Para o jovem que estudava Comunicação Social interessado em publicidade, uma carreira tão vitoriosa no jornalismo poderia parecer impensável. O encontro de Chico Otavio com a profissão foi um amor de carnaval que deu certo: enquanto ainda estagiava em um pequeno jornal do Rio de Janeiro, foi convidado a engrossar a cobertura do evento, na falta de repórteres. Logo passou a trabalhar para a sucursal do Estado de S. Paulo na cidade e, depois, para o Globo, em 1997. Desde então, destacou-se como jornalista investigativo e recebeu diversos reconhecimentos. Apenas o Esso, mais importante premiação da imprensa brasileira, ganhou sete vezes – a primeira delas, em 1999, por uma reportagem que ajudou a elucidar o atentado cometido pelos militares ao Riocentro em 1981. Seu trabalho de investigaçao e apuração extrapolou as páginas do jornal e, além da atuação como professor universitário, é autor de livros importantes, como Os Porões da Contravenção (2015), que conta os bastidores do Jogo do Bicho.
Início da carreira
Carioca, Francisco Otavio Archila da Costa nasceu no dia 20 de março de 1962, filho do advogado Hélio de Ferreira da Costa e da dona de casa Hilda Archila da Costa. Formado em Jornalismo pelo Centro Unificado Profissional, em 1984, com pós-graduação em Políticas Públicas e Governo, ele não imaginava que seria um dos grandes vencedores do Prêmio Esso, ao iniciar sua trajetória em um jornal de bairro chamado Bom Dia, que circulava em bairros da zona Oeste da cidade.
Na verdade, ele nem queria ser jornalista; começou, na publicação, fazendo montagem de anúncios para o comércio local. Mas um carnaval mudou sua vida. A equipe de repórteres estava incompleta para visitar os bailes locais, e Chico Otavio foi convidado a participar da cobertura. Foi na prática que descobriu sua vocação; um amor de carnaval que durou para sempre. Do pequeno Bom Dia, o jornalista foi para o jornal Última Hora, ainda como estagiário. Contratado logo após a formatura, fez matérias sobre cidade, polícia, esporte e a área sindical.
Enquanto era repórter da Última Hora, Chico Otavio passou a colaborar como freelancer para o Estado de S. Paulo. Em 1990, foi contratado pela sucursal do Rio de Janeiro e, durante seis anos, dedicou-se a cobrir os acontecimentos mais importantes da cidade, como operações da polícia no Morro dos Macacos, o escândalo dos precatórios e a conferência Rio 92, que reuniu na cidade líderes mundiais para discutir como promover um desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável.
EM O GLOBO: CONSOLIDAÇÃO COMO JORNALISTA INVESTIGATIVO
Próximo de repórteres de O Globo, que conheceu no dia a dia de trabalho, Chico Otavio acabou convidado pelo editor César Seabra, em 1997, a integrar a equipe do jornal. Chegou inseguro, mas logo firmou-se com uma reportagem de fôlego sobre fraudadores da previdência, que mereceu o 1º Prêmio Previdência Social de Jornalismo. Este foi o primeiro de muitos reconhecimentos que receberia ao longo do tempo. O primeiro Prêmio Esso de Reportagem, dividido com Ascânio Seleme e Amaury Ribeiro Jr., veio dois anos depois, com uma série de matérias sobre o atentado do Riocentro, que ocorrera em 1981. As reportagens contribuíram para a elucidação do caso.
Questões ligadas ao regime militar permearam a carreira de Chico Otavio. Em 2012, ele e a jornalista Juliana Dal Piva decidiram procurar todas as pessoas citadas por presos políticos como torturadores da Casa da Morte de Petrópolis, cidade da região serrana do Estado do Rio. Um desses torturadores, o coronel Paulo Malhães, contou em detalhes as atrocidades cometidas no local, o que incluía assassinatos realizados a mando do regime. O depoimento ganhou a manchete do jornal e levou o coronel à Comissão Nacional da Verdade, que buscou esclarecer os crimes ocorridos durante a ditadura. “A ditadura militar fraudou índice inflacionário, escondeu uma crise de febre amarela, fez tudo isso. A gente, hoje, tem condições de recontar essas histórias todas acrescentando dados que oferecem à sociedade um motivo sério para pensar duas vezes antes de pedir a volta da ditadura”, pontua.
Foram muitos os temas sobre os quais Chico Otavio se debruçou – e muitas histórias que ajudou a desvendar. O enriquecimento ilícito de deputados estaduais, retratado em Os homens de bens, rendeu a ele o Prêmio Esso de Jornalismo de 2004. Pouco tempo depois, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, apareceria de novo nas páginas do jornal, em uma denúncia que apresentava provas de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. Na Amazônia, região que passou a visitar desde 1997, quando foi fazer uma matéria a respeito do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), revelou fatos sobre a extração ilegal de madeira e o garimpo predatório.
O trabalho de Chico Otavio, em todas essas coberturas, é baseado em cuidadosa investigação. Para conseguir informações exclusivas e que geram, com frequência, repercussão e consequências, ele destaca o cuidadoso cultivo de suas fontes. “O mais importante para mim foi construir uma relação de confiança com as fontes, que são o maior patrimônio do repórter”, afirma o jornalista, que, ao longo da carreira, ganhou sete vezes o Esso – principal prêmio da imprensa brasileira.
OUTRAS HISTÓRIAS
Embora tenha se destacado como jornalista investigativo, histórias mais amenas também trouxeram ao jornalista prazer e satisfação profissional. Em encontros com Oscar Niemeyer, por ocasião de seu centenário, comemorado em 2007, pôde ouvir e reproduzir casos saborosos da incrível vida do arquiteto. Em um deles, Niemeyer, que tinha medo de avião, foi até a Argélia de carro para projetar uma universidade. Ele viajou até a Itália de navio, alugou um automóvel em Milão sem dizer para onde ia, dirigiu até a fronteira, atravessou para a África de ferry-boat e jamais devolveu o carro. Chico Otavio fez também uma reportagem sobre a vida pública de Jesus Cristo, uma pauta improvável, que gerou interesse de outras publicações e acabou comercializada pela Agência Globo para 14 jornais.Nas coberturas políticas, cobriu as campanhas presidenciais de José Serra, em 2002; Geraldo Alckmin, em 2006; e Dilma Rousseff, em 2010. Para escrever um perfil daquela que se tornaria a primeira presidente mulher do Brasil, foi em busca de referências de sua adolescência em Minas Gerais, em particular do Colégio Estadual Central, que marcou sua formação. Para isso, assistiu a aulas e a uma reunião de professores, esteve no recreio, nas quadras esportivas e foi ao teatro, procurando se impregnar do ambiente em que Dilma viveu.
Quando a imbricação entre política, corrupção e judiciário ganhou grande notoriedade, com a operação Lava Jato, a participação do jornalista foi quase natural. Ele mergulhou no assunto, ajudando a desvendar o esquema de propinas do ex-governador Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro. Também contribuiu para o esclarecimento dos crimes cometidos pelo ex-deputado Eduardo Cunha, que já o havia processado algumas vezes devido a investigações feitas pelo jornalista – algo que jamais o intimidou. “Quando um cara como o Eduardo Cunha te processa, ele não quer receber uma indenização porque o que eu escrevi trouxe um dano moral pra ele. O que ele quer é dizer: ‘Desista, eu vou te dar tanto trabalho, vou te intimar em casa nos finais de semana para todo mundo ver… Não é melhor você desistir de mim?’”, reflete.
Em 2002, para defender os profissionais de ameaças e perseguições, após a morte do jornalista Tim Lopes, ajudou a criar a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), onde realiza palestras e compartilha sua ampla experiência profissional. “A melhor coisa da Abraji, para mim, é essa solidariedade que ela estabeleceu entre os colegas, no sentido de trocar informações, trocar métodos, interagir e oferecer uma certa proteção para a prerrogativa profissional”, conta.
O jornalista também se tornou professor de Jornalismo, primeiro na extinta UniverCidade e depois na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e escreveu livros importantes, onde pôde aprofundar um pouco dos temas aos quais se dedicou em anos de investigação. Foi o que aconteceu com Os Porões da Contravenção (2015), onde, em conjunto com Aloy Jupiara, contou a história da cooptação de agentes da repressão por banqueiros do Jogo do Bicho; Você Foi Enganado (2018), uma compilação de mentiras contadas por ex-presidentes brasileiros, desde 1920, escrito com Cristina Tardáguila; e Mataram Marielle (2020), com Vera Araújo, sobre o submundo do crime no Rio de Janeiro e o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco. Juntos, os dois jornalistas foram a fundo nos bastidores do episódio, com vários furos de reportagem.
Com a integração das redações dos jornais do Grupo Globo, em 2017, Chico Otavio passou a fazer parte de um núcleo de repórteres especiais que produzem matérias de maior fôlego para diversas editorias. Sobre o jornalismo digital, afirma:
“Quero uma plataforma para mostrar o meu trabalho. As pessoas até brincam comigo, mas eu insisto nesse ponto: lugar do repórter é na rua. Tem uma coisa que não vai morrer jamais, que é essa interação com a fonte, esse contato pessoal. Nenhum Bill Gates vai inventar algo que substitua isso. Essa é a minha grande aposta”.
FONTES
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Chico Otavio em 25/04/2005 e 26/09/2017. |