Filha de pais nordestinos, Maria da Glória Cavalcanti Beuttenmüller – ou Glorinha Beuttenmüller, como ficaria conhecida – nasceu no Rio de Janeiro, em 4 de agosto de 1925. Naquele ano, seus pais viviam no Rio Grande do Sul, mas sua mãe adoeceu durante a gravidez e precisou ir ao Rio para se tratar. Assim, Glorinha Beuttenmüller acabou nascendo na então capital federal. Até que sua mãe se recuperasse plenamente, ela passou os primeiros cinco meses de vida na cidade, antes de voltar para o Sul.
Por força da profissão do pai, que era fiscal de imposto de consumo, a família precisava viajar bastante. Tendo entrado em contato com diversas culturas de várias cidades, inclusive com colônias de imigrantes, Glorinha Beuttenmüller acabou absorvendo sotaques e pronúncias muito distintos, e sua fala começou a ficar, muitas vezes, incompreensível para quem ouvia. Para resolver este problema, começou a fazer aula de declamação. Neste episódio, teve, pela primeira vez, a noção da importância da fala.
Em 1932, seu pai foi transferido para o Rio, onde se estabeleceu definitivamente – e onde a filha seguiu nos estudos de declamação. Com o tempo, passou a se apresentar em recitais (pelos quais recebia elogios da crítica) e, posteriormente, a dar aulas de declamação. Neste período, ela se casou e teve dois filhos, separando-se em seguida. Em meados de 1960, ocorreu o episódio que ela considera o mais importante de sua carreira, ao ser procurada por uma professora cega, que precisava de ajuda para preparar uma conferência que daria no Instituto Benjamin Constant. A professora alegava que não era capaz de falar bem determinadas palavras, pois não conseguia ver – ou sequer sentir – as coisas que aquelas palavras designavam. O “sol”, por exemplo, ela sentia pelo calor, por isso o “via”. Mas a lua, não. Glorinha Beuttenmüller, então, se deu conta de que as palavras não são apenas conjuntos de sons articulados, mas têm cor e forma.
A conferência da professora cega que a procurara fez tanto sucesso que Glorinha Beuttenmüller foi chamada para dar aulas no Instituto Benjamin Constant. A partir daí, ensinando os cegos a falar bem, Glorinha Beuttenmüller desenvolveu o seu próprio método do que ela chama não de fonoaudiologia, mas de “terapia da fala”. Em linhas gerais, o método – que ela viria a registrar em 1972 – se baseia na ideia da palavra como uma escultura sonora. Assim, a fala deve ser emitida não apenas pela voz, mas pelo corpo todo – a conclusão é que um conhecimento mais amplo do próprio corpo pode melhorar a fala. Em dezembro de 1961, um coral de cegas treinado pela fonoaudióloga se apresentou em um recital no Teatro Maison de France, com grande sucesso e repercussões na imprensa.
Com o êxito do coral, o trabalho de Glorinha Beuttenmüller começou a ficar conhecido, e ela – que já dava cursos de impostação vocal na Rádio MEC, na Faculdade Santa Úrsula, na PUC e na Fefierj (hoje, Uni-Rio) – passou a ser procurada por diversos profissionais que dependiam da voz para viver. Pouco tempo depois, passou a trabalhar com o Teatro de Arena, uma das companhias teatrais mais importantes do Brasil. Além disso, entre o fim dos anos 1960 e meados da década seguinte, desenvolveu seu trabalho no rádio, em emissoras como Rádio Rural, Rádio Tupi e Rádio Jornal do Brasil.
Em 1974, começou sua trajetória de 19 anos na Globo. Naquele ano, por ocasião da morte do apresentador Heron Domingues, Sérgio Chapelin foi chamado para substituí-lo no extinto 'Jornal Internacional'. Por razões de fundo emocional, o substituto ficou rouco, e um médico recomendou-lhe que ficasse dez dias sem falar nada. Sérgio Chapelin decidiu, então, procurar Glorinha Beuttenmüller, que passou-lhe uma série de exercícios vocais que fizeram com que ele recuperasse a voz no mesmo dia. Graças a esta experiência, a fonoaudióloga foi convidada pela Globo para dar treinamento vocal aos profissionais da emissora. No departamento de jornalismo, além de Sérgio Chapelin, ela ajudou a desenvolver a fala de William Bonner, Fátima Bernardes, Ana Paula Padrão, Carlos Nascimento e Paulo Henrique Amorim, entre muitos outros.
Nos anos 1980, a Central de Afiliadas, então sob o comando de Evandro Guimarães, criou o Prodetaf, Projeto de Desenvolvimento do Telejornalismo das Afiliadas. Através de uma série de mudanças nos telejornais das praças, tentava-se minimizar distorções entre diferentes regiões do Brasil, criando um padrão de qualidade no telejornalismo de todas as emissoras da Rede Globo. Foi nesta época que Glorinha Beuttenmüller começou a uniformizar a fala de repórteres e locutores espalhados pelo país, amenizando os sotaques regionais. A fonoaudióloga visitava as sucursais regularmente: viajava a São Paulo e a Brasília a cada 15 dias, visitava Belo Horizonte uma vez por mês e Recife, a cada dois meses. Posteriormente, passou também a visitar as emissoras afiliadas.
Ainda na década de 1980, Glorinha Beuttenmüler começou a trabalhar também com os atores da Globo. Um dos seus primeiros trabalhos foi em 1984, na direção vocal interpretativa do programa 'Betty Faria Especial', um musical em tom de comédia estrelado pela atriz Betty Faria e dirigido por Augusto César Vannucci. Em 1988, a pedido do diretor Daniel Filho, desempenhou a mesma função na novela 'O Primo Basílio', adaptação de Gilberto Braga e Leonor Bassères do romance homônimo de Eça de Queiroz. Além disso, atendia individualmente os atores da casa que a procuravam.
Durante toda a vida, Glorinha fez a direção vocal interpretativa de diversas peças, como 'Os Filhos de Kennedy' (1977), de Robert Patrick, na qual trabalhou com Irene Ravache, e 'Nostradamus' (1999), de Doc Comparato, na qual trabalhou com Laura Cardoso e Tonico Pereira.
Ainda na área do teatro, ela foi uma das responsáveis pela criação da Casa de Arte de Laranjeiras, a CAL. Em 1982, ela e o ator e diretor Sérgio Britto foram convidados pelo ator Eric Nielsen e pelo músico Gustavo Ariani para criar o núcleo de arte teatral, e ambos ministraram os cursos inaugurais daquela escola. Depois de 19 anos de Globo, Glorinha Beuttenmüller deixou a emissora. Ela ainda trabalhou por um breve período no jornalismo da TV Bandeirantes, antes de montar, em 1996, a sua empresa, a Espaço-Direcional Comunicações, que dá treinamento vocal. O seu mais recente trabalho foi o livro 'Tragédia – O Mal de Todos os Tempos'.
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Glorinha Beuttenmüller, como era conhecida, faleceu em 2024, aos 98 anos, no Rio de Janeiro.
FONTE:
Depoimento concedido ao Memória Globo por Glorinha Beuttenmüller em 03/08/2009. |