Ela tinha apenas 21 anos quando foi convidada para atuar em 'Mandala', de Dias Gomes, em 1987. Era o convite dos sonhos de qualquer atriz iniciante: novela do horário nobre da Globo, com direito a viver a primeira fase da personagem principal da trama, Jocasta, papel para o qual fora escalada Vera Fischer. Sonho para as outras, não para Giulia Gam, que atuava fazia cinco anos no grupo de teatro de Antunes Filho. Afinal, naquela época, aceitar fazer televisão, para aquele restrito grupo de atores e atrizes, era trair o teatro, abandonar a arte no seu estado mais puro. Giulia, inclusive, já havia recusado outros convites da Globo, mas, desta vez, apaixonada por mitologia grega, base da novela, acabou aceitando.
Início na Globo
Giulia Gam estreou na televisão em 1987, iniciando ali uma carreira consistente, que abarca televisão, teatro e cinema. Giulia trabalha muito, mas é bastante seletiva ao dizer sim para alguma produção. Em 25 anos de Globo, por exemplo, atuou em 12 novelas, e, ainda assim, cinco delas foram participações especiais. Minisséries e séries, sim, fez muitas, quase 30, entre as quais 'O Primo Basílio', adaptação de Gilberto Braga e Leonor Bassères da obra de Eça de Queiroz (1988), seu segundo trabalho na emissora e a primeira protagonista. Na tela grande, foram 24 longas-metragens, incluindo 'Chico Xavier', com direção de Daniel Filho, em 2010, e 'Assalto ao Banco Central', de Marcos Paulo, exibido um ano depois. No teatro, foram muitas peças, passando por importantes diretores, como Antunes Filho, Zé Celso Martinez e Gerald Thomas.
“Quando eu era pequena, meu pai me levou para ver o mímico Marcel Marceau. Fiquei muito impressionada. Me encantei, porque sempre tive uma dificuldade, e tenho, por incrível que pareça, de me expressar, de falar o que sinto. Acho que a ideia de ser atriz está ligada a essa possibilidade de viver várias vidas com script. Isso me era atraente, gostava do palco. No colegial surgiu essa questão do que ia fazer, também gostava de medicina, mas quis ver se tinha talento para o teatro, porque é uma profissão que deve ser muito sofrida se você não tiver talento para ela. Comecei a fazer cursos e percebi que tinha talento. Mas o que me puxou mesmo foi o Antunes Filho. Ele precisava de uma jovem, para montar 'Romeu e Julieta', e já tinha testado duas mil atrizes. Ele estava com dificuldades para encontrar uma atriz que parecesse ter uns 17 anos, mas que segurasse a peça. Eu tinha de 15 para 16 anos. Passei”.
'O Primo Basílio' foi um sucesso, mas de tão cansada, a atriz acabou em um spa. Achou que, agora sim, sua vida voltaria aos trilhos do teatro. Ela não contava, porém, com o novo convite, desta vez para atuar em uma novela completa. “O médico me falou: ‘Você está estressada’. Tinha 21 anos e nem sabia o que era isso. Depois que eu fui para o spa, veio o Roberto Talma me convidando para fazer 'Que Rei Sou Eu?' Lembro que eu chorava e dizia que não podia fazer, porque estaria traindo o Antunes. Minissérie, 15 capítulos de novela, tudo bem, mas eu não podia fazer uma novela inteira”, lembra. Mas, novamente, o tema da novela era muito interessante, ela participaria de lutas de espada (Giulia foi esgrimista e até competiu em um campeonato sul-americano) e, de quebra, a direção era de Jorge Fernando. Sim, aceitou. Da novela, que foi ao ar em 1989, destaca sua parceria com Edson Celulari, com quem já havia trabalho no teatro, em 'Fedra', que teve no elenco, ainda, Fernanda Montenegro.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc novela: 'Que Rei Sou Eu?' (1989)
'Que Rei Sou Eu?' teve ótima repercussão, Giulia continuava no teatro, quando uma conversa ao telefone com Antunes Filho foi decisiva. “Liguei para o Antunes e ele me perguntou: ‘você já está vendendo massa de tomate?’ E eu: ‘Não, Antunes.’ E chorava. Foi um sacrifício”, relembra. Após a novela, então, Giulia resolveu ir embora do Brasil. Seu destino: Nova York, para trabalhar em teatro com Gerald Thomas. Somente dois anos depois voltou, e fez uma participação especial em 'Vamp', de Antonio Calmon, com direção de Jorge Fernando, que se tornara seu amigo e insistiu muito para que ela aceitasse o convite. Até atuar em sua próxima novela, 'Fera Ferida', de Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn (1993), na qual viveu a protagonista, fazendo par novamente com Celulari, a atriz atuou em alguns especiais, com destaque para 'Lisbela e o Prisioneiro', quando foi dirigida por Guel Arraes, que a puxou para o humor. “ 'Veio Comédia da Vida Privada', que foi um estrondoso sucesso. Acho que, nessa brincadeira, ficamos uns cinco anos envolvidos com esses projetos de teledramaturgia. E foi uma época muito bacana”, afirma.
Giulia se defrontou com um novo desafio ao ser convidada para viver o papel principal de 'Dona Flor e Seus Dois Maridos', minissérie com direção de Mauro Mendonça Filho, que foi ao ar em 1998. Reviver uma personagem entronizada por Sônia Braga, para Giulia, com seu tipo físico tão europeu, era de fato um desafio. Mas a minissérie foi um sucesso, e o trabalho da atriz teve grande repercussão. “Era um trabalho difícil. Como eu iria trabalhar uma sensualidade que eu não acreditava ter, ou que nunca havia trabalhado antes? Foi muito desafiante”, lembra.
Em 2001, a atriz atuou em 'A Padroeira', de Walcyr Carrasco, a primeira novela que gravou no Projac. Foi em 2003, no entanto, em 'Mulheres Apaixonadas', de Manoel Carlos, que Giulia Gam viveu sua personagem de maior sucesso, a Heloísa, que sofria de amor e trouxe para a televisão a discussão do ciúme doentio. “Heloísa foi uma coisa extraordinária, uma das minhas experiências mais incríveis. Uma coisa legal deste papel foi tocar em um ponto que virou quase uma terapia popular. Na época, ninguém conhecia o Mada (Mulheres que Amam Demais Anônimas), e eu também não. As pessoas eram ciumentas, mas nunca haviam pensado nisso em termos de doença. Então, acho que esse questionamento veio em um momento interessante. Qual o limite do ciúme? Era uma coisa inédita na televisão”, discorre. Não à toa, Giulia Gam ganhou, naquele ano, o Troféu Imprensa de Melhor Atriz.
Giulia continuou alternando novelas, como os remakes de 'Ti-Ti-Ti' (2010) e 'Guerra dos Sexos' (2012); as novelas 'Sangue Bom' (2013), 'Amor Eterno Amor' (2012) e 'Boogie Oogie' (2014); participações especiais, como em 'Eterna Magia' (2007); e séries como 'A Grande Família', 'Força-Tarefa', 'Aline' e 'Mister Brau'. Giulia também continuou a se dedicar ao teatro, atuando, por exemplo, em 'Dilúvio em Tempos de Seca', com direção de Aderbal Filho (2005). “O palco é um lugar religioso para mim, no sentido de entrar em comunhão e conseguir estar no presente. É aquele único momento da vida em que você se sente plena, no lugar em que tem de estar. O cinema está ficando mais forte, até porque está tendo mais projeção internacional", avalia.
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