Edna Palatnik começou a trabalhar na Globo na década de 1970, por pura ousadia: ofereceu-se para criar um acervo de textos e imagens para a emissora. A ideia foi aceita, e Edna foi pioneira na criação do que futuramente viria a ser o Acervo da Globo, uma área que, inicialmente, atendia ao jornalismo. Depois de uma breve temporada na TV Manchete, abandonou a televisão para criar sua própria livraria, que funcionou durante 11 anos como um ponto de encontro cultural da cidade do Rio de Janeiro, até que, em 1998, recebeu o convite para voltar à Globo. A partir de então, passou a dedicar-se à criação dramatúrgica. Como gerente de Acompanhamento de Conteúdo na DAA, era responsável pela avaliação e o acompanhamento de roteiros, dando suporte a autores para o melhor direcionamento das produções. Em 2021, tornou-se diretora de Criação de Conteúdo, com o desafio de fomentar a criação de conteúdo para todos os canais e plataformas da empresa.
Edna Palatnik é carioca e nasceu em 1949, filha de Amália Palatnik e Moysés Palatnik, ambos nordestinos de origem russa. Aos 15 anos, disse à equipe da cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro que queria trabalhar ali. Cumpriu a promessa: passou a frequentar diariamente a instituição, no Aterro do Flamengo, para organizar seus arquivos. A escolha por cursar História e Museologia, na Pontifícia Universidade Católica e no Museu Histórico Nacional, pareceu um caminho natural.
No início da década de 1970, trabalhava em um ateliê de restauro no Jardim Botânico e frequentava um restaurante onde vários profissionais da Globo almoçavam. Com coragem e uma dose de ousadia, procurou o principal executivo da emissora, Walter Clark, e acabou conseguindo propor a João Paiva Chaves, então diretor de relações públicas, a organização de um acervo de textos e imagens da empresa. Nem a patente militar do executivo intimidou a moça: “Estávamos em 1974, em plena ditadura, e eu pensava em como lidar com um coronel do Exército. Era uma coisa que não combinava muito. Mas quando o conheci, vi que ele era uma pessoa não só muito inteligente, como tinha uma visão muito interessante. E comprou a ideia”, relembra.
Edna montou uma equipe composta por bibliotecários e jornalistas pesquisadores de texto e imagem. “Foram três anos de preparação, de formação da equipe, de juntar material de comunicação para fazer face aos assuntos institucionais, guardar documentos que poderiam ser interessantes pra TV Globo e microfilmar”, explica. Embora já existisse o videoteipe, o recurso era priorizado para as novelas. O jornalismo, área que mais se serviria do trabalho, funcionava com filmes Ektachrome, sem negativos. A solução encontrada para viabilizar a criação de um acervo foi resgatar os cortes dos filmes exibidos no ar, para que fossem colados e reconstituídos em moviolas. Além das questões técnicas, era preciso criar critérios de seleção para o que merecia ser arquivado. Esse time de profissionais cresceu, e a área acabou por se tornar o Cedoc, o Centro de Documentação da TV Globo, criado em 1976 – e que, posteriormente, passou a se chamar Acervo Globo.
Construindo pontes entre passado e futuro
Para organizar o acervo de mais de dez anos de história da emissora, fundada em 1965, e sua grande produção diária de textos e imagens, Edna Palatnik decidiu constituir um sistema único e integrado, Construiu um thesaurus, dicionário de palavras-chave controladas que funcionava como o Google de então. Enquanto as tecnologias de registro de som e imagens se desenvolviam, fazendo com que a área incorporasse material em película e U-matic (fita de vídeo), um grande trabalho de inteligência arquivística garantia que novos conteúdos fossem abarcados por esse thesaurus, de modo a facilitar a pesquisa não só do jornalismo da Globo mas também de algumas áreas da produção. “A gente tinha plantão de 24 horas para não deixar o jornalismo desatendido”, recorda. Esse trabalho de organização permitiu que gerações de profissionais pudessem ter insumos para produzir matérias e programas. “Sempre fui uma pessoa fascinada pelo passado, não do ponto de vista de nenhuma nostalgia, mas naquele da preservação da constituição de um grande acervo que retratasse a história do Brasil a partir da criação da Globo, da importância de olhar o passado para constituir o presente e o futuro”, explica. Um museu de imagens e informações.
Em 1977, a área conseguiu um computador, grande novidade que permitiu avanços no processo de cadastramento. A microfilmagem também se mostrou uma técnica eficiente na época, já que possibilitava a conservação de roteiros originais que seriam muito úteis no futuro, como material de consulta para autores e pesquisadores, possibilidades para fazer remakes, uma memória da Globo. “A gente serviu de modelo para o CPDOC da FGV (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas). Eles também tinham um arquivo, mas não usavam ainda os métodos modernos que a gente já estava começando a empregar. O Jornal do Brasil pediu licença à direção para visitar a gente. O Globo, que mantinha um arquivo maravilhoso dos seus jornais, também veio ver o aperfeiçoamento, a utilização de microfilme”, diz.
Já como gerente do Cedoc, Edna Palatnik também esteve à frente da criação de um boletim informativo, uma newsletter, em 1978. O veículo tinha como objetivo divulgar notícias que poderiam ser de interesse de áreas-chave da empresa, oferecendo insumos para tomada de decisão em vários setores com tudo que acontecia no mundo da TV e do audiovisual.
Seis anos depois, Edna tornou-se diretora na Divisão de Comunicação, mantendo o Cedoc sob sua coordenação. Mas passou pouco tempo na nova função, pois foi trabalhar com Dias Gomes, na Casa de Criação. O espaço, dedicado à troca de conhecimentos e produção conjunta de dramaturgia reuniu autores como Ferreira Gullar, Aguinaldo Silva, Marcílio Moraes, Euclydes Marinho. Décadas mais tarde, a experiência serviria de inspiração para a criação da Casa dos Roteiristas, em 2017.
Novas Experiências
Em 1985, Edna Palatnik vai para a recém-inaugurada Manchete. Na emissora, criou um departamento de Comunicação e um boletim regular – fortemente ilustrado, aproveitando o grande parque gráfico da empresa – para ser distribuído à imprensa. A área também produzia vinhetas, anúncios e aberturas de novelas. A experiência durou pouco. Três anos mais tarde, preferiu deixar a televisão para realizar um sonho: abrir sua própria livraria, a Bookmakers, na Gávea. O espaço marcou a cena cultural carioca da época. “Comecei a vender CDs também, só importados, jazz e música clássica. Resolvi fazer exposições, de fotografia principalmente, apresentações musicais e performances. Só que não pensei na coisa comercial, fiz meu parque de diversão. Então, depois de 11 anos, relutei muito, mas tive que abrir mão desse meu sonho. A Internet surgiu com força, a Amazon fornecia livros importados para quem quisesse. Uma livraria-boutique não resistiria a tais gigantes. Foram anos maravilhosos, até que a Marluce Dias [diretora-geral da Globo, à época] me chamou para voltar, em 1998”, conta.
Na dramaturgia
Edna Palatnik voltou à Globo para trabalhar no então Projac (atual Estúdios Globo), apoiando a criação dramatúrgica. Um de seus principais objetivos foi organizar um catálogo de obras e de personagens. Sua equipe lia livros e projetos que chegavam de roteiristas, da emissora ou de fora, e assistia a filmes com a intenção de constituir um acervo de variadas histórias que funcionasse como um repositório e manancial de imaginação para os autores: “A gente pegava um personagem atual e ia buscar a gênese dele, ou as semelhanças com determinado personagem. Coraline, do Neil Gaiman. Qual é o arquétipo dela? Ela representava a Alice, do Lewis Carroll”, explica.
O reconhecimento do trabalho e, sobretudo, da sensibilidade artística de Edna fez com que se aproximasse de autores e diretores e participasse de projetos importantes. Como exemplo, desenvolveu uma bela parceria com o diretor Luiz Fernando Carvalho, com quem trabalhou em 'Hoje É Dia de Maria' (2005), 'A Pedra do Reino' (2007), 'Capitu' (2008) e 'Dois Irmãos' (2017) além da interlocução com Gloria Perez, Walcyr Carrasco e tantos outros.
Em 2013, a Divisão de Desenvolvimento e Acompanhamento Artístico (DAA) foi reformulada, e a atuação de Edna ganhou um novo impulso. Como gerente de Desenvolvimento de Conteúdo de Dramaturgia, passou a realizar pareceres sobre as obras, avaliando ideias trazidas pelos autores, sugerindo possibilidades, como a escolha de formatos – não apenas para a televisão. Com a expansão de novas formas de consumo de conteúdo, um dos objetivos da área de dramaturgia da Globo passou a ser criar um cardápio de atrações, que pudessem ser exibidas em outras plataformas, e ir em busca de jovens talentos para serem formados pela casa. Além de participar desse processo, trabalhando com novos autores para auxiliar no desenvolvimento de suas obras, Edna acompanhava a produção dos primeiros blocos de roteiros, até que a obra entrasse em produção. “Quando caiu no meu colo 'Aruanas' (2019), por exemplo, que era série, eu olhei e disse: ‘Temos que fazer. Vou transformar numa minissérie e vou fazer porque a gente precisa ser sacudido, para entender o que está acontecendo nesse momento no planeta, essa devastação”, afirma. 'Aruanas' é um dos exemplos de produção exibida primeiro no Globoplay. O mesmo aconteceu com 'Desalma', que inaugurou o gênero sobrenatural também na Globoplay.
A partir de 2018, a Globo iniciou um processo que culminaria, em 2020, com a unificação de Globo, Globosat, Globoplay, Globo.com, DGcorp – área corporativa do grupo – e Som Livre em uma só empresa, mais ágil e eficiente. Com isso, a área de entretenimento passou por transformações. A DAA foi extinta e suas atribuições foram redistribuídas. Naquele ano, Edna Palatnik tornou-se diretora de Criação de Conteúdo, liderando um centro de inteligência que busca fomentar a criação de conteúdo para todos os canais e plataformas da empresa.
Edna Palatnik deixou a emissora em abril de 2021.
FONTES:
Depoimento concedido ao Memória Globo por Edna Palatnik em 05/08/2019; “Globo divulga nova estrutura do Entretenimento” in Telepadi, Uol, 27/11/2020”. |