Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Eliane Giardini pensou em estudar Filosofia ou Letras, mas a visita de seu tio da Paraíba, quando ela tinha 17 anos, mudou o seu destino. Ele fora a São Paulo para alugar equipamentos para gravar um filme em sua terra natal e passou por Sorocaba para visitar a família. Ao encontrar a sobrinha Eliane, ofereceu-lhe um papel. Ao regressar, foi convidada para entrar em um grupo de teatro onde conheceu o também ator e futuro marido, Paulo Betti. Já no Rio de Janeiro, trabalhou nas TVs Bandeirantes e Manchete, antes de entrar para a Globo, em 1990, na minissérie 'Desejo'. Três anos depois, em 'Renascer' (1993), a atriz se tornaria realmente conhecida na televisão. Eliane fez novelas, especiais e minisséries, com destaque para 'O Clone' (2001), 'A Casa das Sete Mulheres' (2003), 'Um Só Coração' (2003), 'Caminho das Índias' (2009) e 'Avenida Brasil' (2012), mas nunca deixou os palcos. Atuou em mais de 20 peças.

Início da carreira

Eliane Giardini nasceu em Sorocaba, São Paulo, em 1952. Seu pai era dono de uma oficina mecânica e sua mãe dona de casa. Descobriu os ofícios de atriz ainda menina. Na infância, o pai de uma amiga da escola fazia parte de um grupo de teatro amador e levava as duas aos ensaios.

Para mim eram adultos brincando de criança de uma forma profissional e aquilo me deixava fascinada. Gostava da leveza daquelas pessoas, da inteligência, do humor, mais do que qualquer outra atividade que eu pudesse imaginar

Na época, estudava num colégio de freiras e conta que os tempos vividos ali se tornaram uma referência para a construção de alguns papéis “é o baú dos meus personagens”.

Na juventude, pensou em estudar Filosofia ou Letras, mas a visita de seu tio da Paraíba, quando ela tinha 17 anos, mudou o seu destino. Waldemar José Solha foi para São Paulo para alugar equipamentos para gravar um filme em sua terra natal e passou por Sorocaba para visitar a família. Ao encontrar a sobrinha Eliane disse: “Tem um papel pra você”. E lá foi ela para a Paraíba. Ao regressar, foi convidada para entrar em um grupo de teatro onde conheceu o também ator e futuro marido, Paulo Betti.

Eliane Giardini em entrevista ao Memória Globo — Foto: Renato Velasco/Memória Globo

Os dois participaram de um festival de teatro amador fazendo 'O Pagador de Promessas' e foram premiados. Ganharam uma bolsa de estudo para a Escola de Arte Dramática da USP e se mudaram para São Paulo. Tiveram aula de interpretação com Celso Nunes (pai do ator Gabriel Braga Nunes) e entraram para um grupo de teatro. Até que Celso contratou o grupo para ajudar a montar uma escola de teatro para os alunos da Unicamp, em Campinas. “Era um barracão de teatro onde alunos de todas as áreas da Unicamp frequentavam. Foi um período muito fértil. Uma escola com outras diretrizes, outras ideias”, relembra a atriz.

Em uma rápida passagem pela TV Tupi que conheceu o diretor e ator Antonio Abujamra. Com o fim da emissora, ela foi chamada por Abujamra para fazer 'Ninho da Serpente', de Jorge Andrade, na TV Bandeirantes, em 1982. “Ele me convidou para fazer a protagonista da novela, meio que brigando com as pessoas porque eu era uma desconhecida, era uma atriz de teatro. Não era uma pessoa linda, uma boneca, não tinha muitos padrões de protagonista, mas o Abujamra bancou porque era diretor de teatro, achava que eu ia dar conta do recado”.

Casada com Paulo Betti e mãe de duas filhas, Juliana e Mariana, Eliane se mudou para o Rio de Janeiro, em 1985, já que Paulo trabalhava na Globo, desde 1982. Eliane foi para a Manchete onde conheceu os diretores Denise Saraceni e Luiz Fernando Carvalho, na novela 'Helena' (1987), de Mário Prata. Com a volta de Denise para a Globo, a diretora convidou Eliane para interpretar a Lucinda, na minissérie 'Desejo' (1990). No mesmo ano a atriz fez sua primeira novela na emissora, 'Felicidade', de Manoel Carlos. “Uma das coisas que mais me lembro dessa novela foi o meu primeiro encontro com uma pessoa que eu amo de paixão, que eu admiro muito, que é o Tony Ramos. Acho que é unanimidade nacional”, elogia Eliane.

Na Globo

Mas foi com a personagem Dona Patroa, em 'Renascer' (1993), que tornou a atriz realmente conhecida na televisão. “Renascer foi uma experiência completa, uma experiência de vida, eu diria.” Dona Patroa era uma mulher subjugada pelo marido, que era um coronel, que trazia mulheres pra transar dentro da própria casa. “Era humilhação em cima de humilhação. Era um personagem bem denso, mas eu tinha tanta vontade de fazer que fui com muita gana. Liguei para o Benedito falando que eu queria botar umas expressões próprias. Eu estava muito fascinada pelo Guimarães Rosa e o Benedito me deu carta branca”. 'Renascer' foi uma marco na vida profissional da atriz.

Eliane Giardini e Herson Capri em 'Renascer', 1993 — Foto: Acervo Globo

Primeiro por trabalhar com o Luiz Fernando Carvalho, que é um capítulo a parte na minha vida, na minha história. Começamos juntos na Manchete e lá a gente descobriu que tínhamos muita afinidade artística, como se tivéssemos frequentado as mesmas escolas, lido os mesmos livros e visto os mesmos filmes. Segundo porque essa personagem se descobria como mulher. Era uma trajetória muito bonita e que pra mim ficou muito linkada com minha vida artística, com o florescer de uma pessoa artisticamente com a dona do personagem

Outra personagem que marcou a carreira da atriz foi a Lola. "'Explode Coração' inaugurou a minha trilogia. Lola era uma cigana. Depois teve a Nazira em 'O Clone', que era uma marroquina. E a Indira, que era uma indiana. Então, essa trilogia oriental começou aí”. As três personagens são assinadas pela autora Gloria Perez. Para Eliane, um dos grandes prazeres de fazer esses papéis foi a preparação. “A gente participava de workshops, lia livros, via coisas, assistia filmes. Essas informações entram e elas se alojam dentro de você. O meu processo é basicamente descobrir qual é a temperatura do personagem, é aí que eu vou querer trabalhar, porque é como se fosse uma música. Têm personagens mais baixos, mais graves, outros médios, outros que são agudos. A Nazira foi o personagem mais agudo que eu alcancei. Gosto muito desse personagem porque ele explodiu dentro de mim também muitos limites, que a gente vai se engessando em coisas que são conhecidas, em zonas de conforto dentro da gente”.

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Teatro

Em paralelo a carreira de atriz de televisão, Eliane nunca deixou os palcos. Atuou em mais de 20 peças. Quando consegue unir os dois trabalhos, costuma gostar muito do resultado. Foi o caso da novela 'A Indomada', em 1997, onde interpretou Santinha, uma alcoólatra irmã mais nova de Altiva (Eva Wilma). “A Eva Wilma e eu estávamos excursionando com a peça 'Querida Mamãe', da Maria Adelaide Amaral, onde ela era a mãe e eu a filha. Essa peça a gente fez durante três anos, no Brasil todo. No meio dessa turnê, o Paulo Ubiratan convidou a Eva Wilma e a mim pra fazer a novela. Ele tinha visto a peça e falou: ‘Assim eu não vou ter nem trabalho de ensaiar vocês porque vocês já estão trabalhadas’. A coisa mais importante que tem é a relação que existe entre as pessoas, mais do que por trás dos personagens. A Eva e eu, a gente também desenvolveu um elo, um vínculo muito forte”.

Cinema

O cinema também tem um peso importante na carreira de Eliane. Seja por seus trabalhos, como os filmes 'O Amor está no Ar' (1997), 'Uma Vida em Segredo' (2001) ou 'Olga' (2004), ou para compor personagens. Na minissérie 'Os Maias' (2001), por exemplo, Eliane recorreu ao filme americano 'Ligações Perigosas' para fazer a cena em que a sua personagem, a Condessa de Gouvarinho, descobre que o Carlos (Fábio Assunção) vai casar com a irmã, interpretada por Ana Paula Arósio. “Assisti várias vezes à cena da Glenn Close, quando ela entra e quebra tudo. Fiz uma cena meio parecida. Cinema é uma grande referência para o ator porque todas as coisas que vou fazer me lembra isso, me lembra aquilo. Na época de 'Os Maias', tinha que ter essa dimensão, essa dor. Aí fui buscar no filme, assisti e fiz uma coisa inspirada na cena”, comenta a atriz.

Papéis marcantes

Eliane fez muitas minisséries, especiais e seriados. Entre eles, 'Incidente em Antares' (1994), 'Engraçadinha, Seus Amores e Seus Pecados' (1995) e Comédia da Vida Privada (1995), 'Brava Gente' (2000), 'Os Normais' (2001) e 'A Casa das Sete Mulheres' (2003). Desses trabalhos, dois ela tem uma recordação especial.

Camila Morgado, Bete Mendes, Nívea Maria, Daniela Escobar, Eliane Giardini, Samara Felippo, e Mariana Ximenes em 'A Casa das Sete Mulheres', 2003. — Foto: Acervo Globo

Um deles foi 'Capitu' (2008), em que Eliane interpretou Dona Glória Santiago. Este trabalho, a atriz ressalta toda a preparação coordenada pelo diretor Luiz Fernando Carvalho. Foram quatro meses de imersão para fazer quatro capítulos. “A impressão que você tem é que você está fazendo uma peça de teatro, uma minissérie, uma novela, um longa, tudo ao mesmo tempo, porque tem todo esse envolvimento. O ganho de você improvisar cenas e descobrir a relação dos personagens é enorme”.

Eliane Giardini em 'Capitu', 2008. — Foto: Renato Rocha Miranda/Memória Globo

Mas um dos seus papeis preferidos foi interpretar a artista plástica Tarsila do Amaral em 'Um Só Coração' (2004), que também virou peça de teatro, ambas de Maria Adelaide Amaral. “É uma paixão eterna. A Tarsila toca em muitos pontos que eu adoro. Primeiro que a Tarsila viveu num momento que eu acho uma paixão. Uma artista que rompeu com a sua época, que era amada, enfim, tudo isso juntou no meu imaginário e de repente eu me vi assim totalmente misturada com a Tarsila”, relembra a atriz. A personagem se misturou tanto com Eliane que ela chegou a visitar o túmulo da artista, no cemitério da Consolação, no dia do aniversário da pintora. Quando a atriz e os amigos da peça, que na época estava sendo encenada em São Paulo, chegaram no cemitério levando ramos de margaridas, encontraram alunos de uma turma de escola. “Quando eles me olharam, ficaram espantados. Eu era a Tarsila também para eles. Eles tinham visto na televisão. Então, esse momento pra mim é muito emblemático, porque essa confusão, a atriz que vira um personagem. Eles viraram para mim e começaram a recitar uma poesia que Oswald de Andrade fez pra Tarsila. Foi uma coisa inacreditável, porque eles tinham preparado isso pra fazer no túmulo, eles viram a Tarsila, começaram a declamar para mim. Enfim, foi uma choradeira louca, eu com aquelas margaridas na mão me senti a própria artista. Foi uma mistura muito grande”, relembra.

Eliane Giardini em 'Um Só Coração', 2004 — Foto: Zé Paulo Cardeal/Memória Globo

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Em 2005, Eliane fez 'América', onde interpretou a viúva Neuta, que também fez muito sucesso na época. Um dos destaques da novela foi o par romântico formado por ela e Murilo Rosa, o que rendeu ao casal até um prêmio. “Isso foi uma coisa surpreendente dentro dessa novela, porque esse romance não era para existir, o romance do Dinho com a Neuta. Isso foi uma dedicação do Murilo, que começou a fazer esse personagem e a única referência que ele tinha era que ele era apaixonado por aquela viúva. Ele foi com tanta intensidade ali nessa história, que a Gloria (Perez) não conseguiu mais separar os dois”. Uma história que a faz lembrar da personagem Muricy, em 'Avenida Brasil' (2012). “É uma situação meio parecida, que meu personagem também tinha uma pessoa apaixonada por ela desde os 12 anos, que foi Juliano Cazarré com o Adauto”. E falando em Avenida Brasil, Eliane destaca que foi “um produto bem recebido pela crítica, pelas pessoas, desde a Patrícia Kogut até a caixa do supermercado. Essas experiências ficam plenas porque a gente não é um ator burocrático. A gente quer fazer e acontecer, romper padrões, fazer o que a gente puder fazer de melhor. Então, aí eu fiquei muito feliz de ter feito desse trabalho”.

Para a atriz, televisão pede persona, mais do que personagem. “Você é escolhido por um diretor pela tua atmosfera. Pelo leque de opções que você representa”, resume a atriz que, em 2013, interpretou a Ordália em Amor à Vida. Três anos depois foi a mãe do protagonista em 'Êta Mundo Bom!', escrita por Walcyr Carrasco. Na novela, Anastácia era uma milionária que procura o filho que lhe foi arrancado dos braços ao nascer, papel de Sérgio Guizé.

Em 2017, voltou a trabalhar sob o texto de Walcyr Carrasco vivendo Nádia, uma das vilãs em 'O Outro Lado do Paraíso'. Racista, não aceitava o relacionamento do filho com uma mulher negra.

Interpretou mais uma estrangeira em 'Órfãos da Terra' (2019), de Duca Rachid e Thelma Guedes. A personagem, Rania, abandonou a vida na Síria para se casar com Miguel (Paulo Betti), formando uma família no Brasil. Em 2021, fez uma participação em 'Amor de Mãe' (2020-2021) como Vera, mãe do trio Vitória (Taís Araújo), Miranda (Débora Lamm) e Natália (Clarissa Kiste).

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