Por Memória Globo

Arte/Memória Globo

Berta Loran faz humor há mais de sete décadas. E calcula que tenha dado vida a mais de 2.000 tipos, somando televisão e teatro. Desde o início da carreira, ela tem a percepção que o humor é um dom: ou o artista tem, ou não tem. Nasce com isso e, para seguir em frente, precisa saber medir o tempo da fala. E, principalmente, nunca rir durante uma piada, porque “perde a graça”. A atriz costuma dizer que “humor é tudo na vida”. Quando ela entrou para a Globo, em 1966, para integrar o elenco do programa Bairro Feliz, de Max Nunes e Haroldo Barbosa, ela já era conhecida internacionalmente: passara um período atuando na Argentina e em Portugal. A partir de então, participou dos principais humorísticos na casa, como Riso Sinal Aberto (1966), Balança Mas Não Cai (1968), Faça Humor, Não Faça Guerra (1970), Satiricom (1973), Planeta dos Homens (1976), Escolinha do Professor Raimundo (1990), Zorra Total (1999) e A Grande Família (2012). Na dramaturgia, estreou ao lado de Ary Fontoura em Amor com Amor se Paga (1984), de Ivani Ribeiro. Participou ainda de novelas marcantes como Cambalacho (1986), Cama de Gato (2010), a segunda versão de Ti-Ti-Ti (2011), Cordel Encantado (2011) e A Dona do Pedaço (2019).

Você pode perder apartamento, joia, dinheiro, e até um grande amor – 30 anos depois, quando você o reencontra, dará graças a Deus que o perdeu. Agora, o humor não pode ser perdido. Humor é tudo na vida.
Em depoimento exclusivo ao Memória Globo, Berta Loran conta sobre sua infância na Polônia e a vinda para o Brasil.

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Em depoimento exclusivo ao Memória Globo, Berta Loran conta como começou sua paixão pelo teatro.

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Início da carreira

O gosto por entreter fez com que Berta Loran seguisse o sonho de ser atriz. Batizada como Basza Ajs, ela nasceu em Varsóvia no dia 23 de março de 1926, e adotou o nome de Berta quando chegou ao Brasil, aos nove anos de idade. Seu pai, José Ajs, era alfaiate e também ator, acostumado a se apresentar para a comunidade judaica no Brasil. Berta frequentava seus espetáculos desde pequena, sempre que podia. Aos 14 anos, subiu em um palco pela primeira vez: “Eu sempre fui trapalhona, traquina, sapeca, danada. Com 14 anos, botei o salto alto da minha mãe e subi no palco. Quebrei o salto e saí mancando. O povo começou a rir. E eu gostei! Pensei comigo: ‘o bom é fazer rir’”.

Teatro de revista

Aos 19 anos, Berta Loran casou-se com o ator Handfuss e mudou-se para Buenos Aires, onde morou durante dois anos. Fez sua estreia na televisão no programa Espetáculos Tonelux, estrelado por Virgínia Lane e dirigido por Mário Provenzano, na TV Tupi. Retomaria sua carreira naquela emissora ao voltar ao Brasil, no início da década de 1950. Em seguida, teve uma experiência no teatro de revista, trabalhando com Walter Pinto.

“Fiz muito sucesso no Teatro de Revista. Comecei fazendo quadros de opereta. Depois, comecei a observar que quem fazia sucesso mesmo eram ou uma vedete que mostrava o corpinho de biquíni, ou então a cômica. Eu assistia os filmes da Betty Hutton, Judy Garland e os atores cômicos, Red Skelton, e achava que a comicidade deles que era bonita. Então, resolvi escrever números cômicos. Escrevi um que se chamava Ai, Meus Nervos, cantei esse número para o empresário, ele gostou e disse: ‘Você vai fazer números cômicos’. E foi assim que eu me tornei uma atriz cômica”.

Em 1957, recebeu um convite para fazer uma temporada de seis meses em Portugal com a peça Fogo no Pandeiro. Com o sucesso do espetáculo, ingressou numa companhia de teatro portuguesa e acabou morando seis anos naquele país, firmando-se definitivamente como atriz de veia cômica. Quando retornou ao Brasil, em 1963, foi contratada pela TV Record paulista, por intermédio da amiga Bibi Ferreira. Em seguida, aceitou um convite de Oscar Ornstein para atuar ao lado de Moacyr Franco na temporada carioca do musical Como Vencer na Vida sem Fazer Força, de Shepherd Mead, dirigida por Augusto César Vannucci.

Humor na Globo

Em 1966, Berta Loran foi convidada por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para trabalhar na Globo e participar do elenco fixo do humorístico Bairro Feliz. O programa era apresentado ao vivo por Paulo Pontes e teve direção de Maurício Sherman. No elenco, além da atriz, estavam: Emiliano Queiroz, Milton Gonçalves, Milton Carneiro, entre outros. Neste humorístico, a atriz interpretava diversos personagens. Depois, integrou o elenco da maioria dos humorísticos da casa. Ela agradece: “Deus é muito bom para mim, nunca me faltou trabalho, eu acho isso divino.” Para tanto, cortou um dobrado: atuava dia e noite, dividindo seu tempo da televisão com os ensaios e espetáculos de teatro.

Junto com Grande Otelo, Nádia Maria e Amândio Silva Filho, participou de Riso Sinal Aberto, em 1966, cuja produção e direção eram de Max Nunes e Haroldo Barbosa. Entre 1968 e 1971, atuou ao lado de Agildo Ribeiro, Paulo Gracindo e Jô Soares no programa Balança Mas Não Cai. Grande sucesso da Rádio Nacional na década de 1950, o humorístico ganhava, então, uma versão televisiva, que repetiria o bom desempenho, sob a direção de Lúcio Mauro.

A atriz esteve também em Faça Humor, Não Faça Guerra, que revolucionou a maneira de fazer humor na televisão. Sob a supervisão de Augusto César Vannucci, o programa tinha no elenco Jô Soares e Renato Corte Real, que protagonizavam um tipo de humor sem os exageros advindos do teatro de revista, com um tom naturalista que passaria a marcar os humorísticos da emissora.

Em depoimento ao Memória Globo, Berta Loran se lembra da produção dos humorísticos nessa época: “Faça Humor, Não Faça Guerra foi o primeiro programa que fiz com videoteipe. Então, nesse programa, paramos com exageros, passamos a interpretar o tipo, mas falando com naturalidade. Sem falar alto demais, gritar, porque o microfone captava muito bem. E mudou o jeito de representar, que eu achei maravilhoso. Era como se fosse cinema americano, e os astros eram o Jô Soares e Renato Corte Real.”

A parceria com Jô Soares deu certo e se repetiria em outros momentos: começando por Satiricom (1974), programa que satirizava sucessos do rádio, televisão e cinema, onde a especialidade de Berta Loran se tornou fazer paródias de comerciais de televisão. Com Jô e sua equipe, integrou também o elenco de Planeta dos Homens (1976) e Viva o Gordo (1981).

Ainda na década de 1980, trabalharia em A Festa é Nossa (1983), sob a direção de Lúcio Mauro, e em Humor Livre (1984), com direção-geral de Adriano Stuart. “Planeta dos Homens foi um dos programas mais lindos. A abertura era lindíssima, Wilma Dias com aquela bananinha e o macaquinho. E as aberturas eram geralmente lindas porque havia bailarinas e bailarinos na Globo que dançavam. No Balança Mas Não Cai também, os atores também dançavam e cantavam. É lindo quando tem balé”, lembra.

Satiricom: Esquete com Berta Loran e Bibi Vogel

Satiricom: Esquete com Berta Loran e Bibi Vogel

Escolinha do professor Raimundo

Em 1991, Berta Loran iniciou uma duradoura parceria com o humorista Chico Anysio. Primeiro, integrando o elenco de Estados Anysios de Chico City. Em seguida, vivendo a personagem portuguesa Manuela D’Além-Mar, na primeira edição da Escolinha do Professor Raimundo, exibida entre 1990 e 1995. Em 1996, a atriz fez parte do elenco fixo da segunda versão de Chico Total, outro programa estrelado pelo humorista, que foi exibido até dezembro daquele ano.

“Eu nunca tinha trabalhado com Chico Anysio, mas admirava muito como grande ator, um dos maiores do Brasil. Um homem muito inteligente, ele tem uma rapidez de cérebro que nós não temos, para o humor. Então, fui trabalhar com ele, me recebeu de braços abertos. Quando me chamou para fazer a Escolinha, ele disse: “Como você esteve muitos anos em Portugal, você vai fazer Manuela D’Além-Mar e Trás dos Montes, sim senhor”, e fiz esse personagem por algum tempo”.

Escolinha do Professor Raimundo: Manuela D´Além Mar

Escolinha do Professor Raimundo: Manuela D´Além Mar

Webdoc humor - Escolinha do Professor Raimundo (1990)

Webdoc humor - Escolinha do Professor Raimundo (1990)

Na segunda versão da Escolinha do Professor Raimundo, em 2001, Berta deu vida à lusitana Sara Rebeca, judia do interior de Portugal, que sempre esclarecia para a turma as perguntas do professor. “A Escolinha é uma coisa diferente de tudo que se faz na Globo. Pelo seguinte: a gente chegava lá, se maquiava, se vestia, o Chico cumprimentava, conversava. Sempre simpático. O piloto dizia: ‘Gravando’. E a gente grava. Sem ensaio, só improviso. E dava essa liberdade. O grupo era muito unido também”, lembra.

Em 2004, podia ser vista no humorístico Zorra Total (1999), em papeis como o da portuguesa Maria, casada com o português Manoel (Agildo Ribeiro), ambos moradores do Zorra Totawer Residencial.

Em 2012, participou do humorístico A Grande Família no papel de Dona Vilma Mendonça. Interpretou ainda Adelaide Lacerda no Vai Que Cola (2016) e fez uma participação como ela mesma no humorístico Tá No Ar: a TV na TV (2018).

“O artista, para fazer humor, ele nasce com isso. O artista nasce comediante. Para fazer humor, antes de mais nada, o humorista nunca deve rir. Humorista que conta uma piada, tem que ter o ritmo certo. Ritmo do Chico Anysio, o ritmo certíssimo. De um Jô Soares, de um Agildo Ribeiro. Em teatro você tem que ter aquele: um, dois, três, quatro, cinco, seis… Xiiiiii! Riram. No que está descendo a risada, não espere até descer, joga outra piada logo em seguida. Tem que ter um domínio muito grande de não rir”.

Dramaturgia

Sua estreia na dramaturgia foi em Amor com Amor se Paga (1984), de Ivani Ribeiro. Na trama, viveu a empregada Frosina, que termina se casando com o seu patrão, o avarento Nono Corrêa, personagem de Ary Fontoura. Dois anos depois, em 1986, fez uma participação especial na novela Cambalacho, de Silvio de Abreu, ao lado de Milton Carneiro; os dois deram vida a um casal, os Souza.

Sem abandonar os papéis nos programas de humor, Berta Loran voltou a integrar o elenco de uma produção de teledramaturgia, na minissérie Chiquinha Gonzaga, escrita por Lauro César Muniz, em 1999. Em julho de 1995, Berta Loran participou do episódio Um Príncipe Desencantado, do programa Você Decide, sob a direção de Mauro Farias.

Em 2010, Berta Loran voltou a integrar o elenco de uma novela da Globo. Em Cama de Gato, de Duca Rachid e Thelma Guedes, a atriz viveu uma blogueira da terceira idade, a Loló, que tem um caso com Waldemar, interpretado por Luis Gustavo. Na segunda versão de Ti-Ti-Ti, exibida de outubro de 2010 a março de 2011, Berta Loran interpretou Dona Soledad. Ainda em 2011, participou da novela Cordel Encantado, no papel da Rainha-mãe Efigênia. Em 2019, fez uma participação na novela A Dona do Pedaço como Dinorá Macondo, mãe do irmão bastardo de Eusébio (Marco Nanini).

Em outubro de 2015, Berta Loran estreou um quadro no Fantástico, junto com Vilma Nascimento e Elke Maravilha. Em O Grande Plano, as artistas usavam sua experiência de vida para ajudar pessoas mais jovens que apresentavam diferentes tipos de problemas. O último episódio foi ao ar em 27 de dezembro do mesmo ano, quando o trio ajudou uma mulher que precisava recuperar a autoestima.

Nos palcos e nas telas de cinema

Paralelamente à televisão, Berta Loran atuou no teatro, no cinema e em diversas campanhas publicitárias. Em 1980, estreou o espetáculo autobiográfico Divirta-se com Berta Loran, um show em que a atriz sapateava, cantava, dançava e contava piadas escritas por ela mesma. Ainda naquele ano, gravou um disco ao lado de Elke Maravilha e Cidinha Campos, com textos de Arnaud Rodrigues.

Destacam-se suas atuações em peças como O Peru (1963), de George Feydeau, Alegro Desbum (1973), de Oduvaldo Viana Filho, Cinderela do Petróleo, de João Bethancourt, Camas Redondas para Casais Quadrados, dirigida por Zé Renato, Tropicanalha (1989), de Aziz Bajur, Até que as Sogras nos Separem (1999), de Moacyr Veiga, entre outras. Em 2001, Berta Loran dirigiu o espetáculo Gay ou Girls: Eis a Questão, de Ruddy Pinho. Fez sucesso ainda com as peças Quem Vai Ficar com a Velha? (2002), de Moacyr Veiga, Ainda Estou Aqui (2004), em que homenageou o humorista Costinha, Pais Criados, Trabalhos Dobrados (2008), também de Moacyr Veiga. Aos 92 anos brilhou ao lado de Jane Di Castro no show Damas do Humor e da Canção (2018).

No cinema, destacam-se suas participações em A Ilha dos Paquera (1966), de Fauzi Mansur, com argumento escrito por Renato Aragão, e Ipanema Toda Nua (1971), de Líbero Miguel. Ainda na década de 1970, Berta Loran participou de três filmes de longa-metragem: Como Matar uma Sogra, de Luiz de Miranda Corrêa; O Amante de Minha Mulher, de Alberto Pieralise; e O Golpe Mais Louco do Mundo, de Luciano Salce.

Berta Loran integrou, ainda, o elenco do longa-metragem Polaróides Urbanas (2006), de Miguel Falabella, mais uma vez dando vida a uma judia, dessa vez dona de uma joalheria. Em 2008, viveu a Dona Nair na comédia A Guerra dos Rocha, com direção de Jorge Fernando, e interpretou Manuela da Silva no filme Até que a Sorte nos Separe 2, de Paulo Cursino, com direção de Roberto Santucci. Já em 2021, a atriz foi convidada para viver uma personagem homônima, Berta, na comédia Amarração do Amor, que traz à tona o diálogo entre tradições judaicas e os rituais da umbanda, com direção de Caroline Fioratti.

Em 2016, quando completou 90 anos, a atriz foi homenageada pelo produtor cultural João Luiz Azevedo com livro biográfico – Berta Loran: 90 anos de humor, com documentário e exposição de fotos de seu acervo pessoal, objetos e recordações dos diversos trabalhos realizados no cinema, teatro e televisão.

Fonte

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