Liberdade é uma característica que pulsa em Edwin Luisi, ator que se deixou soprar pelos ventos do destino – no palco e fora dele. Talvez por isso tenha sido tão natural interpretar o abolicionista Álvaro, em um de seus primeiros trabalhos na televisão. O herói conquistou o público ao se casar com a escrava Isaura e libertá-la da condição de oprimida, desmascarando o sádico sinhozinho Leôncio, em uma das novelas mais conhecidas da teledramaturgia mundial.
Com a trajetória estabelecida primeiro no teatro, Edwin se adaptou bem na televisão e viveu diferentes papéis – mais de 30, só na Globo –, entre eles o malandro Felipe Cerqueira, na primeira versão de 'O Astro', que acabou surpreendendo o Brasil ao ser revelado o autor da coronhada que matou Salomão Hayala, em 1978.
Edwin Frederico Luisi nasceu em São Paulo, em 11 de fevereiro de 1947, em uma família de origem italiana. Mas foi batizado com nome alemão, em homenagem ao médico que trouxe ao mundo a maioria de seus tios. Edwin Friedrich Zink, de quem os pais achavam que o caçula herdaria também a profissão. Mas Edwin, o ator, escolheu para si a dramaturgia e, para evitar confusões na vida pública, até hoje faz questão de lembrar: “Muita gente se chama ‘Eduin’, porque é um nome anglo-saxão, mas na Alemanha o w tem som de v, como em Werneck e Volkswagen. Então Edwin é ‘Edvin’”.
À exceção dele, a família era dotada de nomes bem tradicionais, como a mãe, Maria Miguelina Luisi, dona de casa mais conhecida como Ninon; e o pai, Vicente Luisi, um contador que investiu em uma fábrica de alumínio e conseguiu dar uma vida confortável ao filho, incluindo boas escolas. Edwin era disciplinado nos esportes – treinava Ginástica Olímpica quatro horas por dia, desde os 11 anos – e, na adolescência, optou pelo curso Científico, de olho na faculdade de Medicina. Mas algo não saiu conforme o planejado. “Eu era das Humanas, não tinha como! Um dia, quando estava me formando no Científico, fui ver uma dissecação de cadáver, para prestar exame para Medicina. No primeiro talho, eu fui embora e falei: ‘médico, jamais!’”
O impacto visceral lançou o rapaz em uma crise existencial: afinal, o que ele queria ser quando crescesse? Enquanto se decidia, ingressou, a convite de um amigo, em um curso de teatro. Foi onde se encontrou. “E fui ao teatro da Nídia Lícia, mas eu não queria fazer teatro, entrei tão sem expectativa que eu fiquei muito à vontade. Gostei de ser palhaço, de fazer as minhas loucuras… eu era muito preso, era gostoso me soltar. Os professores foram aos meus pais e falaram: ‘Ele tem que fazer teatro, ele é muito bom nisso’. E eu acabei fazendo uma peça infantil, o papel principal.”
Álvaro (Edwin Luisi) interrompe o casamento forçado de Isaura (Lucélia Santos) e Beltrão (Carlos Duval) e revela que comprou todos os bens de Leôncio (Rubens de Falco), incluindo Isaura. Desesperado por não conseguir fugir, Leôncio se mata. 'Escrava Isaura'
Em seguida foi para a França, em 1968, estudar História da Arte com uma bolsa de estudos. Lá, testemunhou os movimentos sociais que tomaram as ruas de Paris e adotou sua nova identidade: ator brasileiro. Quando voltou a São Paulo em 1970, resolveu fazer política: entrou para a Escola de Artes Dramáticas da USP e usou seu talento como forma de transformação social.
“Eu nunca busquei fama, holofote. A minha intenção ao escolher teatro era lutar contra a ditadura, falar alguma coisa importante para o país. Mas todos temos a nossa vaidade… A primeira vez que vi meu nome num cartaz, fiquei muito orgulhoso”.
TV Tupi
Nos anos 1970, Edwin se dividiu entre a televisão e o teatro. Em 1972, estreou na TV Tupi na novela 'Camomila e Bem Me Quer', de Ivani Ribeiro. Permaneceu na emissora por quatro anos, tendo atuado em outras tramas, como 'Vila do Arco' (1975), de Sérgio Jockyman; e 'Canção para Isabel' (1976), de Heloísa Castellar.
Nos palcos, interpretou o cangaceiro Beatinho, em 'O Evangelho Segundo Zebedeu' (1973), de César Vieira; participou das peças 'Ensaio Selvagem', de Zé Vicente; 'Os Executivos', de Mauro Chaves; na adaptação de Ricardo III, em que viveu Lord Richmond.
Outro caminho que se abriu para o ator – que queria juntar dinheiro para começar a construir sua vida – foi o dos comerciais de televisão. Os trabalhos como garoto propaganda de uma marca de guaraná o levaram para o horário nobre da Globo, abrindo portas para que em pouco tempo fosse chamado para trabalhar na emissora. Edwin conheceu o escritor Gilberto Braga, que o indicou para viver o mocinho Álvaro, no grande sucesso da dramaturgia 'Escrava Isaura' (1976).
Escrava Isaura
Álvaro era um abolicionista cheio de planos que se apaixonou pela jovem Elvira (Lucélia Santos), moça rodeada de mistérios. O que o herói não desconfiava era que Elvira era na verdade Isaura, escrava branca que fugiu das garras do cruel Leôncio (Rubens de Falco). Edwin foi convidado para participar da trama quando ela já estava no ar, logo após a morte de Tobias (Roberto Pirillo), por quem Isaura se apaixonou no início da novela, e que morreu em um incêndio armado por Leôncio.
O ator, novo na Globo, lidou com sentimentos controversos do público nessa época: uma parte o odiou, outra, o amou. Edwin Luisi conta que sua vida mudou radicalmente: “tive que vender minha bicicleta, não podia ir à praia e foi um susto. Aos 29 anos, meu caráter já estava formado e, no início, tive um processo de rejeição muito violento. Tornei-me uma pessoa fechada.”
'Escrava Isaura': Cena em que Álvaro (Edwin Luisi) vai à fazenda de Leôncio (Rubens de Falco) resgatar Isaura (Lucélia Santos).
Mas foi por pouco tempo. Quando Álvaro começou a se mostrar como o sujeito que salvaria a escrava Isaura, caiu no gosto do público. Para o ator, um dos maiores desafios das gravações foi o vestuário: muitas cenas eram realizadas em externas, em uma fazenda em Vassouras, no interior do Rio de Janeiro, e o calor se tornou o principal rival.
No fim das contas, deu tudo certo e 'Escrava Isaura' se tornou mundialmente conhecida. Para Edwin, o sucesso se deveu ao contexto sócio-político daquela época. “A gente vivia um momento em que o mundo inteiro queria se libertar das forças de opressão. Essa novela, metaforicamente, falava sobre isso. Fez um grande sucesso em Cuba, na China… A 'Escrava Isaura' representava os oprimidos e o meu papel representava o libertador.”
Escrava Isaura: Cena final da novela, em que Isaura (Lucélia Santos) e Álvaro (Edwin Luisi), após casarem-se, conversam sobre o futuro dos escravos libertos.
Vida de galã
Pouco depois de Escrava Isaura, Edwin Luisi foi convidado para interpretar o desenhista Daniel, apaixonado pela gananciosa Rosália (Nívea Maria), em 'Dona Xepa' (1977), novela escrita por Gilberto Braga e dirigida por Herval Rossano. Daniel integrava o triângulo amoroso formado pela vilã que se dividia entre o rico Heitor (Rubens de Falco) e o jovem humilde. Edwin lembra que seu personagem fez um grande sucesso com o público feminino, porque ele “era apaixonado, uma pessoa que sofria e chorava de amor”.
Queridinho do público, Edwin Luisi surpreendeu a todos em 'O Astro', de Janete Clair, ao interpretar o malandro Felipe Cerqueira, que, no fim das contas, foi revelado como o assassino do industrial Salomão Hayala (Dionísio de Azevedo). O mistério que angustiou o Brasil em 1978 foi guardado a sete chaves por poucos, incluindo Edwin, que prometeu a Janete Clair não contar o desfecho da novela sequer para sua mãe! “Ele era amante da mulher do Salomão Hayala, contraiu dívidas por causa de droga e acaba roubando o dinheiro do Salomão, que descobre, mas morre por isso.”
Para gravar a cena do assassinato, Edwin usou uma barba falsa – já que estava com o rosto liso, diferente do início da novela. Além disso, a coronhada em câmera lenta havia sido combinada anteriormente com o diretor. Mas eis que, na pós-produção, optou-se por não acelerar a cena artificialmente, conforme o previsto. E a morte de Salomão Hayala ganhou contornos dramáticos, tendo sido assistida por milhões de brasileiros.
O Astro - 1ª versão: Cena em que o assassino de Salomão Hayala (Dionísio Azevedo) é revelado: Felipe Cerqueira (Edwin Luisi), jovem amante de Clô (Tereza Rachel), esposa de Salomão.
Além dos dois personagens marcantes, Edwin Luisi interpretou ainda na Globo nesta primeira fase, o professor de matemática Sérgio, em 'Pecado Rasgado' (1979); o galã Davi, em 'As Três Marias' (1980).
Desafios na TV
Na novela 'Sétimo Sentido' (1982), de Janete Clair, dirigida por Roberto Talma, Edwin enfrentou o desafio de viver o cego Rubem, que se envolvia com Érika (Lisa Vieira), uma moça muito inteligente que tinha dificuldade motora, consequência de poliomielite na infância. A preparação para o papel foi intensa.
“Eu fiz pesquisa no Instituto Benjamin Constant durante quatro dias: ia lá, conversava com os cegos, andava com eles, eu inclusive eu me vendava, para ir à rua com eles, para saber como era. Essas coisas na profissão são muito bonitas.”
Em 1988, voltou no tempo e viveu em um Brasil tomado pelo caos, pré-Proclamação da República. Na minissérie 'Abolição', de Wilson Aguiar Filho, Edwin interpretou o caricaturista Ângelo Agostini, um abolicionista convicto.
'Abolição': Cena em que o caricaturista Angelo Agostini (Edwin Luisi) recebe Lucas (Luiz Antonio Pillar) e convida-o para trabalhar no jornal.
Outro trabalho que mexeu muito com o ator foi o sensível Aurélio, na minissérie 'O Portador' (1991). A trama de José Antônio de Souza abordou, com delicadeza e otimismo, as dificuldades enfrentadas pelos portadores do HIV. Nesta história, Aurélio era um homem correto e distinto, homossexual que tinha um namorado, portador do vírus, em fase terminal.
“Na época, se falava sobre Aids, mas ninguém sabia direito o que era. Era um tabu e mexia com a sociedade, uma história muito bem engendrada. Houve um acidente de avião onde muita gente morria, outras sobreviviam e tinham que receber transfusão de sangue. Uma das pessoas desenvolvia o HIV, e aí se fez uma pesquisa para saber de quem era o sangue infectado. No caso, era o meu personagem.”
A partir da década de 1990, entre idas e vindas da Globo, Edwin participou de outros trabalhos, como 'Mulheres de Areia' (1993), 'Por Amor' (1997), 'Suave Veneno' (1999), 'Uga Uga' (2000); nas minisséries 'A Muralha', 'O Quinto dos Infernos' (2002), 'Mad Maria' (2005).
Em 'Mad Maria', de Benedito Ruy Barbosa, Edwin viveu Mackenzie, um dos diretores do Sindicato Farquhar e representava os interesses do empresário Farquhar (Tony Ramos), que investiu na construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no norte do Brasil. “É uma história verídica, interessantíssima. Teve uma cena que eu me orgulho muito, de um discurso de duas páginas que eu fiz em uma tomada só. Para um ator, isso tem um significado muito grande, é você ser um bom profissional, dominar o seu ofício; para mim, foi um ponto de honra.”
'Mad Maria': Cena em que o americano Percival Farquhar (Tony Ramos) conversa com Mackenzie (Edwin Luisi) sobre seus interesses.
Em 2013, Edwin interpretou o cabelereiro Tio Lili, na novela 'Sangue Bom'. Um papel que o ator considerou hilário e “muito gostoso de fazer”. “Com o Lili, eu tentei fugir do estereótipo do gay cabeleireiro em novela ou programa de humor onde o gay é muito afetado. Inventei uns bordões e me deu muita alegria de fazer”. Na trama, Tio Lili ficou conhecido por comentários como “vou recolher minha cauda”, quando por ventura o personagem se retirava de alguma situação.
Outros trabalhos
Em 1984, Edwin saiu da Globo para trabalhar na TV Manchete. Na emissora concorrente, atuou em 'Marquesa de Santos' (1984), 'Tudo em Cima' (1985), 'Dona Beija' (1986) e 'Tudo ou Nada' (1987). Fez ainda, nos anos 1990 e 2000, trabalhos no SBT e Record. Pela TPA – emissora portuguesa – Edwin enfrentou o desafio de participar da primeira telenovela angolana, 'Minha Terra, Minha Mãe', em 2009, logo após a guerra civil naquele país.
O ator também trabalhou em longas-metragens, como 'Aleijadinho – Paixão, Glória e Suplício' (2003), 'Mauá – O Imperador e o Rei' (1999) e 'Sonhos de Menina Moça' (1987).
Trajetória no teatro
Edwin Luisi se define como um ator de teatro. Sua trajetória nos palcos é longa e perpassa a carreira na televisão: ele sempre se dividiu entre os dois ofícios, encaixando, de vez em quando o cinema. Haja fôlego!
Alguns dos trabalhos que o ator mais gosta de relembrar são: 'À Margem da Vida' (1976), 'Amadeus' (1982), 'Freud, no Distante País da Alma' (1984), dirigidas por Flávio Rangel; e as mais recentes 'Tango, Bolero e Chá, Chá, Chá' (2001), em que viveu um travesti que resolve voltar para a esposa, contracenando com Bibi Ferreira; e 'Triunfo Silencioso' (2005), dirigida por Bernardo Jablonski e Fabiana Valor.
Em 2007, foi vencedor do Prêmio Shell, na categoria Melhor Ator, por sua atuação na peça 'Eu Sou Minha Própria Mulher', dirigida por Herson Capri e Susana Garcia, em que o ator interpreta Charlotte von Mahlsdorf, e outros 23 personagens. Em 2015, voltou aos palcos com a comédia 'Barbaridade', peça que teve o argumento assinado por Luis Fernando Verissimo, Zuenir Ventura e Ziraldo.
FONTE:
Entrevista concedida por Edwin Luisi ao Memória Globo em 25/11/2013. |