Antes de seguir o caminho de atriz, Christiane pensou em diversas profissões, até mesmo Oceanografia. Acabou fazendo vestibular para Sociologia, mas nunca concluiu. “Nesse período mamãe disse que talvez fosse bom eu conversar com um grande amigo dela, que era o Walter Avancini, e foi um divisor de águas na minha vida”. A tal conversa foi no final de 1975 e o Avancini convidou Christiane para fazer o Indulto de Natal, que marca sua estreia na Globo. “Ali achei que jamais seria uma atriz. O Walter tinha uma pegada tirânica, ele era duro, fiquei com tanto medo que mal conseguia falar”, relembra a atriz, que tinha feito sua estreia na televisão em 1969, no Teatrinho Trol na TV Tupi.
“Nós somos ilusionistas. A gente dá a carnalidade e palpabilidade àquilo que não é”.
Nascida em 18 de fevereiro de 1957, Christiane Torloni tem uma veia artística. Ela é filha de Geraldo Matheus e Monah Delacy, fundadores do Teatro de Arena, e tem como padrinhos a atriz Cacilda Becker e Alfredo Mesquita, fundador da Escola de Arte Dramática (EAD) da Universidade de São Paulo (USP). Para a atriz, ser filho de artistas é uma benção. “Tive acesso ao belo antes de nascer. A mamãe atuou grávida até uns sete ou oito meses. As minhas primeiras babás eram as camareiras. Então, o teatro para mim é o meu primeiro playground porque é o meu lugar natural até de reflexão. Lá fui amamentada, ninada, influenciada e inspirada”, comenta.
As primeiras novelas
Em 1976, Christiane estreia em novelas, vivendo a Juliana de Duas Vidas. “Eu era literalmente virgem em tudo. O Stepan (Nercessian) tinha que me abraçar, dar um beijo e eu ficava parada feito uma porta, assustada. A arte veio com tudo. Amor, sexo, novela, teatro. Foi bonito”, relembra Christiane, que conheceu nesse período o seu primeiro marido e pai de seus dois filhos, Dennis Carvalho. Em 1997, vive a Lívia em Sem Lenço, Sem Documento.
A primeira protagonista foi interpretada, em 1978, na novela Gina. “Foi muito difícil. O Herval (Rossano) era bravo, mas a televisão é incrível porque você aprende fazendo. Não tive curso melhor de formação artística do que a minha experiência na TV Globo e depois na Manchete, que também foi impressionante, você tem que aprender a fazer tudo. O trabalho numa novela e, principalmente, se você é uma protagonista, exige que você tenha muito preparo físico”, pontua Christiane.
Depois de Gina, a atriz fez uma interrupção para ter mais tempo para si e também porque queria ser mãe. Neste período, começou a fazer teatro. Sua primeira obra no profissional foi As Preciosas Ridículas do Molière, dirigida por Marília Pêra. Ao longo de sua carreira, subiu outras tantas vezes ao palco, em peças como Tio Vania (1984), O Lobo de Ray-Ban (1989), Salomé (1997), Joana D’Arc (2001), Mulheres por um Fio (2005), entre outras.
Baila Comigo
Em 1981, atuou em Baila Comigo, sua primeira parceria com Manoel Carlos. Era o começo da abertura política do país e Christiane acompanhava de perto as manifestações. “O Paulinho (Ubiratan) ficava louco comigo. Entrei em cena várias vezes de cara lavada porque não dava tempo nem de maquiar”.
No ano seguinte, fez Elas por Elas, que marca seu encontro com o Reginaldo Faria e sua entrada para o cinema. Na década de 1980, Christiane atuou em mais de 10 longas-metragens, como Eros, o Deus do Amor (1981), O Bom Burguês (1983) , Rio Babilônia (1982) e Besame Mucho (1987). O Beijo no Asfalto (1981) foi meu encontro com Nelson Rodrigues, que é inesquecível. Ele morreu na véspera do filme estrear, mas ele costumava ir no set de filmagem. Fiz um papel que tinha sido estreado pela Fernanda Montenegro, a Selminha”.
A Gata Comeu
A atriz considera a novela A Gata Comeu (1985) um reencontro com a televisão. “Foi como se eu refizesse os votos”. Seu par romântico era Nuno Leal Maia, com quem vivia, em cena, entre tapas e beijos. Foi também seu primeiro encontro com Ivani Ribeiro, numa comédia em que ela era uma anti-heroína. “É um formato diferente do seu, tem que ter um desapego da sua pessoa. Então, essa grande humanidade do ator é que vai fazer você chegar lá e ser vilã ou mocinha. Foi um trabalho magnífico”.
A Fernanda de Selva de Pedra (1986), Christiane considera o início de interpretações de personagens com disfunções psíquicas. “Perdi mais de dez quilos porque tinha saído de A Gata Comeu, com uma personagem toda solar e aí fui para aquela criatura que tinha uma trinca interna. Depois teve também a Haydée de América (2005), que era uma personagem cleptomaníaca. Por isso, comecei a fazer terapia cedo na vida. Não só para olhar as minhas próprias trincas”, diz Christiane, que no começo dos anos 1990 fez o filme “Bispo do Rosário”. Ela passou três meses na Colônia Juliano Moreira convivendo com os internos: “Aí sim você testa a sua lucidez”.
TV Manchete
De 1987 a 1990, a atriz teve uma passagem pela TV Manchete, emissora que seu pai ajudou a criar ao lado de Adolfo Bloch, com que já tinha trabalhado na Fundação de Teatro do Rio de Janeiro, a Funterj. “É interessante esses homens que têm grandes sonhos a partir dos 60 anos. O Roberto Marinho sonhou a TV Globo aos 60 anos, incrível! E o seu Adolfo também. Quando ele pensou em fazer o canal, o papai foi ajudar a montar os estúdios nos galpões onde ficavam os papéis da editora Bloch”.
Na emissora de Bloch, Torloni atuou em Kananga do Japão, novela de Wilson Aguiar Filho, dirigida por Tizuka Yamasaki e Carlos Magalhães. A história se passava em um salão de dança, nos anos 1930. “É quando conheço Carlinhos de Jesus, que virou um parceiro de vida, e tenho o meu encontro definitivo com os tangos e boleros, que vão se repetir depois na Dança dos Famosos no Faustão.”
De volta à Globo
No início da década de 1990, já de volta à Globo, Christiane Torloni sofreu a grande tragédia de sua vida, que foi a morte de um dos seus filhos gêmeos, Guilherme, num acidente com o carro dela. A dor da perda levou a atriz a sair do Brasil e viver três anos em Portugal com seu outro filho, Leonardo. “Aí tem uma tsunami na minha vida. Como a gente mexe com isso que é tão delicado? Logo em seguida ao acidente, eu entendo que tenho que parar tudo porque é como se fosse um vitral que está todo estilhaçado, que a qualquer movimento vai desmontar. E é o coração da atriz também, pois vem do mesmo lugar, não são personas separadas”.
Nesse período, a Globo começou uma parceria com a televisão portuguesa (SIC) e Christiane voltou, aos poucos, ao trabalho. Ela apresentou um programa de cinema. Assistia filmes em casa, via os comentários e fazia resenhas. “Como essa nova televisão estava começando a produzir aquilo que seriam seriados, eu fazia o coaching com atores, pensando em dirigir. Sempre achei que os atores são tão miseravelmente frágeis, eles se entregam tanto, que o diretor precisa ser um agente de confiança. Ele é a rede na qual o ator se joga sem medo para poder se expor. Só que eu achava que me faltava não só a paciência, como compaixão para dirigir porque você tem que ter muita paciência e saber perdoar também”.
Sua volta para o Brasil foi com a minissérie As Noivas de Copacabana, em 1992, mas para Christiane era cedo ainda. “A atriz estava desfigurada”. É a novela A Viagem que marca de fato o seu retorno, em 1994. “Essa novela me ensina uma coisa muito importante que, além do entretenimento e da diversão, o trabalho da gente é um consolo. Por isso, quando Daniel (Filho) me chama para fazer o Chico Xavier, aceitei ficar tão perto do olho do furacão de novo. Entendi, em A Viagem, que só o meu trabalho pode consolar, eu não tenho força pessoal para isso, mas quando eu estou no meu trabalho sou powerizada pela arte, que é sagrada, sou útil”.
Um outro desafio profissional para Christiane foi interpretar a estilista Rafaela de Torre de Babel (1998), par romântico com Silvia Pfeifer, que vivia a Leila. A atriz relembra o preconceito que elas sofreram com o casal de lésbicas. “Você mexer com homossexualidade masculina é uma coisa porque os personagens vêm com alguma afetação, e de algum jeito isso é uma farsa, isso não está imitando a vida. Agora, mexer na mulher é muito complicado. Porque você mexe com a mãe e a mãe é uma instituição no Brasil”.
Mulheres Apaixonadas
Na sequência, fez a sexta Helena do Manoel Carlos, em Mulheres Apaixonadas. Na novela, eram três irmãs vividas por Christiane, Maria Padilha e Giulia Gam. “Ser uma Helena é um prêmio porque o Maneco fica vendo você ao longo do tempo, fica te esperando. A ideia é que a gente vai melhorando, se expondo para as emoções, se expondo para os personagens e ele está lá olhando. Foi incrível, ele me contou mais da minha carreira do que eu sabia em detalhes de avaliação mesmo”, analisa.
Outro trabalho marcante para a atriz foi a minissérie Amazônia: De Galvez a Chico Mendes (2007), de Gloria Perez, em que contracenava com Victor Fasano e Juca de Oliveira. As gravações foram no Acre. Os atores ficaram tão impressionados com tudo que viram, que encabeçaram uma campanha de preservação da Amazônia e fizeram um manifesto no mesmo dia do lançamento da minissérie. O Amazônia para Sempre teve mais de 1 milhão de assinaturas. “As gravações eram em Porto Alonso e no caminho até lá a gente via a terra devastada. As fichas foram caindo de uma maneira, que numa noite o Juca, o Victor e eu decidimos que a gente tinha que fazer alguma coisa. O que nós três estamos fazendo ali naquele momento era sermos espectadores de uma realidade que vai mudar a história do planeta Terra. A gente chorava tanto, era muita indignação”, lamenta.
Fina Estampa
Outro personagem marcante na carreira foi a Teresa Cristina de Fina Estampa. “Esses são aqueles personagens prêmio. Que você começa com intuição e aí a coisa vai indo. Era uma vilã com uma pegada de comédia. Aí é juntar coisas magníficas e desse combinado só podia dar samba”. Em Alto Astral (2014), ela deu vida à Maria Inês. Em 2016, a atriz viveu Iolanda em Velho Chico. Dois anos depois, ela interpretou Carmen, em O Tempo Não Para, uma mulher forte e decidida, que cria o filho sozinha e se envolve com um homem mais novo.
Christiane Torloni acredita que ser atriz é uma missão. “Acho que é de humanidade que o mundo está precisando, então se ainda me for dada a possibilidade de continuar sendo atriz, é para trazer mais humanidade num universo que está hiper tecnológico, hiper reality e, na verdade, a gente precisa ser aquilo que a gente era há 2000 anos atrás, porque isso tem uma função”, sintetiza.
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