Conhecido como uma das principais vozes da imprensa do Rio de Janeiro – afinal, há mais de 20 anos, ele assina a mais importante coluna do maior jornal do estado – o sergipano Ancelmo Gois é jornalista por profissão e vocação. Começou sua carreira ainda enquanto estudante secundarista, como organizador do arquivo de clichês na Gazeta de Sergipe. Fez parte do movimento estudantil que se opôs à ditadura e chegou a ser preso. Depois de uma temporada exilado em Moscou, baseou-se na cidade do Rio de Janeiro, que adotou como sede de seu coração. Embora tenha sido jornalista de economia e diretor da sucursal da revista Veja no Rio de Janeiro, é como colunista que se tornou conhecido em todo o Brasil. Antes de assumir o posto vago com a saída de Ricardo Boechat de O Globo, inaugurando a coluna que leva seu nome, trabalhou na coluna Informe JB, no Jornal do Brasil, assinou a Radar, na Veja, e passou pela experiência do site Notícias Opinião, um dos pioneiros no jornalismo digital do país.
Trajetória
Natural da cidade sergipana de Frei Paulo “com muito orgulho”, Ancelmo Resende Gois nasceu em 15 de setembro de 1948 e desde a adolescência exerce a profissão pela qual é apaixonado, o jornalismo. Filho da dona de casa Maria Resende Gois e do comerciante e funcionário público Euclides Gois, Ancelmo Gois começou a trabalhar em jornal aos 14 anos, na Gazeta de Sergipe, como organizador do arquivo de clichês, no tempo em que as páginas eram impressas a partir de chapas de zinco.
Logo depois, tornou-se repórter e passou a cobrir todo tipo de assunto: das reclamações da população para a editoria Geral, passando por esporte, política e até cinema. Ainda adolescente secundarista, liderou manifestações de estudantes contra o regime militar, o que o levou à prisão, em 1968, cinco dias após a decretação do Ato Institucional nº 5. “Eu estava na rua, liderando os estudantes, sem ter uma noção muito sofisticada da política e sem qualquer parentesco com qualquer ideologia mais sofisticada de origem marxista”, esclarece. Foi na cela que se aproximou de militantes do Partido Comunista Brasileiro e realmente aprendeu sobre marxismo, algo com que apenas flertada antes de ir para a cadeia. Ao sair, cerca de 40 dias após a detenção, filiou-se, finalmente, ao partido – um movimento que o levou a exilar-se em Moscou. “A partir do momento em que fui preso, isso resultou em um processo na auditoria militar. Não esperei esse processo ser julgado, e o partido me trouxe até o Rio de Janeiro – eu nunca tinha vindo ao Rio de Janeiro; olhava para Copacabana, tantas mulheres nuas ali, achava um negócio impressionante. Eles me colocaram outra identidade, e fui para Moscou com um nome falso. Lá, estudei em uma escola chamada Komsomol Soviético – uma escola que existia naquele tempo e que formava jovens quadros para o movimento comunista operário”, conta.
Abril, Veja e JB
Na volta, no final de 1970, passou a trabalhar para o PCB no Rio de Janeiro, até que a repressão desarticulou seus militantes e dificultou o financiamento de suas atividades. Em busca de emprego, Ancelmo conseguiu indicação para fazer matérias como freelancer para revistas técnicas da Editora Abril. Nesse período, a editora estava formulando um projeto para uma publicação de negócios, que viria a dar origem à Exame, primeiro como encarte e depois como revista. Engajado na novidade, Ancelmo acabou se especializando em jornalismo econômico.
É como jornalista de economia que Ancelmo Gois vai para a Veja, em 1973, no que foi sua primeira passagem pela revista. Enquanto trabalhava, cursava a primeira turma de Jornalismo da Faculdade Hélio Alonso. Em 1985, foi contratado pelo Jornal do Brasil para assinar uma das mais importantes colunas da imprensa brasileira – Informe JB –realizando uma espécie de sonho profissional: “O Jornal do Brasil era o jornal mais importante do Brasil, e o Informe JB era a coluna de notas mais importante do Brasil”. No jornal, ainda fez parte da equipe que ganhou o prêmio Esso de contribuição cultural com O Rio de Machado de Assis, em 1989.
Seis anos depois, em 1991, Ancelmo voltou para a revista Veja, com a missão de chefiar a sucursal carioca da revista e assinar outra coluna famosa, a Radar, que fazia sucesso com suas notas exclusivas. “O Brasil tem um xodó por colunas de notas. Talvez, certamente seja o único país importante no mundo, ou com alguma importância, onde a coluna tem uma característica muito especial”, analisa o jornalista.
Pioneiro na internet
No início dos anos 2000, quando a internet ainda era incipiente no Brasil e o jornalismo digital parecia uma aventura, Ancelmo decidiu pedir demissão do comando da Veja para integrar um time de jornalistas de alto nível na criação do site Notícias Opinião (NO). “Depois de oito anos na Veja, me deu vontade de descobrir alguma graça a mais na vida. Sempre achei que um friozinho na barriga ajuda. Acho que quem fica parado é poste”, comenta o jornalista, que assinou 500 colunas no veículo. A experiência pioneira lhe rendeu um aprendizado fundamental para a migração rumo ao universo digital que o jornalismo experimentaria nas décadas seguintes.
Em O Globo
Em 2001, o diretor de O Globo, Merval Pereira, ofereceu a Ancelmo Gois uma oportunidade desafiadora: substituir seu amigo Ricardo Boechat na produção de uma das principais colunas do jornal. “Minha pretensão desde o início era fazer da coluna uma espécie de resumo de O Globo. Se imagino que 20% do jornal seja política; quero colocar 20% de política na minha coluna. Imagino que 20% seja economia; quero colocar 20% de economia. Tento fazer essa mistura que o Globo faz no seu conjunto”, explica.
Como já havia acontecido no JB e na Veja, o espaço se tornou uma referência para a cobertura de política, economia e costumes, publicando muitas notas exclusivas e furos de reportagem – como o escândalo do Propinoduto, que envolvia fiscais do Rio de Janeiro e foi revelado por Ancelmo em 2002, dias antes da posse da nova governadora, Rosinha Garotinho, e a descoberta do Pré-Sal, anunciada em primeira mão numa nota, em 2006. Outra característica da coluna, que conta com a colaboração de vários jornalistas desde a sua criação, é o forte vínculo com o Rio de Janeiro, exaltado nos textos sempre que possível, apesar das muitas mazelas da cidade. “Apesar das malvadezas, de morte e sangue, essa cidade é, ao mesmo tempo, muito generosa, muito gostosa”, comenta. O espaço também tem canal aberto com seus leitores, de quem recebe fotos, denúncias e comentários os mais variados – bons e ruins.
A coluna do Ancelmo esteve diariamente, durante quase 20 anos, nas páginas do jornal O Globo. Esse trabalho levou o jornalista a receber diversas vezes o Prêmio Comunique-se, na categoria Colunista/Notícia, e ser reconhecido como um dos principais profissionais brasileiros do ramo. Em 2020, a coluna passou a ser publicada na versão impressa do jornal aos sábados, mantendo-se diária na internet.
FONTES
Depoimento concedido ao Memória Globo por Ancelmo Gois em 31/01/2005; “Entrevista — Ancelmo Gois” In site da Associação Brasileira de Imprensa, 14/08/2009. |