sinatra, Liza Minelli e Henry Fonda; participou da primeira transmissão de Fórmula 1 dos Estados Unidos feita pela Globo; cobriu os assassinatos de John Kennedy e Martin Luther King; enfim, esteve à frente dos principais acontecimentos políticos, econômicos e culturais das décadas de 1970 e 1980, tendo como base Nova York.
“O enterro de John Lennon, em Nova York, que eu transmiti ao vivo do Central Park, foi uma das coisas mais emocionantes que cobri na televisão”, conta. Para o 'Globo Repórter', Hélio Costa fez uma reportagem exclusiva sobre a China, a primeira reportagem in loco feita pela televisão brasileira naquele país.
Mas as matérias que o jornalista veiculou no 'Fantástico' foram marcantes em sua carreira. Ele lembra, por exemplo, da reportagem que fez, no início dos anos 1980, sobre as primeiras imagens de uma ultrassonografia de um bebê na barriga de sua mãe. “Hoje, em qualquer esquina tem um ultrassom. Mas naquela época era uma máquina revolucionária, era história, espetacular, a primeira imagem de um bebê antes de nascer”, pontua. Ainda nos anos 1980, Hélio Costa deu as primeiras informações ao público brasileiro sobre “uma doença misteriosa, que era totalmente desconhecida há dois anos”: a AIDS.
O repórter Hélio Costa dá ao público brasileiro as primeiras informações sobre a Aids - 'Fantástico', 27/03/1983
O jornalista também guarda uma lembrança especial da reportagem sobre o menino texano David Phillip Vetter, que sofria de uma enfermidade imunológica rara e vivia encerrado dentro de uma bolha de plástico: “Foi um sucesso extraordinário. Nós fizemos um acompanhamento durante quase seis anos. Fizemos a primeira reportagem com ele totalmente isolado na bolha, depois com uma roupa com a qual podia sair e, depois, a morte dele, aos 10 ou 12 anos. Aquilo traumatizou o país. Foi muito forte”.
Reportagem de Hélio Costa sobre o tratamento de pessoas com problema de imunidade e leucemia, contando a história do menino Dave, que vivia em uma bolha de isolamento - 'Fantástico', 21/09/1975
Ingresso na política e retorno à Globo
Em 1986, Hélio Costa decidiu se dedicar à política, elegendo-se deputado federal. Chegou a disputar o governo de Minas, em 1990 e 1994. Em março de 1990, voltou à Globo, dessa vez para ajudar a criar o programa 'Linha Direta', que incentivava o público a fornecer pistas que ajudassem a resolver casos policiais não solucionados. Essa primeira versão do 'Linha Direta' foi exibida até junho de 1990. Reformulado, o programa retornaria à grade da Globo em 1999 e seria exibido até 2007. Antes disso, ainda em 1993, Hélio Costa também apresentou o primeiro programa interativo da emissora, o 'Você Decide', no qual o telespectador era convidado a escolher entre dois finais de uma história.
“A Globo sempre soube juntar esses dois ingredientes da boa televisão: talento com equipamento. E valorizando o profissional. Sempre foi uma belíssima empresa para se trabalhar. Tudo o que eu tenho, devo à Globo. A experiência política é gratificante, porque pude também ajudar muita gente. Mas ela é altamente desgastante e me deixou mágoas profundas. Tive uma vida gloriosa, gratificante, absolutamente fascinante como jornalista e como repórter. Já minha experiência política foi absolutamente dolorosa, penosa”.
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Livro
Hélio Costa é autor do livro "Lembranças de um tempo fantástico", publicado em 2010, onde rememora reportagens marcantes dos anos 70 e 80.
FONTE:
Depoimento concedido ao Memória Globo por Hélio Costa em 30/11/2001; https://veja.abril.com.br/coluna/radar/campanha-fantastica-de-helio-costa/amp |