Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Seja no teatro, cinema ou televisão, é ela a grande dama da dramaturgia brasileira. Fernanda Montenegro foi a única atriz do país a concorrer ao principal prêmio da indústria do cinema norte-americano – o Oscar, por sua atuação em 'Central do Brasil' (1998), de Walter Salles. Pioneira da teledramaturgia nacional, foi a primeira atriz contratada da antiga TV Tupi no Rio de Janeiro, em 1951. Na Globo, atuou em mais de 30 programas, entre novelas, minisséries e especiais, e ganhou o Emmy de melhor atriz pelo seriado 'Doce de Mãe' (2012). No teatro, foram mais de 70 peças, em mais de 70 anos de carreira. O entusiasmo profissional é o que move a atriz, desde que foi contratada pela primeira vez como redatora, locutora e radioatriz na rádio MEC, aos 15 anos de idade.

Fernanda Montenegro estreou na Globo no ano de sua criação, 1965, com uma participação na série de teleteatro '4 no Teatro'. Em 1981, a convite de Manoel Carlos, fez sua primeira novela, 'Baila Comigo'. A personagem Sílvia Toledo Fernandes foi escrita especialmente para ela. Em 1983, a atriz interpretou o que se tornaria seu maior sucesso na televisão: a inesquecível Charlô, de 'Guerra dos Sexos'. Pelo seriado 'Doce de Mãe' (2012), a atriz ganhou o prêmio Emmy de melhor atriz. É com franqueza que a atriz fala da diferença entre interpretar um papel, ao vivo, diante da plateia, e atuar na frente das câmeras. “No teatro, tudo depende da encenação que se tem, da dramaturgia”. É um trabalho que exige mais do desempenho do ator, que só tem aquele instante para acertar e se conectar com o público. Na televisão, o trabalho pode ser refeito, maquiado, editado e transformado inúmeras vezes: “É um produto industrial que tem reposição de peças. A televisão te transforma: te bota para cá, para lá, cabelo branco, cabelo preto, roupa de época…”.

Minha principal preocupação é trabalhar em estado de aleluia. É me pôr em estado de alegria, no sentido grego. Não é rir à toa. É ter entusiasmo, estar disposta a ser feliz.
Entrevista exclusiva da atriz Fernanda Montenegro ao Memória Globo em 06/11/2002, sobre o início de sua carreira profissional.

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Memórias da Pandemia: Fernanda Montenegro (2021)

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Início da carreira

"Desde cedo, eu trabalho muito. E a rádio foi a universidade que eu não tive”, lembra. Na rádio, a atriz já assinava como Fernanda Montenegro, nome artístico que Arlette Pinheiro Esteves da Silva inventou. Ela explica: “Tinha uma curtição, um humor dentro do sobrenome, parecia uma coisa a la Século XIX. Eu redigia como Fernanda Montenegro e era locutora como Arlette Pinheiro. E a Fernanda Montenegro pegou”.

A atriz nasceu em 16 de outubro de 1929, no bairro do Campinho, Zona Norte do Rio de Janeiro. Pisou em um palco, pela primeira vez, aos oito anos de idade para participar de uma peça na igreja. Mas sua estreia oficial no teatro ocorreu em dezembro de 1950, ao lado do marido Fernando Torres, no espetáculo '3.200 Metros de Altitude', de Julian Luchaire.

Na Tupi, participou, por dois anos, de cerca de 80 peças, exibidas nos programas 'Retrospectiva do Teatro Universal' e 'Retrospectiva do Teatro Brasileiro'. Ganhou o prêmio de Atriz Revelação da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, em 1952, por seu trabalho em 'Está Lá Fora um Inspetor', de J.B. Priestley, e 'Loucuras do Imperador', de Paulo Magalhães. Mudou-se para São Paulo em 1954, onde fez parte da Companhia Maria Della Costa e do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Com o marido, formou sua própria companhia, o Teatro dos Sete – acompanhada também de Sérgio Britto, Ítalo Rossi, Gianni Ratto, Luciana Petruccelli e Alfredo Souto de Almeida. A estreia da Companhia fez sucesso: 'O Mambembe' (1959), de Artur Azevedo, atraiu centenas de espectadores ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro. “Era como se nós tivéssemos concluído 50 anos de uma era: a mudança para Brasília, a contracultura vindo e uma outra estrutura libertária de vida sendo proposta”.

Em 1963, estreou na TV Rio, com as novelas 'Amor Não é Amor' e 'A Morta sem Espelho', ambas de Nelson Rodrigues. Na recém-criada TV Globo, nesse período, fez participação na série de teleteatro '4 no Teatro' (1965), dirigida por Sérgio Britto. Em 1967 também integrou o elenco da TV Excelsior: interpretou a personagem Lisa, em 'Redenção', de Raimundo Lopes.

Nos anos 1970, a atriz se manteve afastada da televisão por nove anos, aceitando poucos papéis, participando apenas do teleteatro 'A Cotovia' (1971), de Jean Anouilh, da Tupi, e do 'Caso Especial' da Globo, 'Medeia' (1973), uma adaptação de Oduvaldo Vianna Filho da tragédia de Eurípedes.

Na Globo

Fernanda Montenegro estreou em novelas da Globo em 1981, a convite de Manoel Carlos, que preparava a nova novela das 20h, 'Baila Comigo'. A personagem Sílvia Toledo Fernandes foi escrita especialmente para ela. Antes do fim da novela, a atriz deixou o elenco para atuar na nova trama de Gilberto Braga, 'Brilhante'.

Em 'Brilhante', Fernanda Montenegro deu vida à pérfida milionária Chica Newman, uma mulher controladora que não media esforços para defender os valores que julgava ser de sua família. “Chica Newman foi ótima, porque era a bandida da história. Era aquela mulher terrível, rica, horrenda, mau-caráter, todas as distorções que se projeta na gente da alta estirpe.” Mas a atriz alerta: Chica não era uma vilã. Para ela, as características do vilão de novela são claras: “A Chica era de índole má, mas ela não era profissionalmente má, porque má de novela é uma profissional da maldade”.

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Na televisão, interpretar uma profissional da maldade só aconteceria décadas mais tarde, com a perversa Bia Falcão, de 'Belíssima' (2006), novela de Silvio de Abreu. Nessa trama, Fernanda Montenegro se empenhou em se fazer odiada. Afinal, Bia Falcão quis separar a qualquer custo o neto Pedro (Henri Castelli) – seu herdeiro legítimo – da mocinha Vitória (Cláudia Abreu). “A Bia Falcão, no início, não era tão cruel. Ela era apenas uma mulher de índole dura, visando salvar a sua estrutura empresarial. No decorrer da novela, ela foi virando uma psicopata. Matou quase todo o elenco da novela. E no final ela se salva, sem ter sentido culpa e ainda leva para Paris aquele gato maravilhoso. As mulheres todas na rua tiveram inveja porque eu fui para Paris, com o Cauã [Reymond]”.

'Guerra dos Sexos'

Bem antes de dar vida à Bia Falcão, Fernanda Montenegro interpretou, em 1983, o que se tornaria seu maior sucesso na televisão: a inesquecível Charlô, de 'Guerra dos Sexos' (1983). A cena mais famosa da trama de Silvio de Abreu, dirigida por Jorge Fernando e Guel Arraes, é protagonizada por Charlô e seu primo Otávio (Paulo Autran), que fazem uma guerra de comida durante o café da manhã na mansão em que moravam. “O encontro com o Paulo foi maravilhoso. Nós entramos numa sintonia de comediantes e nunca tínhamos trabalhado juntos”.

Pela novela, Fernanda ganhou o prêmio de Melhor Atriz da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Do mesmo autor, também fez 'Cambalacho' (1986), 'Sassaricando' (1987), 'Rainha da Sucata' (1990), 'As Filhas da Mãe' (2001) e 'Passione' (2010).

Ao longo da carreira, a atriz participou também de minisséries como 'Riacho Doce' (1990), 'Incidente em Antares' (1994), 'O Auto da Compadecida' (1999) e 'Hoje é Dia de Maria' (2005). Trabalhos dos quais tem orgulho de ter feito, principalmente os dois últimos, resultado de parceria com o diretor Luiz Fernando Carvalho. “O Luiz Fernando tem o poder encantatório de levar o elenco com ele para onde for. Os trabalhos dele têm uma infraestrutura de meses de busca e amadurecimento. É uma aventura irrecusável trabalhar com ele, porque o resultado é comovente”.

No caso da minissérie baseada na obra de Ariano Suassuna, Fernanda Montenegro viveu a própria Compadecida, que aparece justamente quando João Grilo (Matheus Naschtergaele) morre e vai ao julgamento do purgatório, para saber se toma o rumo do céu ou do inferno. Nossa Senhora interfere, a pedido do sertanejo, nos rumos da negociação: ele deve é voltar para a terra.

“O Suassuna é um referencial único na dramaturgia brasileira. Foi um momento muito bonito quando o Guel Arraes me chamou para ser a Compadecida. Eu, graças a Deus, fiz parte desse núcleo de trabalho com representações extraordinárias, com uma direção espetacular do Guel Arraes, em um momento de alta expressividade da nossa cultura geral”.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a novela Guerra dos Sexos - 1ª versão (1983)

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Webdoc sobre a minissérie O Auto da Compadecida (1999)

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Um papel que marcou a carreira da atriz na Globo foi a italiana Luiza, da novela 'Esperança' (2002), de Benedito Ruy Barbosa. Isso porque a atriz pôde ter mais contato com as origens de sua família, ao dar vida a uma nona muito doce, do início do século XX, com sotaque carregado. “Eu tenho avós italianos, que vieram para cá como imigrantes, no fundo de um navio, em 1897. Até meus 18 anos, fui praticamente criada pela minha avó e ela queria me impregnar com sua experiência, oralmente. Talvez seja eu a última memória dela”, lembra.

O encontro com a octogenária Dona Picucha aconteceu em 2012. Convidada por Guel Arraes, Fernanda Montenegro protagonizou o especial de fim de ano 'Doce de Mãe', que lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz no 41° Emmy Internacional. O sucesso que a personagem fez tornou o especial em seriado. Em 2014, Fernanda foi novamente indicada para o Emmy de Melhor Atriz, na mesma competição que 'Doce de Mãe' foi escolhida como a Melhor Comédia na premiação. Para a atriz, o prêmio representa o coroamento de um bom personagem. “O encanto dessa série é essa visão não abstrata, nem sublimada, nem onírica do velho na sociedade. É uma visão palpável. Gostei muito de fazer”.

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Depoimento de Fernanda Montenegro sobre Doce de Mãe (2012)

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Teatro e cinema

No teatro, venceu festivais como protagonista das peças: 'A Moratória' (1955), de Jorge Andrade, 'Mary, Mary' (1963), de Jean Kerr, 'Mirandolina' (1964), de Carlo Goldoni, 'A Mulher de Todos Nós' (1966), de Henri Becque, 'É…' (1977), de Millôr Fernandes, 'As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant' (1982), de Rainer Werner Fassbinder, 'Dona Doida' (1987), de Adélia Prado, e 'The Flash and Crash Days' (1993), de Gerald Thomas, quando atuou ao lado da filha, Fernanda Torres.

Pelo cinema, com 'A Falecida' (1964), de Leon Hirszman, levou o prêmio de Melhor Atriz na I Semana do Cinema Brasileiro (futuro Festival de Brasília). Do mesmo diretor, fez também o clássico 'Eles Não Usam Black-Tie' (1980), adaptação da peça de Gianfrancesco Guarnieri. Outros trabalhos importantes em longas-metragens foram: 'Redentor' (2004), em que foi dirigida por seu filho, Cláudio Torres; e também atuou na produção internacional 'O Amor Nos Tempos do Cólera' (2007), de Mike Newell, como Tránsito Ariza, mãe do personagem do ator espanhol Javier Bardem.

'Central do Brasil'

“Um dia, o Walter Salles me chamou: ‘Fernanda, gostaria que você lesse um roteiro’. Eu li e achei lindo, simples. Uma equipe pequena. Começamos. Não se esperava isso tudo. Fizemos um filme quase em segredo. Um dia, o filme ficou pronto. Começamos a levantar prêmios por onde a gente ia, e chegamos ao Oscar”. Assim Fernanda Montenegro define o caminho que levou ao tapete vermelho mais cobiçado do cinema mundial - pela atuação em 'Central do Brasil' (1998), Fernanda concorreu ao prêmio de melhor atriz na edição de 1999 do Oscar.

Em fevereiro de 1998 a atriz já havia conquistado o Urso de Prata do Festival de Berlim pelo mesmo papel: a escritora de cartas, Dora, que se dispõe a partir em uma longa jornada em busca do pai do pequeno Josué (Vinícius de Oliveira). 'Central do Brasil' foi um sucesso. Colocou o cinema brasileiro de volta ao topo dos principais festivais internacionais e reconheceu o talento de uma atriz que já tinha na bagagem uma coleção de outros prêmios.

Prêmios e condecorações

Em 1999, Fernanda Montenegro foi condecorada com a maior comenda que um brasileiro pode receber da Presidência da República, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito “pelo reconhecimento ao destacado trabalho nas artes cênicas brasileiras”. Na época, uma exposição realizada no Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro, comemorou os 50 anos de carreira da atriz. Em 2004, aos 75 anos, recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Tribeca, em Nova York, por sua atuação em 'O Outro Lado da Rua', de Marcos Bernstein.

Em fevereiro de 2019, a atriz foi escolhida a Personalidade de 2018 pelo Prêmio Faz Diferença, uma iniciativa do Globo em parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, a Firjan.

Pandemia de Covid-19

Fernanda Montenegro completou 90 anos em 2019, com uma agenda intensa de trabalhos. No cinema, brilhou no filme de Karim Aïnouz, 'A Vida Invisível'. Estava em cartaz no teatro como Simone Beauvoir, em uma peça dirigida por Felipe Hirsch, e fazendo leituras de Nelson Rodrigues baseadas no livro organizado pela filha do dramaturgo, Sônia Rodrigues. Na televisão, fez uma participação memorável como Dulce, em 'A Dona do Pedaço', novela de Walcyr Carrasco. E, finalmente, estreou como escritora, com o livro de memórias 'Prólogo', ato, epílogo.

No início de 2020, a pandemia de Covid-19 assolou o mundo, forçando governos a decretarem medidas de isolamento, empresas, a fecharem escritórios, e famílias, a separar-se. A Globo interrompeu a gravação de novelas e programas de entretenimento e aumentou o tempo de jornalismo no ar, para oferecer mais informação à população. Isolada com a família em sua casa de campo, em Petrópolis, região Serrana do Rio de Janeiro, Fernanda Montenegro permaneceu em atividade. Partiu do diretor Jorge Furtado a ideia de produzir uma série de ficção com as famílias de artistas que viviam em isolamento, gravada de forma caseira, pelos próprios. 'Amor e Sorte' trouxe episódios protagonizados por Thaís Araújo e Lázaro Ramos, Fabiula Nascimento e Emílio Dantas, Luisa Arraes e Caio Blat; e Fernanda Montenegro e a filha, Fernanda Torres. O sucesso do episódio com as duas atrizes foi tão grande que teve uma continuação: o especial de fim de ano 'Gilda, Lucia e o Bode'. O programa contou com a participação de toda a família, na frente e atrás das câmeras.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Memórias de vida: Fernanda Montenegro (2021)

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Fonte

Fonte: Depoimento concedido ao Memória Globo por Fernanda Montenegro em 06/11/2002 e 22/01/2015.
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