Por Memória Globo

Bob Paulino/Memória Globo

Com uma carreira inteiramente desenvolvida em São Paulo, Ana Escalada sempre foi uma jornalista de televisão. Mesmo quando atuou em programas que não tinham perfil jornalístico, nas TVs Gazeta, Record e Cultura, conseguiu espaço para trabalhar com notícias, seu interesse desde a adolescência. Iniciou sua trajetória na Globo, em 1995, convidada por Carlos Nascimento a integrar o grupo de profissionais do ‘São Paulo Já’, em um momento de reformulação de linguagem no telejornal. Começou como editora, passou a chefe de redação e, a partir de 2020, tornou-se diretora de Jornalismo.

Acho que para o jornalismo, a fake news em si não é um desafio tão grande. Acho que o nosso desafio é nos contrapor à fake news com força, com solidez, mostrando que a gente tem um espaço de relevância e que a nossa curadoria é importante.

Ana Escalada em entrevista ao Memória Globo, 2022 — Foto: Bob Paulino/Memória Globo

Ana Maria Escalada é jornalista e nasceu em 13 de outubro de 1965, em Campinas, no interior paulista. Abandonou o nome composto quando começou na profissão, porque lhe disseram que no jornalismo sua assinatura teria de ser reduzida. Profissionalmente, passou a ser, então, apenas Ana Escalada. A escolha da carreira não tem relação com sua história familiar, foi uma decisão natural, motivada por interesses demonstrados por ela desde a adolescência. Seus pais - José Escalada Sanchez, já falecido, e Bibiana Calzada Martinez - foram imigrantes espanhóis que vieram para o Brasil em busca de oportunidades. Apesar de ser formado em Engenharia Agrônoma, José Escalada acabou trabalhando para a indústria automobilística. Bibiana Martinez cuidava da casa e dos quatro filhos do casal.

Quando Ana Escalada tinha 14 anos, escutou um amigo dizer que queria ser repórter, porque jornalista sabe de tudo. Ela, que gostava de escrever, achou a ideia genial: de uma só vez faria o que lhe dava prazer, ganharia dinheiro e ainda teria acesso a informações em primeira mão. Daí para frente, nunca pensou em ter outra profissão. Para se formar, precisou sair de Campinas, pois estudou na Universidade Metodista, em São Bernardo do Campo. Bem mais tarde, já com a carreira consolidada, complementou a formação ao se especializar em Inovação, na Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo.

Início na profissão

A primeira oportunidade profissional surgiu na TV Gazeta, em 1987. Ana Escalada havia participado da produção de um vídeo, na faculdade, que ganhou prêmio em um festival promovido pelo Museu da Imagem e do Som. No lançamento do trabalho, que tinha o músico Arnaldo Antunes como tema, ela esteve em contato com Marcelo Machado, diretor de programas na TV Gazeta. Aproveitou para pedir a ele um estágio e ganhou chance melhor: soube que havia uma vaga para assistente de produção no ‘TV Mix’, programa de Serginho Groisman. Candidatou-se e conseguiu o emprego. Em entrevista ao Memória Globo, Ana Escalada contou que, “logo no começo, eu pude entender todo o processo de televisão, e sinto que isso me ajudou durante toda a carreira. Então, eu sabia cada pedacinho do processo, o que precisava para gravar, produzir, editar. O programa tinha uma parte noticiosa, então comecei a fazer algumas notícias de internacional”.

Em 1987, ano em que a jornalista iniciou essa primeira experiência, a estrutura das redações era muito diferente, na comparação com a atual, em função do avanço tecnológico. A jovem profissional usava máquina de escrever e recebia informações das agências de notícias internacionais por telex, um aparelho lento que muitos jornalistas iniciantes de hoje sequer ouviram falar. Ela deixou a TV Gazeta, em 1989, para trabalhar em um projeto da Secretaria de Cultura da prefeitura de Santo André, em São Paulo. A inciativa permitia que crianças de escolas municipais tivessem acesso a conteúdos audiovisuais.

Ana Escalada voltou à televisão cerca de dois anos e meio depois. Contratada pela TV Record, em São Paulo, começou no programa de Ney Gonçalves Dias, de cunho bem popular. Em seguida, foi transferida para o ‘Jornal da Record’, mas não ficou muito tempo na emissora. Passou a trabalhar como editora do programa ‘Fanzine’, da TV Cultura, apresentado primeiro por Marcelo Rubens Paiva e, na sequência, por Zeca Camargo. A atração não tinha perfil jornalístico, mas trazia reportagens, editadas pela jornalista. Do ‘Fanzine’, Ana Escalada foi para o ‘Vitrine’, programa sobre os bastidores da televisão, numa época em que trabalhava também na Abril Vídeo e na ESPN. Jornada tripla de quem buscava comprar o primeiro imóvel.

Contratada pela Globo

Em 1995, a convite do jornalista Carlos Nascimento, teve início sua trajetória na Globo. Nascimento desejava fazer uma renovação de linguagem no jornalismo e contratou Ana Escalada para ser editora do ‘São Paulo Já’. “Eu fiquei nervosa uns 15 dias, porque era um compromisso muito grande. Eu sabia que eu estava falando para muita gente, era muito sério aquilo. Era um jornal muito noticioso, muito rigoroso na apuração, acho que aprendi a apurar mesmo com o Nascimento”, afirma. Uma das reportagens marcantes desse período foi a que mostrou, em 1996, as consequências da explosão ocorrida em um shopping em Osasco, motivada por um vazamento de gás. Pela primeira vez, a jornalista pôde perceber como, em um acontecimento muito mobilizador, os profissionais são capazes de atuar de forma sincronizada, como peças de um relógio, para colocar no ar as informações no menor tempo possível.

Em maio de 1996, o 'São Paulo Já' saiu do ar, dando espaço ao 'SP2', onde Ana Escalada passou a trabalhar. Em 2008, ela seguiu para o ‘Profissão Repórter’, como editora. Na época, em seu início no programa, fez uma edição que a marcou. Durante uma enchente em Santa Catarina, a repórter Thais Itaqui entrou em um supermercado no momento em que o estabelecimento estava sendo saqueado, com a água pela cintura das pessoas. Thais Itaqui se surpreendeu com a situação. Em vez de fazer uma edição tradicional, Ana Escalada deixou a imagem falar por si, o saque foi mostrado sem interferência, às vezes em silêncio, às vezes com alguma música ao fundo. “É difícil você ter esse espaço, mas é legal quando a televisão permite que você entre numa situação junto com o repórter, é quase como uma coisa imersiva. Acho que foi muito forte”, avalia.

Programa 'Profissão Repórter' sobre a enchente em Santa Catarina, 02/12/2008

Programa 'Profissão Repórter' sobre a enchente em Santa Catarina, 02/12/2008

A cobertura das manifestações de 2013, quando Ana Escalada já era editora-chefe, também foi um momento importante. Em seu último programa no ‘Profissão Repórter’, antes de assumir a função de chefe de redação dos jornais locais, em São Paulo, a jornalista editou o material que os repórteres enviavam durante a cobertura do movimento. Havia o esforço logístico e a dificuldade de compreender o fenômeno, já que não existia um comando para guiar os manifestantes nem uma pauta de reivindicações clara.

'Profissão Repórter' sobre as manifestações de junho de 2013, 18/06/2013

'Profissão Repórter' sobre as manifestações de junho de 2013, 18/06/2013

Chefe de redação

Na nova função, como chefe de redação dos jornais locais, Ana Escalada deixou de coordenar 12 profissionais para ficar à frente de 100 pessoas. Em vez de um programa semanal para cuidar, tinha três telejornais diários como desafio: ‘Bom Dia, São Paulo’, ‘SP1’ e ‘SP2’. Uma das maiores diferenças que encontrou, na comparação com o período em que esteve no ‘SP2’, foi a liberdade e a mobilidade para produzir matérias ao vivo. Pelo avanço técnico, não havia mais necessidade de usar as unidades móveis de jornalismo, veículos pesados com equipamentos de transmissão. Aparelhos portáteis permitiam que o trabalho fosse feito de forma mais prática pelos repórteres. Nessa época, também foram criados projetos especiais, para os três telejornais, como o ‘Anda São Paulo’, que discutia a mobilidade urbana, e o ‘Respirar’, que tratava da qualidade do ar.

Em 2015, uma reformulação interna permitiu a integração entre as equipes da TV aberta, do G1 e da GloboNews. O processo levou ao planejamento de coberturas em conjunto. Em 2022, o G1 São Paulo integrou-se completamente à editoria, passando a ficar sob a mesma supervisão dos profissionais da TV. “Está sendo um aprendizado duplo, porque a gente sabe bastante de televisão, mas sabe pouco de digital. Então a gente está aprendendo muito sobre audiência, sobre estratégia, sobre as métricas”, explica.

Acho que a gente ganhou muita mobilidade, o jornalismo ficou mais desafiador, muito mais difícil, porque essa instantaneidade te obriga a ter uma avaliação muito mais rápida da informação – e da solidez dessa informação.

A greve de caminhoneiros de 2018 foi um dos momentos em que essa atuação conjunta se mostrou muito bem azeitada. Ana Escalada acompanhava a apuração do switcher da TV Globo (onde se faz o comando da transmissão) e compartilhava o trabalho dos repórteres em diferentes plataformas, com entradas ao vivo na GloboNews. O uso cada vez maior de dados para a produção de matérias também se beneficia desse encontro.

Pandemia

Na pandemia de Covid-19, decretada em março de 2020, um consórcio de veículos de imprensa se formou para levar aos cidadãos informações sobre o avanço da doença e, posteriormente, sobre a vacinação, incluindo jornalistas que trabalham em sites, jornais e TV.

Uma dificuldade da pandemia foi: como a gente conta a história dessas pessoas sem poder se aproximar delas? Porque o jornalista vive de proximidade, precisa de intimidade, precisa de olho no olho, precisa de confiança.

Do ponto de vista pessoal e profissional, a Covid-19 trouxe grandes impactos. Com a casa em obras, Ana Escalada ficou por um tempo no apartamento de uma amiga, longe de seu filho. Na Globo, precisou trabalhar na reorganização das dinâmicas internas. Na medida em que reuniões passaram a ser virtuais, alguns jornalistas precisaram ficar em casa, por integrarem grupos de risco, e entrevistas começaram a ser realizadas remotamente. “Para as equipes na rua foi muito duro, acho que mais do que para a gente que ficou na redação. Você sair para a rua quase vazia, sabendo que ali está o perigo, é uma coisa assustadora”, pontua.

Diretora de jornalismo

No final de 2020, Ana Escalada foi convidada a se tornar diretora de Jornalismo da Globo São Paulo. Deixou, então, de cuidar especificamente do noticiário local para atuar pensando em todos os telejornais, além de assumir outras atribuições, como lidar com orçamentos. A construção de parcerias com outras áreas da emissora ficou mais intensa, e, no novo cargo, a jornalista buscou aumentar a autonomia das equipes, para ganhar agilidade nas decisões.

Ana Escalada segue também viabilizando projetos especiais, como o ‘Mistura Paulista’, que mostra, aos sábados, dois bairros paulistanos, trazendo curiosidades pouco conhecidas do público, como uma vinícola na Penha, na Zona Leste de São Paulo, e um restaurante afegão na Liberdade, na Zona Oeste. A jornalista também se mantém atenta à busca de novos profissionais, tarefa de que gosta muito, pela chance de ampliar a representatividade no jornalismo e encontrar talentos.

Eu gosto bastante quando o jornalismo olha para a sociedade e provoca certas discussões, ou traz luz para quem está nos cantinhos.

Ana Escalada em entrevista ao Memória Globo, 2022 — Foto: Bob Paulino/Memória Globo

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