Nelson di Rago/Globo

Filha de professores, Beatriz de Toledo Segall, naturalmente, estudou para ser professora. Mas logo foi apresentada ao teatro e decidiu que seria atriz. Com a Companhia dos Artistas Unidos acabou indo para a França estudar teatro e literatura. Retornou, casou, desistiu da carreira e passou 14 anos fora dos palcos. Teve seu primeiro contato com a televisão, na TV Tupi, no início dos anos 1950. Em fins da década seguinte, com o marido Maurício Segall, recuperou o Teatro São Pedro, em São Paulo, e o administrou até 1974. Estreou na Globo em 1978, interpretando a ambiciosa Celina em Dancin’ Days. Dez anos mais tarde, com a vilã Odete Roitman, de Vale Tudo, ganhou, para sempre, o público.

Eu sou muito exigente. Uma pessoa que não se entrega totalmente ao trabalho é uma coisa que me irrita um pouco. A falta de integridade em relação ao que se está fazendo é inadmissível.
Entrevista exclusiva da atriz Beatriz Segall Memória Globo, sobre o início da sua carreira.

Entrevista exclusiva da atriz Beatriz Segall Memória Globo, sobre o início da sua carreira.

Vale Tudo

Véspera de Natal, dia 24 de dezembro de 1988. No final do capítulo 192 da novela, Odete Roitman leva três tiros, à queima roupa, e morre. E durante os 13 dias seguintes, em todos os cantos do país, não se falou em outro assunto: “Quem matou Odete Roitman?” Vale Tudo, de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, ficou marcada na história da telenovela como um grande sucesso da Globo, assim como na vida da atriz Beatriz Segall, que até hoje recebe elogios por sua atuação. É difícil desassociar a sofisticada vilã de Vale Tudo da vida profissional de Beatriz Segall. Tanto que a atriz passou muito tempo sendo chamada apenas para interpretar personagens da alta classe.

“O papel da personagem má é sempre um bom papel. Vale Tudo tinha uma história incrível, um texto primoroso, inteligentíssimo. Odete Roitman é uma personagem que vai ficar na história; não por um valor meu, mas por tudo o que a novela reuniu. Até hoje eu sou chamada de Odete na rua. Em Cuba me chamaram de Dona Odete. Sempre me encabulo quando tenho que falar da Odete Roitman, fico com medo de parecer pretensiosa, e tenho certeza de que não sou, mas acho que ninguém na televisão brasileira recebeu um presente tão grande como esse. Mas criou-se um mito, que atrapalha um pouco, de sempre fazer papel de chique, de bem-vestida. Eu queria fazer o papel de uma mulher bem povão, mas o público não aceitou”.

“Vale Tudo tinha uma história incrível, um texto primoroso, inteligentíssimo. Odete Roitman é uma personagem que vai ficar na história; não por um valor meu, mas por tudo o que a novela reuniu”

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Depoimento - Beatriz Segall: Vale Tudo (1988)

Depoimento - Beatriz Segall: Vale Tudo (1988)

Webdoc novela - Vale Tudo (1988)

Webdoc novela - Vale Tudo (1988)

Início da carreira: o teatro

Independente do estereotipo que se criou em torno de Beatriz Segall, trata-se de uma atriz de múltiplos recursos cênicos, criteriosa e exigente. Se na televisão se consagrou com Odete Roitman e outras personagens de alta classe, no teatro atuou nos mais diferentes papéis. São quase 70 anos dedicados aos palcos. “Eu sou muito exigente. Uma pessoa que não se entrega totalmente ao trabalho é uma coisa que me irrita um pouco. A falta de integridade em relação ao que se está fazendo é inadmissível”, define-se, em poucas palavras.

Filha de professores, Beatriz de Toledo Segall nasceu em 25 de julho de 1926, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Seu pai foi dono de uma escola. Assim, naturalmente, ela estudou para ser professora. Mas foi apresentada ao teatro. Sua primeira peça era um exercício de língua, na Aliança Francesa, quando viveu Cathos, em As Preciosas Ridículas, de Molière. “No mesmo dia fui convidada para fazer teatro profissional. E aceitei. Eu estava me achando um gênio. Um mês antes, meu pai havia sofrido um enfarto e estava convalescendo. Na noite em que eu ia ao primeiro ensaio, me disse: ‘Você pode ir, mas me dá um grande desgosto’. E eu não fui. Depois, surgiu a oportunidade de fazer um filme, A Beleza do Diabo. Não foi nenhum sucesso, mas tive uma grande lição: eu precisava fazer um curso”, conta.

Beatriz decidiu que seria atriz. Matriculou-se no curso do Serviço Nacional de Teatro e iniciou sua carreira. Não se lembra o nome da primeira peça em que atuou em um pequeno teatro em Ipanema, mas não esquece que foi um fracasso. Logo depois fez um trabalho semiamador, com atrizes que também estavam começando sua carreira, como Fernanda Montenegro e Nicette Bruno. Foi convidada a entrar na Companhia dos Artistas Unidos, chefiada por Henriette Morineau (“Foi minha segunda escola”) e acabou indo para a França estudar teatro e literatura. “Fui convidada a fazer teatro na França, mas eu era muito ligada ao meu país e minha família. Eu não podia me imaginar fazendo carreira em outro país, então não aceitei”, relembra.

Voltou para o Brasil trazendo na mala, a pedido de Henriette Morineau, a peça Gigi, que lançou a atriz Audrey Hepburn ao mundo. Mas não quis atuar. “Disse a ela que não faria mais teatro, que estava noiva e ia me casar, que queria ter filhos e ser dona de casa. Eu me casei e fiquei como dona de casa por 14 anos, sem um minuto de arrependimento”, relembra. Beatriz se casara com Maurício Segall, filho do pintor Lasar Segall, com quem teve três filhos. Até que, em 1964, o diretor José Martinez Corrêa a convidou justamente para substituir Henriette Morineau em uma peça do Teatro Oficina. “Estimulada por amigos e pelo meu marido, resolvi aceitar; só para provar que não dava. Mas deu, e estou aqui”, ri.

Teve seu primeiro contato com a televisão, na TV Tupi, no início dos anos 1950. Novamente, não lembra qual foi sua primeira novela, mas recorda-se de ter atuado em Ana, em 1968, na Record. Na mesma época, com o marido, recuperou o Teatro São Pedro, em São Paulo, e o administrou até 1974. Também se dedicou ao cinema, atuando em alguns longas-metragens, como Cléo e Daniel (1970), de Roberto Freire, e À Flor da Pele (1976) e O Cortiço (1978), de Francisco Ramalho.

A entrada na Globo

Estreou na Globo em 1978, interpretando a ambiciosa Celina em Dancin’ Days, de Gilberto Braga. A novela foi um sucesso, Beatriz agradou em cheio ao grande público e, por isso, atuou também, no ano seguinte, em Pai Herói, de Janete Clair, quando viveu a vilã Norah. Na época, participou de um episódio da série Plantão de Polícia, quando viveu uma personagem lésbica.

Em 1980, foi convidada para uma nova dobradinha com Gilberto Braga, desta vez dando vida a mais uma vilã grã-fina, Lourdes Mesquita, em Água Viva. Contratada pela TV Bandeirantes, atuou nas novelas Os Adolescentes, de Ivani Ribeiro, e Ninho da Serpente, de Jorge Andrade. Também participou do premiado filme Pixote, a Lei do Mais Fraco, de Hector Babenco. Voltou à Globo em 1982, para atuar em Sol de Verão, de Manoel Carlos, depois em Champagne, de Cassiano Gabus Mendes. “Eu devo essa personagem ao Cassiano. Foi a única pessoa que achou que eu podia fazer o papel de uma mulher pobre, maltratada. Eu usava um lenço na cabeça, lavava roupa no tanque, essas coisas. Mas o público não gostou muito”, pontua.

Voltou a deixar a Globo para atuar em Carmem, escrita por Gloria Perez, na TV Manchete, mas retornou à emissora em 1988, para viver uma das personagens mais marcantes da história da televisão brasileira: Odete Roitman, em Vale Tudo, sua terceira novela com Gilberto Braga. Curiosamente, quase não fez o papel. Ela estava em cartaz no teatro, quando recebeu o convite do próprio Gilberto Braga para atuar em sua nova novela. Não aceitou, mas o autor a queria para o papel de Odete Roitman a qualquer custo. O resto da história todo mundo conhece: quase 25 anos depois, “Odete Roitman” tem nada menos do que 84.200 citações no Google.

Beatriz Segall participou de sua primeira minissérie na Globo, em 1990: A,E,I,O… Urca, de Doc Comparato e Antonio Calmon, na qual viveu uma espiã nazista. Naquele ano, participou também de Barriga de Aluguel, de Gloria Perez, como miss Penélope Brown. Voltaria a interpretar a personagem em 2001, na novela O Clone, também de Gloria Perez. Em 2006, na Record, participou de Bicho do Mato, de Bosco Brasil e Cristianne Fridman. Ao longo de todo esse tempo, não abandonou os palcos, com destaque para sua atuação em Emily, de William Luce, em 1984, e em O Manifesto, de Brian Clark, em 1987 – em ambas as ocasiões, conquistou o troféu Mambembe de melhor atriz do teatro brasileiro.

De volta à Globo, estrelou na premiada novela Lado a Lado (2012), na qual deu vida à Madame Besançon, uma rica senhora francesa que ensinou francês e boas maneiras para a sua empregada, Isabel (Camila Pitanga). Em 2015, Beatriz Segall participou de Os Experientes, um seriado que abordava o tema da velhice. No mesmo ano, a atriz passou por uma cirurgia no braço depois de levar uma queda no palco de um teatro de São Paulo, quando apresentava o musical Nine, Um Musical Felliniano.

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Teatro, televisão, cinema. Beatriz Segall não revelava preferências, ainda que dissesse acreditar ter feito poucos longas-metragens, e ter esperanças de atuar mais na grande tela. O que a tirava do sério, na verdade, era a fama de ser uma pessoa difícil: “Gostaria de saber de onde surgiu isso. Sou um doce de pessoa. Sou brava porque estou sempre atrás de qualidade, e quando atrapalham essa qualidade, fico brava. É o meu nível de exigência. Acho que isso é uma qualidade minha, não um defeito”.
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Beatriz Segall morreu aos 92 anos, no dia 5 de setembro de 2018, em São Paulo.

Beatriz Segall na novela Sonho Meu, 1993. — Foto: Globo

Fonte

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