Por Memória Globo

Cícero Rodrigues/Globo

Conhecido por escrever novelas que são verdadeiras sagas, Benedito Ruy Barbosa cria tramas que perpassam o universo rural brasileiro. A diversidade cultural – com apreço pela imigração italiana –, amores intensos e quase impossíveis também compõem seu universo ficcional. “Na dramaturgia, nem tudo é imaginação. Muito é vivência, buscamos o personagem em seu habitat. Eu gosto [do formato] de saga porque dá condição de fazermos novela e história.” Para isso, o autor costuma viajar aos locais que servirão de cenário para suas obras, em busca de inspiração. Muito daquilo que ele cria para a televisão tem raízes na própria experiência de vida. Para Benedito Ruy Barbosa, a marca de seus protagonistas é “o bom caráter, determinação para a luta, crença em valores positivos”, reforçando que a família é a base da sociedade. O autor dá vida a verdadeiros heróis do cotidiano. A maior parte desses elementos pode ser percebida desde o conflito por posse de terra entre o coronel Epaminondas (Castro Gonzaga) e seu rival Pedro Galvão (Xandó Batista), na primeira versão de Meu Pedacinho de Chão (1971); passando pela briga de gerações vivida entre os Mezenga e os Berdinazi, em O Rei do Gado (1996); chegando ao drama de Matteo (Thiago Lacerda) e Giuliana (Ana Paula Arósio) no início do século XX, em Terra Nostra (2000).

Antes de mais nada, uma novela precisa ter uma grande história de amor.

Benedito Ruy Barbosa, 2008. — Foto: Cícero Rodrigues/Memória Globo

Início da carreira

O mais velho entre cinco irmãos, Benedito Ruy Barbosa nasceu no dia 17 de abril de 1931, no município de Gália, no interior de São Paulo. Passou a infância na cidade vizinha, Vera Cruz, uma área de cafezais com grande concentração de imigrantes japoneses e italianos. Seu pai, Otávio Barbosa, fundou e dirigiu o jornal A Voz de Vera Cruz até morrer, aos 29 anos de idade, em 1942. Benedito era menino e precisou arrumar um emprego: sua mãe, Aurora Medeiros Barbosa não tinha condição de sustentar a família. O primeiro trabalho foi como auxiliar de guarda-livros da firma comercial Antônio Perez.

Diante da falta de perspectivas no interior do estado, mudou-se sozinho para São Paulo, onde passou a estudar à noite e trabalhar durante o dia no escritório que a mesma firma mantinha na capital. Até buscar a família, e passarem todos a morar em um cortiço do bairro do Bom Retiro, Benedito complementava sua renda trabalhando como vendedor de verduras na feira e faxineiro em um banco. Depois disso, graças aos conhecimentos na área de contabilidade, conseguiu um emprego no Banco de Boston. Mais tarde, deixou o banco e voltou a trabalhar na comercial Antônio Perez, durante dois anos, em um escritório em Maringá, Paraná.

A temporada na zona rural do Paraná o inspirou a escrever o primeiro romance: 'Fogo Frio', que, em 1959, a convite de Oduvaldo Viana Filho, se tornaria peça de teatro dirigida por Augusto Boal no Teatro de Arena – vencedora do prêmio principal da Associação Paulista dos Críticos de Arte. “Fogo frio é porque a geada queima a plantação. Em 1952, aconteceu uma grande geada que dizimou os cafezais de Maringá, Marialva e Mandaguarí. Foi um desastre. Eu, primeiro, fiquei extasiado de ver a beleza de todo aquele verde coberto com um lençol branco. Quando o sol esquentou, queimou todo o café. Tiveram que erradicar aqueles cafezais”, destaca.

Em 1954, Benedito Ruy Barbosa passou em um concurso promovido pelo jornal Estado de S. Paulo e foi contratado como revisor. Sua estreia como repórter aconteceu na editoria de Esportes do jornal Última Hora. Trabalhou ainda na Gazeta Esportiva e foi redator de publicidade da Radial Propaganda. Nessa época, 'Fogo Frio' já virara sucesso de bilheteria e o rendeu um convite para trabalhar como roteirista na agência J. W. Thompson, passando a cuidar de todas as novelas patrocinadas pela Colgate-Palmolive. Em seguida, contratado como autor pela multinacional, escreveu a novela 'Somos Todos Irmãos' (1966), uma adaptação do romance 'A Vingança do Judeu', de J. W. Rochester, exibida pela TV Tupi. Trabalhou ainda na Excelsior e na Record, até ser contratado como assessor especial pela TV Cultura, em 1971.

Naquele ano, escreveu a novela 'Meu Pedacinho de Chão', que foi produzida em parceria com a Globo e exibida simultaneamente nas duas emissoras. Esta foi a primeira novela em que ele conseguiu evocar o universo de sua infância e “provar que podia se fazer uma novela enfocando uma temática rural brasileira. Porque eu falava de técnica de plantio, vacinação, Moral e Cívica”.

Mesmo sendo uma obra de cunho educativo, eram tempos de censura e ditadura militar. Por isso, 'Meu Pedacinho de Chão' não deixou de sofrer cortes por parte do governo. Benedito Ruy Barbosa conta que, ao menos, conseguiu lutar para a manutenção de algumas cenas. Como a passagem em que o personagem Giramundo cantava o hino nacional: “Ele era um maestro que tocava violão e cantava umas músicas caipiras em um cenário que era uma venda de beira de estrada. Depois, o caboclo cantava o hino na escola, com a bandeira do Brasil colocada sobre a mesa. O que aconteceu? A Censura cortou a cena porque disse que o hino nacional não podia ser cantado em um ambiente daquele. Isso me deixou indignado. Briguei com a Censura e consegui liberar as cenas”.

Benedito Ruy Barbosa, 2008. — Foto: Cícero Rodrigues/Memória Globo

Contratos com a Globo

O autor assinou contrato com a Globo em 1976 para escrever 'O Feijão e o Sonho', novela que deu início à bem sucedida trajetória dele no horário das 18h. Na sequência, vieram 'À Sombra dos Laranjais' (1977), adaptação de peça homônima de Viriato Correia, e 'Cabocla' (1979), inspirada em romance de Ribeiro Couto. Para o autor, o elemento que segura uma trama é a história de amor entre os protagonistas. “Antes de mais nada, uma novela precisa ter uma grande história de amor”, conta.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a novela O Feijão e o Sonho (1976)

Webdoc sobre a novela O Feijão e o Sonho (1976)

Após uma curta passagem pela TV Bandeirantes, onde escreveu a novela 'Os Imigrantes' (1981), o autor voltou à Globo para fazer 'Paraíso' (1982), 'Voltei pra Você' (1983), 'De Quina pra Lua' (1985), 'Sinhá Moça' (1986) e 'Vida Nova' (1988). Também dirigiu e reformulou os episódios do 'Sítio do Picapau Amarelo'.

Em 1990, Benedito Ruy Barbosa se transferiu para a TV Manchete, onde escreveu a novela 'Pantanal'. O sucesso foi muito grande e o autor retornou à Globo, logo em seguida, para escrever uma novela das 20h sobre o interior baiano: 'Renascer' (1993). Foi a partir daí que se consolidou como um dos principais responsáveis pela abordagem de temas ligados ao meio rural e o uso massivo de cenas externas, fatos que transformaram a dramaturgia e abriram novas perspectivas para as telenovelas.

As sagas

Em 1996, 'O Rei do Gado' estreou com sucesso, contando a história de amor entre o latifundiário pecuarista Bruno Mezenga (Antonio Fagundes) com a boia-fria Luana (Patrícia Pillar), ambos descendentes de duas famílias de imigrantes italianos rivais. Novamente, o autor escrevia uma saga: realizando a novela em duas fases. Para ele, o lado bom de fazer uma obra nesta estrutura é que o público consegue entrar em contato com as origens do personagem.

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Webdoc sobre a novela O Rei do Gado (1996)

Webdoc sobre a novela O Rei do Gado (1996)

Sua próxima saga, 'Terra Nostra', trouxe à tona as raízes da cultura ítalo-brasileira ao mostrar a vida de dois imigrantes italianos que se apaixonam no navio rumo ao Brasil, mas são separados ao desembarcar no país, no final do século XIX. O autor lembra que a novela lhe evocou períodos da infância, e é uma de suas obras favoritas: “Vários capítulos eu escrevi com os olhos cheio d’água, porque eram reminiscências da minha infância. Nessas cenas, eu sempre via alguém muito próximo de mim: amigos e parentes muito inseridos naquele contexto”. 'Esperança', exibida em 2002, teve elementos muito parecidos para contar a história de amor dos italianos Toni (Reynaldo Gianecchini) e Maria (Priscila Fantin), na década de 1930.

Ideias que não envelhecem

Em 2005, com 40 anos de carreira, Benedito escreveu a minissérie 'Mad Maria', baseada no romance de Márcio Souza, realizada sob a direção-geral de Ricardo Waddington e José Luis Villamarin. O autor conta que a ideia para elaborar a história da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no norte do Brasil, surgiu ainda na década de 1970, quando foi traçado o primeiro rascunho do roteiro. “Depois de Terra Nostra, o Ricardo Waddington leu Mad Maria e ficou louco. Foi ao meu sítio em Sorocaba dizer que tínhamos que fazer isso. Eu falei: ‘Se você topar, eu até escrevo novamente.’ Quando eu vi , ele montou a equipe e foi embora [para Rondônia], falou com o governador, armou tudo, tiraram a Mad Maria do meio do mato, levantaram, botaram em cima do trilho, reformaram a máquina, depois construíram quilômetros de trilho para fazer os hospitais de beira de estrada. Quando vi os primeiros capítulos, juro que não acreditei”.

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Webdoc sobre a novela 'Terra Nostra' (1999)

Webdoc sobre a novela 'Terra Nostra' (1999)

Benedito assinou ainda dois remakes de suas obras 'Sinhá Moça' e 'Meu Pedacinho de Chão', em 2006 e 2014. Para colocar 'Meu Pedacinho de Chão' no ar, uma parceria firmada entre o diretor Luiz Fernando Carvalho e o artista plástico Raimundo Rodriguez construiu um mundo de fantasia nos Estúdios Globo. A cidade cenográfica foi criada nos moldes de um imenso brinquedo de lata, com cavalos coloridos e articulados, engrenagens que tornam autômatos objetos inanimados, um carrossel de esculturas de vacas chamado “curral-céu”. Na época do lançamento da novela, o autor declarou que esta era a oportunidade de colocar no papel (e no ar!) aquilo que a Censura não permitiu quando a primeira versão foi exibida.

Em março de 2016, outra saga em parceria com Luiz Fernando Carvalho chega ao ar: 'Velho Chico', trama que se passa na cidade fictícia de Grotas do São Francisco, no sertão nordestino. Nesta cidade, o autoritário coronel Jacinto (Tarcísio Meira) deseja as terras do capitão Rosa (Rodrigo Lombardi). O duelo atravessa gerações e chega aos dias atuais.

Sucessos atemporais

Suas sagas rurais continuam cativando o público. Assinada pelo autor Bruno Luperi, seu neto, 'Pantanal', exibido em 1990 na Rede Manchete ganhou uma nova versão na Globo, que estreou em março de 2022. A novela, estrelada por Marcos Palmeira, Dira Paes, Alanis Guillen e Jesuíta Barbosa foi sucesso de audiência e repercussão. Dois anos depois, outro clássico escrito por Benedito Ruy Barbosa e adaptado por Luperi retornou ao horário nobre para uma releitura: 'Renascer', que em mitos e crendices oriundas do sul da Bahia, conta história do produtor de cacau José Inocêncio.

O autor Bruno Luperi, 2022 — Foto: Mauricio Fidalgo/Globo

Fontes

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