Por Memória Globo

Renato Velasco/Memoria Globo

Carlos Alfredo Jardim, ou apenas Jardim, parece que estar ligado 24 horas por dia em notícias – igual à GloboNews, canal em que ele exerce a função de chefe de redação atualmente. Apaixonado pelo chamado factual (jargão para o tipo de jornalismo que cobre as informações da última hora), Jardim até tentou a sorte por caminhos menos agitados – teve oportunidade de trabalhar em editoria de cultura e em programas televisivos mais tranquilos –, mas sempre volta para a sua principal paixão: o jornalismo de atualidades, com toda a sua urgência de colocar no ar a última notícia, sem descuidar da qualidade. Ele passou pela editoria Rio, onde coordenou as coberturas fluminenses para os telejornais nacionais da Globo, mas foi na GloboNews, onde atualmente exerce o cargo de chefe de redação, que melhor pôde exercitar o seu fôlego para aguentar coberturas imensas e transmissões ao vivo ininterruptas. “A grande força do jornalismo é o ao vivo e muito ao vivo. É a gente estar ali”.

A gente faz jornalismo todo dia, mas existe aquele dia em que você sabe que está fazendo história.

Carlos Jardim, 2016. — Foto: Renato Velasco/Memoria Globo

Início da carreira

Como o próprio Jardim diz, ele nasceu na “antiga e saudosa Guanabara”, estado brasileiro que englobou a cidade do Rio de Janeiro de 1960 a 1975. Filho da dona de casa Roza Cardoso Jardim e do técnico de laboratório Cid Jardim. Formou-se em jornalismo em 1984, passou pela extinta editora Bloch, trabalhou na antiga TVE (atual TV Brasil), conciliava com O Globo, primeiro nos jornais de bairro (onde conheceu Fátima Bernardes, com quem iria trabalhar anos depois), e depois no Segundo Caderno, e chegou à Globo para cobrir uma licença médica, em 1997. Diretamente no Fantástico, e logo com uma matéria de Eduardo Faustini, repórter investigativo de maior prestígio do programa. Um desafio que o instigou desde o primeiro instante.

Após uma volta rápida para a TVE, ele foi convidado para um projeto de renovação do RJTV 1ª edição. “Era um jornal que começou a priorizar as entradas ao vivo e que tinha uma proposta de confrontar as autoridades com o anseio da população”. Era uma correria diária. “Eu me lembro de ter ficado do lado de fora, na rua, esperando o motoqueiro chegar com a mídia e sair correndo para entrar na ilha de edição. Parece coisa de filme, mas acontecia. Muitas vezes, meio-dia e dez eu estava correndo com o material para entrar ainda naquele jornal [que vai ao ar ao meio-dia]. É enlouquecedor, mas maravilhoso”.

Violência cotidiana

Logo, Jardim foi deslocado para as coberturas do Rio no Jornal Nacional. A violência na cidade era um dos assuntos mais constantes. Em 2002, no meio de uma onda de ataques criminosos, a sede da prefeitura carioca chegou a ser alvejada por tiros. No mesmo ano, o jornalista da Globo Tim Lopes – com quem Jardim dividiu um prêmio Esso de Jornalismo – foi assassinado por traficantes, enquanto produzia uma reportagem. Ainda em 2002, houve uma rebelião no presídio Bangu 1, que despertava memórias do massacre no Carandiru, em 1992, São Paulo. “Foi uma cobertura tensa. Você não está lá dentro, tem que confiar em fontes que te passam as informações do que está acontecendo ali. Existe um bastidor de governo sobre qual atitude vai ser tomada”, destaca.

O Alemão e o Emmy

Em 2006, Jardim se tornou coordenador de edição e produção do Rio para os telejornais de rede. Com o Pan de 2007, e o anúncio, em 2009, que a Olimpíada de 2016 aconteceria no Rio, o enfrentamento à violência mudou um pouco de estratégia. Começava a era das Unidades de Polícia Pacificadora. Um dos pontos mais marcantes desse período foi a entrada das forças policiais no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, em novembro 2010. Jardim ficou responsável por preparar as reportagens que seriam exibidas na Globo.

“A [repórter] Bette Lucchese fez a primeira transmissão ao vivo de lá do alto do morro mostrando: ‘Estamos aqui, conseguimos, chegamos’. Nós estávamos também ocupando uma área que, para nós aqui da Globo, é muito emblemática porque era na mesma região onde nós tínhamos perdido Tim Lopes”.

O trabalho foi pesado com uma equipe imensa se revezando para dar conta da transmissão. Mas o resultado foi positivo. Em 2011, o Jornal Nacional conquistou o Prêmio Emmy Internacional pela cobertura destas operações policiais. “Quando o cara abriu o envelope e falou: ‘Jornal Nacional’, nós começamos a nos abraçar, pular, gritar, aquela coisa de brasileiro. Depois subimos ao palco, Bonner fez um discurso em inglês e saímos todos. Eu, com as pernas bambas, comecei a chorar, por ver o trabalho de tantas pessoas reconhecido mundialmente”.

Ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão (2010)

Ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão (2010)

Chuvas crônicas

Outra das antigas tragédias cariocas que não se resolvem, governo após governo, é a causada pelas enchentes. Caso exemplar é o deslizamento do Morro do Bumba, no dia 7 de abril de 2010. Outra vez, Jardim estava no caso. Escutaram na redação sobre um desabamento em Niterói, Região Metropolitana do Rio, como é comum no período de chuvas.

Para averiguar, um repórter foi enviado ao lugar, sem saber qualquer detalhe sobre o que acontecia. Quando ele chegou lá, teve certeza do tamanho da tragédia. Um morro inteiro tinha deslizado, levando 50 casas junto. Era o início de nova correria para transmitir ao vivo, enviar equipes de jornalismo, produzir a logística para “ancorar” os telejornais diretamente do local, e todos os procedimentos para manter os espectadores informados.

Quando você manda um apresentador do jornal para um local onde o fato aconteceu, é como se você tivesse deslocando o centro da atenção, você mostra o peso que aquele fato tem, é simbólico. E isso também aproxima a gente do acontecimento e faz com que o jornal fique mais quente.

O mesmo caso, só que em proporções ainda maiores, aconteceu com a tragédia da Região Serrana Fluminense em janeiro de 2011. Os números são inacreditáveis: mais de 900 pessoas morreram com os deslizamentos. “Muita gente considera a maior tragédia natural que tivemos no país”. Nesses casos mais graves, acontece um fenômeno interessante, explica Jardim. Os jornalistas da redação trabalham sem parar, como se não existisse cansaço. “A gente faz jornalismo todo dia, mas existe aquele dia em que você sabe que está fazendo história”.

O segredo de Fátima

Na segunda metade de 2011, o diretor de Jornalismo e Esportes, Ali Kamel, chamou Jardim, pediu discrição e soltou a bomba: Fátima Bernardes iria sair do Jornal Nacional. Ali disse que Fátima estava com um projeto de um programa e que ela gostaria que Jardim fizesse parte. “Fiquei imensamente orgulhoso”. Um pequeno grupo começou a se reunir na casa dela. Começaram a surgir boatos, mas eles conseguiram guardar o segredo. Ao fim de 2011, Fátima anunciou sua saída do jornal. Em 2012, o grupo começou a preparar o Encontro com Fátima Bernardes.

“Fátima tinha um esboço, um projeto que era uma carta de intenções, e apenas duas certezas: tinha que ser ao vivo e tinha que ter plateia”, diz ele. A proposta era tentar uma linguagem diferente dos demais programas da época, mas o Encontro só começou a criar sua própria linguagem quando estreou. Com o tempo, o jornalismo do programa foi se diluindo, e o Encontro foi ficando com um perfil mais de entretenimento. Era o momento de voltar para o hardnews.

Jornalismo 24 horas

Em agosto de 2013, Jardim desembarcou na GloboNews, ainda na ressaca das grandes manifestações daquele ano, que tiveram seu ápice em junho, para ser o chefe de redação do canal. A diretora era Eugenia Moreyra. Angela Lindenberg, a outra chefe de redação, saiu pouco tempo depois. Desde então ele ficou sozinho no factual, com Marcia Monteiro como a chefe de redação da parte de programas.

De supetão, teve que encarar o desafio de retratar os protestos, com o mínimo de interferência possível. O receio maior era a reação hostil com os repórteres. Não era para menos. Pedro Vedova foi atingido por uma bala de borracha disparada pela polícia, apenas porque estava no meio dos manifestantes, ainda antes de Jardim chegar ao canal, e, depois, jogaram tinta vermelha em Júlio Molica. Em outro momento, Carolina Cimenti cobria uma manifestação em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo fluminense, quando a polícia começou a disparar bombas de gás lacrimogêneo. “Ela estava transmitindo na hora que isso aconteceu, e nós não interrompemos, ela continuou falando, tossindo, explicando o que era aquilo”. Essa urgência não deixou de ser pedagógica.

Sempre ao vivo

Nessa passagem pela GloboNews, Jardim ajudou também na mudança de um canal direcionado à produção de telejornais que repetiam as mesmas notícias de meia em meia hora para um formato de cobertura continuada, em que você vai atualizando a informação no ar mesmo, à medida que os jornalistas conseguem apurar mais detalhes, informando aos espectadores com o máximo de sinceridade possível, passível a erros e correções, e depois consolidando tudo numa reportagem.

A grande força do jornalismo é o ao vivo e muito ao vivo. É estar ali. E acho que a gente na GloboNews está conseguindo fazer isso com muita força e acredito que o crescimento da nossa audiência, da nossa repercussão, vem muito disso.

“Um grande ponto a favor da GloboNews é a nossa honestidade. A gente sempre deixa muito claro que são as informações que a gente tem até aquele momento, que a gente continua investigando, apurando”. Não há momento em que a GloboNews saia da história. “Você está full time no ar”.

Para conseguir essas transformações, Carlos Jardim apostou em ar algumas mudanças. A primeira foi uma adaptação tecnológica. Câmeras mais leves, equipes de externas mais enxutas, equipamentos como o LiveU, que faz transmissão ao vivo por internet. “O repórter entra ao vivo à uma da tarde, depois ele entra de novo no Estúdio i, a notícia já aumentou, é outra, você agregou alguma coisa, porque a notícia vai acontecendo. Depois, ele entra de novo na edição das quatro e depois também na edição das seis, se for o caso, a gente consolida uma reportagem para o Jornal das Dez”.

A segunda mudança foi no perfil do jornalista. Foi criado o Núcleo de reportagens especiais, antes mesmo de Jardim chegar no canal. Em vez de uma divisão estratificada entre cada um dos setores da TV, como cinegrafista, repórter, editor, produtor, em separado, um jornalista capaz de operar em todas as posições. “E aí saem, hoje, o repórter cinematográfico e o repórter sozinhos, às vezes de moto, às vezes de táxi, às vezes num carro alugado, o importante é chegar depressa, rapidamente, ao lugar onde a notícia está acontecendo. Porque o nosso principal capital é a rapidez, é a velocidade”.

Lava Jato, impeachment e posse

Nos últimos anos, o novo formato de cobertura foi colocado em prova com as pautas políticas. Com a votação do impeachment da presidente Dilma Roussef, por exemplo, o canal transmitiu a sessão ininterruptamente. A intenção é dar a visão do todo para o espectador, que pode ver vários ângulos da questão. “Não há uma transmissão seletiva, a gente mostra tudo, que é um compromisso nosso com a clareza. A imparcialidade é uma palavra bastante surrada e difícil, mas é o nosso compromisso com a verdade, com a honestidade de mostrar o que está acontecendo”.

As operações da Lava Jato sofrem com outras dificuldades. Primeiro, o volume dos documentos: como mostrar em primeira mão, e com cuidado para não trocar dados ou cometer erros, o conteúdo gigantesco de papéis oficiais que são emitidos somente no último momento? Depois, a surpresa das prisões. “Um dia você acorda e tem um ex-ministro sendo levado para cadeia. A Lava Jato não para de produzir notícias que assombram o país e a nós também, somos brasileiros, nós, jornalistas”.

O procedimento virou quase rotina: a GloboNews amanhece mostrando as operações, diretamente das casas e dos endereços de empresas, depois transmite as entrevistas coletivas ao vivo, depois entram os comentaristas falando do impacto de cada operação. “É uma mistura de polícia com política, com surpresa, com susto e é tudo novo, porque até então não tinha existido no Brasil nada dessa proporção, nada dessa magnitude”.

A condenação e prisão do ex-presidente Lula, que aconteceu no dia 7 de abril de 2018, foi outro momento de transmissão ininterrupta do canal a cabo: “A prisão de Lula também exigiu grande mobilização de nossas equipes, com muitas horas de transmissão ao vivo, até o ex-presidente se entregar e ser levado para a sede da Polícia Federal em Curitiba”.

A posse do presidente Jair Bolsonaro no dia primeiro janeiro de 2019 colocou apresentadores, repórteres, editores, produtores e comentaristas a postos para 18 horas de transmissão ao vivo desde as 6 horas da manhã. Carlos Jardim coordenou a equipe que a GloboNews mandou para Brasília, para essa grande transmissão.

Todo Carnaval tem seu início

Mas nem só de hardnews e política vive o cotidiano jornalístico de Jardim. Quando entrou na GloboNews, passou a pensar em uma nova forma de cobrir o carnaval no canal. Mudanças tecnológicas tornaram possível um projeto: transmitir ao vivo o carnaval de rua no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e Olinda, Brasília. Com câmeras leves e transmissão de sinal via internet, repórteres e cinegrafistas saíram às ruas a partir de 2015, um sucesso de audiência.

Todo mundo sabia que ia ver coberturas de política e economia consistentes e, de repente, a GloboNews se veste, bota uma fantasia e faz carnaval. Isso mostrou uma versatilidade do canal e dos nossos repórteres, das nossas equipes, e contagiou a redação.

Pode ser carnaval, Lava Jato ou morro do Alemão. Se houver notícia, é certeza que Carlos Jardim estará cobrindo.

Fontes

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