Por Memória Globo

Cicero Rodrigues/Memória Globo

O espírito de aventura e a curiosidade pautam a carreira da jornalista Glória Maria. Seja voando de asa delta ou escalando o Himalaia, sobrevoando de helicóptero a cratera de um vulcão ou driblando a segurança em competições esportivas. Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, a jornalista chegou a conseguir um “furo” de reportagem: o velocista Carl Lewis, então campeão mundial dos 100 m rasos, antecipou parte do juramento olímpico, com exclusividade, para o 'Fantástico'. Em muitas de suas reportagens, nas quais mostrou diferentes povos, culturas e lugares do Brasil e do mundo, Glória enfrentou condições adversas. Sem produtor, algumas viagens eram feitas apenas com o repórter cinematográfico e para chegar onde queria, a jornalista não media esforços. Arrastou mala, dormiu em saco de dormir na beira de rio, ficou sem comer, foi roubada e abandonada no meio do caminho com o cinegrafista, como aconteceu na Nigéria. Mas nunca desistiu da reportagem.

O mais extraordinário é a possibilidade que o jornalismo te dá de aprender. É uma profissão em que você tem contato direto com todo tipo de emoção.

Glória Maria na gravação do lançamento da programação: Vem aí, 2013. — Foto: Matheus Cabral/Globo

Início da carreira

Glória Maria Matta da Silva nasceu no Rio de Janeiro. Filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta, estudou em colégios públicos onde obteve sua formação cultural: “Estudei inglês, francês, latim e vencia todos os concursos de redação da escola”. Em 1970, foi levada por uma amiga para ser rádio-escuta da Globo do Rio. Glória também chegou a conciliar os estudos na faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) com o emprego de telefonista da Embratel. Na Globo, tornou-se repórter numa época em que os jornalistas ainda não apareciam no vídeo.

Estreia: queda do viaduto Paulo de Frontin

A estreia como repórter foi em 1971, na cobertura do desabamento do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro. “Quem me ensinou tudo, a segurar o microfone, a falar, foi o Orlando Moreira, o primeiro repórter cinematográfico com quem trabalhei”.

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Depoimento exclusivo de Glória Maria sobre a queda do viaduto Paulo de Frontin (1971).

Depoimento exclusivo de Glória Maria sobre a queda do viaduto Paulo de Frontin (1971).

Glória Maria trabalhou no 'Jornal Hoje', no 'Bom Dia Rio' e no 'RJTV'. No 'Jornal Nacional', foi a primeira repórter a aparecer ao vivo. Cobriu a posse de Jimmy Carter em Washington e no Brasil, durante o período militar, entrevistou chefes de estado, como o ex-presidente João Baptista Figueiredo. “Foi quando ele [João Figueiredo] fez aquele discurso ‘eu prendo e arrebento’ – para defender a abertura (1979). Na hora, o filme acabou e não tínhamos conseguido gravar. Aí eu pedi: ‘Presidente, é a TV Globo, o 'Jornal Nacional', será que o senhor poderia repetir? Problema seu, eu não vou repetir’, disse Figueiredo. Onde ela chegava, o ex-presidente dizia para a segurança: ‘Não deixa aquela neguinha chegar perto de mim’”, relembra.

Sucesso no 'Fantástico'

A partir de 1986, a jornalista integrou a equipe do 'Fantástico', do qual foi apresentadora de 1998 a 2007. Ficou conhecida pelas matérias especiais e viagens a lugares exóticos, e por entrevistar celebridades como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e Madonna. Com a cantora, teve um encontro que ela define como especial. “Eu saí daqui e diziam que a Madonna era difícil. Foi antipaticíssima com a Marília Gabrilela e debochou do seu inglês”. Ao chegar, Glória Maria foi informada de que tinha quatro minutos para entrevistar Madonna.

A repórter conta que entrou em pânico. Mas na hora, falou: “Olha, Madonna, eu tenho quatro minutos, vou errar no inglês, estou assustada, acho que já perdi os quatro minutos.” Para sua surpresa, a estrela virou-se para a equipe técnica e disse: “Dê a ela o tempo que ela precisar.”

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Depoimento exclusivo de Glória Maria sobre entrevista com Madonna para o Fantástico (2005).

Depoimento exclusivo de Glória Maria sobre entrevista com Madonna para o Fantástico (2005).

Para o 'Fantástico', a jornalista viajou por mais de 100 países, passando pela Europa, África e parte do Oriente, quando mostrou um mundo novo ao telespectador. Foi a repórter que entrou no ar ao vivo, na primeira matéria a cores do 'Jornal Nacional', em 1977, mostrando o movimento de saída de carros do Rio de Janeiro, em um fim de semana. Naquele dia, foram usados equipamentos portáteis de geração de imagens. Na primeira cena, a lâmpada queimou, e a repórter passou seu primeiro sufoco no ar.

“Eu estava dura, rígida, porque não podia errar. Era a primeira entrada ao vivo. Faltavam cinco, dez minutos, era o técnico que ficava com o fone para me dar o ‘vai’. Quando a lâmpada queimou, faltava um minuto para a entrada ao vivo. O jeito foi acender a luz da Veraneio (carro usado pela emissora nas reportagens).” O repórter cinematográfico e a repórter tiveram que ficar de joelhos, com o farol no rosto de Glória Maria, e a matéria entrou no ar.

A jornalista cobriu a guerra das Malvinas (1982), a invasão da embaixada brasileira do Peru por um grupo terrorista (1996), os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) e a Copa do Mundo na França (1998). Em maio de 2006, acompanhou o escritor Paulo Coelho no trajeto da ferrovia transiberiana até Moscou. O escritor tinha um vagão só para ele. Glória e o repórter cinematográfico Ronaldo Cordeiro viajaram como passageiros comuns. “Paulo era uma celebridade, andava até com batedores. Eu e Ronaldo carregávamos aquelas caixas de metal pesadas, com todo o equipamento. O banho era na pia; só no terceiro dia descobrimos que pagando, a gente podia tomar banho no trem. Foi um trabalho de cão. Mas valeu a pena.”

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Webdoc sobre a Copa da França (1998), com entrevistas exclusivas

Webdoc sobre a Copa da França (1998), com entrevistas exclusivas

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Primeira transmissão em HD

Conhecida por ser uma mulher de estreias na Globo, em 2007, ao lado do repórter cinematográfico Lúcio Rodrigues, a jornalista realizou a primeira transmissão em HD da televisão brasileira. Foi uma reportagem no 'Fantástico' sobre a festa do pequi, fruta de cor amarela adorada pelos índios Kamaiurás, no Alto Xingu.

Homenageada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 2008 com a Medalha Chiquinha Gonzaga, Glória Maria, que teve tantas aventuras e emoções em sua carreira, conta que ficou particularmente comovida ao ser convidada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Juventude (Unicef) para ser uma das apresentadoras do concerto beneficente para a Etiópia (1998).
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Volta ao mundo no Globo Repórter

Após 10 anos no 'Fantástico', Glória Maria tirou dois anos de licença para se dedicar a projetos pessoais, como as viagens à Índia e à Nigéria, onde trabalhou como voluntária. Nesse período, adotou as meninas Maria e Laura e, ao retornar à Globo, em 2010, pediu para integrar a equipe do 'Globo Repórter'. Estreou com a matéria 'Brunei Darussalam – A Morada da Paz'. Um ano depois, fez 'Butão – O País da Felicidade'.

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Webdoc sobre a estreia de Glória Maria no Globo Repórter (2010), com entrevistas exclusivas.

Webdoc sobre a estreia de Glória Maria no Globo Repórter (2010), com entrevistas exclusivas.

Em 2010, esteve no Grand Canyon, nos Estados Unidos, quando andou de balão e desceu de bote o rio Colorado. No mesmo ano, fez 'Duas Chinas', também para o 'Globo Repórter'. E apresentou ainda o especial de Roberto Carlos na Praia de Copacabana. Glória foi escolhida pelo cantor para a entrevista que concedeu em sua residência e na qual ele acabou cantando para ela. Em 2011, apresentou o show que o cantor fez em Jerusalém. Na ocasião, Roberto Carlos tirou a apresentadora para dançar.

As viagens de Glória Maria pelo mundo rechearam o 'Globo Repórter' de belas reportagens. Em 2012, a jornalista mostrou o Oásis da paz em Omã e fez um passeio com camelos pelo deserto. Logo depois, passou por Dubai. A França foi um dos países visitados em 2013. Na ocasião, foram exibidas as belezas do Vale do Loire, Champagne e Provence. No mesmo ano, revelou a cultura e os costumes dos moradores do Vietnã, Laos e Camboja. Passou também por Myanmar, no sul da Ásia, onde fez reportagens sobre o misticismo na região. As paisagens do Reino Unido, Suécia e Lapônia foram temas do 'Globo Repórter' em 2014. No ano seguinte, a jornalista mostrou as belezas de Marrocos, como a cidade azul, Marrakesh, os encantadores de serpente e a colheita do argan feita pelas cabras. Cruzou o deserto do Saara em um dromedário e mostrou a vida dos povos nômades. Ainda em 2016, visitou a Jamaica, onde teve a oportunidade de entrevistar o campeão mundial de atletismo Usain Bolt e participou dos rituais de uma comunidade rastafári.

Em 2017, Glória Maria foi à China e fez matérias em Hong Kong, onde cuidou de um panda gigante, e pulou do mais alto bungee jump do mundo em Macau, com 233 metros de altura. Suas andanças pelos lugares mais diferentes do mundo continuaram nas temporadas do 'Globo Repórter' de 2018 e 2019, praticamente um estilo de vida que movia a apresentadora.

Eu sou uma pessoa movida pela curiosidade e pelo susto. Se eu parar pra pensar racionalmente, não faço nada. Tenho que perder a racionalidade pra ir, deixar a curiosidade e o medo me levarem, que aí eu faço qualquer coisa.

Em setembro de 2019, Sérgio Chapelin se aposentou, após 23 anos no 'Globo Repórter'. A partir daquele mês, Glória Maria passou a dividir o programa com a jornalista Sandra Annenberg.

Outros trabalhos

Desde que assumiu a apresentação do 'Globo Repórter', em 2010, Glória Maria passou a apresentar também o 'Retrospectiva', programa que vai ao ar na última sexta-feira do ano recapitulando o que foi notícia no Brasil e no mundo. O programa é produzido pela equipe do 'Globo Repórter' e gravado nos Estúdios Globo.

Em 2015, Glória Maria foi uma das jornalistas convidadas para participar da série do 'Jornal Nacional' sobre os 50 anos de jornalismo na Globo e relembrar suas coberturas mais marcantes.

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Em 2019, Glória Maria foi diagnosticada com câncer de pulmão, tratado com imunoterapia. Em seguida, sofreu metástase no cérebro e passou por cirurgia. Em meados de 2022, começou outra fase de tratamento para combater novas metástases cerebrais. O procedimento não obteve êxito, e a jornalista morreu no dia 02 de fevereiro de 2023, no Rio de Janeiro.

Fontes

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