André Dias é um profissional versátil e inquieto. Quando entrou na Globo, em 1995, ajudou a montar o departamento jurídico da emissora e, em seguida, capitaneou a área de contratos artísticos, sendo responsável pelas negociações que trouxeram nomes como Ana Maria Braga, Padre Marcelo Rossi e Luciano Huck para a empresa. Desde janeiro de 2020, é diretor de Relações Institucionais e Projetos Especiais no Rio de Janeiro. Filho de uma pioneira do terceiro setor em Campinas, em São Paulo, ele aprendeu desde cedo a valorizar as pessoas, característica que foi fundamental para tocar projetos como a Globo Rio, que promovia eventos para a população fluminense, e a implantação da TV Digital. Para esta última, não é exagero dizer que o país é hoje referência na disseminação do sinal digital graças à iniciativa da Globo, em área sob sua coordenação.
Início da trajetória
Nascido no primeiro dia do ano de 1961, em Campinas, São Paulo, André Luís da Costa Dias é filho do engenheiro agrônomo Carlos Adalberto de Carvalho Dias e de Vandir Justino da Costa Dias, uma das pioneiras do terceiro setor na cidade paulista, ainda nos anos 1960. Foi na própria cidade que fez bacharelado em Direito, na PUC. Formou-se em 1985 e fez duas pós-graduações em Direito Empresarial, na Cândido Mendes e na FGV. Após uma experiência de estágio no Conselho Carcerário de Campinas, ele foi indicado pela OAB para um trabalho na Souza Cruz. Entre 1990 e 1995, atuou como advogado na área de contratos e propriedade intelectual da empresa, emprego que o levou para o Rio de Janeiro.
Entre suas atribuições, estava a negociação de contratos com eventos patrocinados, como o Hollywood Rock, o Free Jazz e o Carlton Dance, alguns dos quais com transmissão ou cobertura da Globo. Daí surgiu, em 1994, o convite para trabalhar na emissora, mudança que se concretizou no ano seguinte. Dias chegou para fazer assessoria jurídica, e em um ano se tornou diretor de operações jurídicas, ajudando a montar a área dentro da emissora.
"Existia um jurídico na Globopar, que era a holding do grupo, mas ficava distante, só atuava nas grandes causas e aqui era cheio de coisas pequenas que precisavam ser resolvidas", explica ele. Era de tudo mesmo, de direitos da transmissão do futebol a acompanhamento de reportagens investigativas do 'Fantástico', passando, eventualmente, pela negociação com artistas. Foi dessa época uma conversa inusitada -- e inesquecível - com Tim Maia, por telefone. Tão famoso por seus hits e voz potente quanto por suas faltas aos compromissos firmados, o cantor recebeu a sugestão de Dias para escrever, de próprio punho, uma carta com seu desejo de participar dos programas da Globo. Tim já tinha faltado a alguns, e André Dias queria uma garantia. A resposta do "síndico" veio em uma ligação, aos berros e com todos os xingamentos possíveis.
Em 1998, Dias assumiu o cargo de diretor de contratos artísticos e participou de aquisições relevantes para o cast da emissora: Ana Maria Braga, Serginho Groisman, Padre Marcelo Rossi, Luciano Huck e o retorno de Jô Soares foram alguns deles. A facilidade nas mesas de negociação o levaria, em 2001, para um novo cargo: o de diretor de contratação de novas mídias e projetos especiais. Era a época da bolha da internet. "Todo mundo achava que tinha um super potencial, e que o contrato [de exclusividade] com a Globo não impediria de atuar na rede. Foi um momento bem complicado, porque todo mundo queria ter seu próprio site", lembra-se ele, citando o Casseta & Planeta como um dos primeiros grupos a adaptar o contrato de exclusividade. A recém-criada Globo.com, lançada em março de 2000, se estabelece, nesse período, como um agregador de sites da casa.
A questão da exclusividade também era relevante em uma das promessas da emissora naquele começo de século 21, o 'Big Brother'. "A pessoa que saía no paredão ia para a minha sala, porque o contrato dela era vinculado à minha área, e aí eles vinham para me conhecer e para eu dizer o que eles podiam ou não fazer, por conta da exclusividade."
Brazilian Day
Também no início dos anos 2000, Dias começou a cuidar das contratações de artistas para o ‘Brazilian Day’, evento em Nova York dedicado ao público brasileiro que mora nos Estados Unidos. "Era um evento bem complicado, a gente reunia um milhão de pessoas na rua", lembra-se ele, que cuidou dos trâmites de 2003 a 2010, e depois de 2014 a 2019. Eventos semelhantes foram coordenados por ele também em Angola, em Portugal, na Inglaterra, no Japão, na Espanha e no Canadá. E, em 2011, um ponto alto: o show de Roberto Carlos em Jerusalém, superprodução que envolveu cerca de 400 pessoas.
O guarda-chuva de projetos especiais pode abranger muitas frentes, fora do país ou no Brasil profundo. A maior festa de peão em território nacional, em Barretos, São Paulo, também começou a receber atenção da emissora no começo dos anos 2000. Por sorte, Dias já tinha conhecido alguns dos responsáveis do evento em seus tempos de Souza Cruz. Alguns anos depois, foi ele que teve a ideia de levar a autora Gloria Perez para conhecer o Boi Bandido, uma das maiores atrações de Barretos. Impressionada com a popularidade do animal na arena, ela o levou para a novela ‘América’ (2005), que contava a história de uma mulher que tentava ir viver nos Estados Unidos, apesar de ser apaixonada por um peão de rodeio. "Foi uma audiência absurda, o interior do Brasil ferveu, e nós todos participamos muito disso. Acabei virando cidadão honorário de Barretos", conta ele.
Com o mesmo entusiasmo, Dias tocou por anos a Globo Rio, projeto que levava ações de relacionamento e ativação de marca a diferentes cidades fluminenses, para aproximar a emissora do público nas ruas. Esteve próximo das ações desde o começo, e de 2013 a 2019 esteve à frente de todas as iniciativas do projeto, como o Programão Carioca e o Jovens Tardes. Foram muitos os filmes e as peças de teatro exibidos em áreas com poucas opções culturais, por exemplo, além de um concurso de curtas-metragens, tendo como tema os 450 anos do Rio, em 2015. “Foi incrível, porque nós entramos em todos os lugares que você possa imaginar e criamos muitos produtos para a Globo Rio de aproximação com as pessoas."
TV Digital
Tanta experiência com projetos especiais fez André Dias ser convocado para um grande desafio: participar da consolidação da TV digital no Brasil. Apesar de a empreitada não ser responsabilidade de uma só empresa, foi a iniciativa da Globo, a partir da dedicação de uma equipe coordenada por Dias, que fez a diferença para o processo andar, a partir de 2016. O início das transmissões digitais foi em 2007, mas a adesão país adentro andava a passos lentíssimos. "Existia uma proposta, queriam desligar rapidamente o sistema analógico no Brasil, porque queriam usar o espectro onde ele estava para fazer o 4G funcionar bem. Mas para desligar precisava atingir um índice de 93% de pessoas que tivessem aderido ao processo de digitalização, e esse número estava muito longe de chegar na cidade-piloto, que era a cidade de Rio Verde, em Goiás."
Dias então foi entender qual era a dificuldade. O país com dimensões continentais e muitas diferenças entre as regiões já era um desafio e tanto. Mas o pior era a desconfiança generalizada. "Peguei um avião para Rio Verde e saí andando pela rua, parava em botequim para tomar um café e conversar. E o que entendi? As pessoas não acreditavam no processo. Falavam: 'Mais uma enganação para a gente gastar dinheiro'." Para piorar, como a TV Anhanguera era afiliada da Globo, começou um boato de que a emissora tinha comprado uma empresa de eletrodomésticos e queria vender televisão nova.
Patrulha digital ajuda ribeirinhos a trocar sinal de TV analógico no AM. Jornal Nacional, 05/05/2018
A primeira missão era então, como constatou, deixar claro que a demanda pela mudança não era de uma ou mais emissoras, e sim do governo federal. Para isso, foi criada uma cartela dizendo quando a Anatel e o Ministério das Comunicações pretendiam desligar o sinal analógico em cada cidade, sendo exibida nos intervalos das programações de todos os canais, de tempos em tempos. Mas isso não era suficiente para uma mudança em massa, como era desejado.
Dias começou então a visitar as casas das pessoas e percebeu que aqueles que recebiam os kits de conversão -- os beneficiários de programas sociais federais, como o Bolsa Família, tinham acesso gratuitamente ao material -- não faziam ideia de como instalar antena, cabo e aparelho conversor. Aí veio a ideia que deu início à guinada: firmar uma parceria com o Senai, para que os alunos da instituição se tornassem disseminadores do bom uso do kit. Os jovens batiam de porta em porta, usando uniforme do Senai para certificar a população de que não havia nenhum golpe. Estava criada a Patrulha Digital. "Fomos percebendo que era uma maneira de multiplicar o conhecimento, porque uma coisa é eu dar entrevista, o Faustão falar sobre, e outra é o neto, o vizinho, alguém da família", constatou Dias. Aos poucos, as pessoas foram entendendo também que a qualidade de imagem e som melhorava muito.
Diretor da Rede Globo explica as diferenças e benefícios do sistema digital de televisão
Assim, quando Rio Verde chegou perto da meta, foi a vez de ir para Brasília, e de lá para várias cidades do país. Quando não havia escolas do Senai, Dias firmava parceria com institutos federais ou organizações consolidadas que trabalham com comunidades ou com aldeias indígenas. Foram vários feirões, aulas públicas, reuniões em praças. E muitas histórias emocionantes.
Uma delas aconteceu em Taguatinga, no Distrito Federal. Acompanhando uma Patrulha Digital, Dias bateu na porta de uma casa, e um rapaz com deficiência visual abriu. Ele explicou que adorava acompanhar filmes pela TV, e que fazia isso contando com a ajuda da irmã, que narrava as cenas. Acontece que ela tinha se mudado, e ele achou que nunca mais conseguiria acompanhar uma história. Com o conversor instalado, o homem foi orientado a clicar no botão de controle remoto que aciona a audiodescrição. "Esse garoto começou a chorar, porque a única coisa que ele tinha de diversão no dia a dia dele era ficar na televisão acompanhando os filmes", contou Dias. "E aí todo mundo chorou junto, porque viu como a técnica estava ajudando as pessoas, o quão importante era realizar aquela ação. Esse caso ficou marcado para todos nós, foi muito gratificante e deu combustível para continuar."
Outra história curiosa aconteceu no Mercadão de Madureira, no Rio de Janeiro. O local, muito popular, foi escolhido para receber um dos feirões com os kits conversores. Formou-se uma grande fila, e o 'RJTV' ia entrar ao vivo, quando Dias foi informado de que os kits estavam acabando. A saída foi pedir para que mandassem mais durante o feirão, e todo mundo botou a mão na massa para descarregar as caixas do caminhão a tempo de a reportagem ser feita e a multidão ser contemplada.
Passados 16 anos da primeira transmissão digital e com o desligamento definitivo do sistema analógico em todo o Brasil concluído no final de 2023, o Brasil se tornou um case de sucesso no mundo. "Na digitalização terrestre, ninguém ficou para trás", afirma Dias, orgulhoso.
Pirataria
Nessas andanças pelo país, Dias também fez uma constatação importante: a pirataria estava disseminada, praticamente sem controle. Achando que estavam tomando vantagem ao conseguir acessar todo tipo de canal a partir de uma caixinha pirata, as pessoas não estavam percebendo que muitas vezes aquela era uma fonte de malware, roubando dados dos usuários. Um problema complexo, que ainda precisa ser atacado com veemência. "Eu acho que a única forma de combater a pirataria vai ser através da compreensão, o entendimento das pessoas do mal que aquilo causa a elas e à família delas", observa ele, ressaltando que é difícil cravar um número de aparelhos piratas.
Relações institucionais no Rio
Desde janeiro de 2020, André Dias responde pela diretoria de relações institucionais e projetos especiais do Grupo Globo no Rio de Janeiro, sendo subordinado à área que tem como vice-presidente Paulo Tonet Camargo.
Pouco tempo depois, a pandemia da Covid-19 foi decretada, e André Dias precisou se adaptar ao trabalho remoto, com poucas exceções: “Eu falava com o Tonet só por videoconferência e às vezes estourava algumas bombas, e eu tinha que ir para o palácio. Eu fui até Brasília inclusive, mas aviões vazios, de máscara”, relembra. E ele trabalhou também para garantir a continuidade do trabalho jornalístico, canal essencial de informação para a população. “Niterói [no Rio de Janeiro] impediu a entrada de carros na cidade, e a gente precisava entrar com os carros de jornalismo. Então, tive que ir em Niterói conversar com o prefeito para que fosse aberta essa exceção, para que a gente pudesse trabalhar com as informações.”
Dentre as várias funções de Dias no cargo, está a condução de políticos de Brasília aos Estúdios Globo. "As pessoas muitas vezes não sabem o tamanho e o potencial da Globo, os políticos não têm a dimensão de como é uma das maiores empregadoras do Brasil, que gera muitos impostos. Através de seus produtos, ela é luz e farol para tendências que ganham todo o país", afirma Dias.
FONTE:
Depoimento de André Dias ao Memória Globo em 23/10/2023. |