O repórter cinematográfico Aloisio Araújo sonhava em ser locutor esportivo, para transmitir um Fla-Flu do Maracanã. Chegou a trabalhar em uma rádio, mas uma ida para São Paulo apontou um novo caminho profissional. Na capital paulista para o casamento de uma prima, Aloisio passou em frente as instalações da Globo, que ficavam na Praça Marechal Deodoro. Tomou coragem, pediu emprego e conseguiu uma vaga como assistente de cinegrafista. Começava assim, em 1972, sua trajetória na empresa. Desde então, ele se destacou na cobertura de acontecimentos de grande visibilidade, como o incêndio no edifício Joelma e o acidente com o avião da TAM. Participou também de reportagens investigativas e de eventos esportivos como as Copas do Mundo de 1982, 1994 e 2014. Hoje, em plena atividade, corre maratonas para manter-se em forma e disposto a enfrentar os desafios da profissão, que ainda é capaz de emocioná-lo.
Início da trajetória
Aloisio Araújo nasceu em 1951, na cidade sergipana de Neópolis, às margens do rio São Francisco. Seus pais, Luiz Gonzaga Araújo e Celina Ferreira Araújo, trabalhavam em uma tecelagem, enquanto o filho sonhava em ser locutor esportivo, para transmitir um Fla-Flu diretamente do Maracanã. Com 15 anos, empregou-se em uma rádio, fazendo testemunhais, mas uma ida a São Paulo apontou um novo caminho profissional. Na capital paulista para o casamento de uma prima, Aloisio passou em frente as instalações da Globo, que ficavam na Praça Marechal Deodoro. Tomou coragem, pediu emprego e conseguiu uma vaga como assistente de cinegrafista.
“Para fazer imagem e cobertura do entrevistado, a gente usava uma câmera Paillard-Bolex, uma francesa, e a Bell & Howell, que era câmera de corda. Na época, procurávamos assistir a todos os telejornais, não tinha também tanto telejornal assim, tinha o Jornal Hoje, o Jornal Nacional e o Amanhã, para um aprender com o outro”, relembra Aloisio em depoimento ao Memória Globo.
Quando Aloisio iniciou a nova carreira, os repórteres cinematográficos trabalhavam com filme 16 milímetros e aprendiam a usar filmes coloridos. A referência para Aloisio era, então, Ricardo Artner, profissional rigoroso que lhe ensinou os segredos da profissão. Após o período como assistente, sua primeira matéria como repórter cinematográfico foi a inauguração de um viaduto na Via Anhanguera pelo governador Paulo Maluf. Logo depois vieram eventos marcantes, como o incêndio no Edifício Joelma, em 1974, quando a Globo de São Paulo passou a mostrar acontecimentos de impacto ao vivo. Na tragédia, houve uma imagem clássica e triste, feita pelo colega Reynaldo Cabrera, que gerou uma discussão interna e terminou por ser apresentada ao público: um homem se jogando do prédio e chegando ao chão.
Anos de chumbo
Em atividade nos anos mais duros da ditadura, Aloisio Araújo não podia filmar manifestações, sobretudo com áudio, porque a censura considerava perigoso, pelo risco de insuflar a população. “Havia um carro chamado Veraneio que era o símbolo da ditadura no Brasil. A gente tinha que olhar para o carro meio de lado, disfarçar, senão podíamos ser presos, levados e até você explicar que não tem nada a ver um tempo se passava. Era melhor ficar longe”, recorda.
TV Cultura e retorno à Globo
Em busca de novas oportunidades, pois a Globo de então era uma empresa ainda em crescimento, Aloisio foi para a TV Cultura, onde começou como almoxarife, em 1975. Com seis meses de empresa, Vera Roquete Pinto, produtora do programa 'Panorama', precisou de um cinegrafista, e o chefe de Aloisio o indicou. Como seu trabalho agradou, ele foi promovido e se tornou repórter cinematográfico fixo da atração.
O retorno à Globo se deu justamente em função do trabalho no 'Panorama'. Com liberdade para gravar imagens de um espetáculo musical de forma diferente da convencional, ele chamou a atenção da emissora, que o convidou para voltar, por um salário maior. Foi recontratado, em 1978, inicialmente para gravar matérias de cultura para o 'Jornal Hoje'. A equipe da emissora aumentou na época, com a criação do 'Bom Dia São Paulo', e a Globo passou a investir mais em jornalismo, cobrindo acontecimentos importantes do período, como as greves no ABC e a visita do Papa João Paulo II ao Brasil, em 1980. Nesta cobertura, foi acompanhando o repórter Ernesto Paglia. “Saí com o Ernesto Paglia pelo país, para entrevistar as pessoas que iam encontrar com o Papa. Ele vinha hoje a São Paulo e amanhã ia, por exemplo, para Salvador, encontrar com a Mãe Menininha do Gantois. A gente já ia antecipando a programação dele, nós gravamos antes, uns dois meses antes, rodei várias capitais com o Paglia para fazer isso”.
Esporte e Copas do Mundo
A cobertura de eventos esportivos, sobretudo de futebol, fazia parte da rotina de Aloisio Araújo. Em 1981, ele viajou com os repórteres Roberto Cabrini e Carlos Tramontina a diversos países da América do Sul para mostrar a seleção em jogos das eliminatórias da Copa do Mundo. No ano seguinte, o repórter cinematográfico foi convocado para a Copa da Espanha e, no país, esteve ao lado do repórter Reginaldo Leme acompanhando a seleção da Rússia. Os dois foram detidos durante o trabalho, porque subiram em um muro para fazer uma imagem do treino, que estava fechado para a imprensa.
Outras três Copas em que Aloisio atuou foram as de 1994, nos Estados Unidos; 1998, na França e a do Brasil, em 2014. “Faço pouco jogo, fico mais no factual, que envolve as pessoas, os costumes. Por isso, nos Estados Unidos, eu e o Caco Barcellos fizemos, durante a Copa, a final da NBA entre o Chicago Bulls e New York Knicks. E nós fomos convidados para a festa do vencedor no vestiário! Estavam lá Stevie Wonder, Spike Lee, Jane Fonda, só figurão. Eu falei: ‘Não acredito’, e o Caco: ‘Não dá nem pra tirar foto aqui’”, se diverte.
Em 1998, na França, além do evento esportivo, fez reportagens especiais sobre a cultura francesa, com o chef Olivier Anquier. Eles percorreram o país durante dois meses.
Na Copa do Brasil, em 2014, sentiu uma grande diferença em relação aos equipamentos que usara antes, agora mais leves e capazes de viabilizar transmissões ao vivo de qualquer ponto. Para quem no início da década de 1970 precisava apresentar os principais lances de uma partida de futebol com rolos de filme que só permitiam gravar 12 minutos, tratava-se de uma mudança significativa.
'Globo Repórter'
A reformulação do 'Globo Repórter', em 1984, fez com que Aloisio fosse convidado a se integrar ao programa, que ganhava outro perfil, com repórteres (antes eles não apareciam), equipamentos e mais verba de produção. A primeira edição que fez, com Tonico Ferreira, recebeu o prêmio do III Encontro Internacional do Meio Ambiente e Natureza, realizado na França. Os dois foram a Vila Parisi, em Cubatão (SP), para denunciar os problemas gerados pela poluição na cidade, entre eles o nascimento de crianças com anencefalia.
Como a redação do 'Globo Repórter' ficava no Rio de Janeiro, o repórter cinematográfico voava todas as segundas-feiras de São Paulo para a cidade, até 1990, quando o programa ganhou um espaço físico próprio na capital paulista. Durante esse período, cobriu acontecimentos como a campanha das Diretas Já, em 1983 e 1984, e o enterro de Tancredo Neves, em 1985.
Aloisio também fez muitas viagens para fora do país. Com a repórter Isabela Assumpção esteve na Turquia, onde gravou imagens do berço de ouro no Palácio Topkapi e andou por Éfeso, local em que Cristo teria se reunido com os apóstolos. Mais uma vez com Ernesto Paglia, o jornalista com quem mais trabalhou, foi ao Quênia fazer um 'Globo Repórter' sobre a caça ilegal de elefantes. “No caminho, vimos uma chita, animal muito rápido e difícil de encontrar. Paramos e esperamos três horas para gravar o salto dela, parecia um balé aquilo, ela voa em cima da savana, dá o bote na gazela e traz a gazela para os filhotes”, descreve.
Outra matéria importante no 'Globo Repórter' foi a cobertura da retirada das ossadas de desaparecidos políticos no Cemitério de Perus, em São Paulo. Aloisio, Caco Barcellos e o produtor Maurício Maia estiveram em Manaus, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Ouro Preto e Porto Alegre para ouvir familiares dos militantes. O programa acabou arquivado durante um período e, com a entrada de Evandro Carlos de Andrade como diretor de Jornalismo, pôde ser liberado para exibição, em 1995. A reportagem ganhou o Prêmio Líbero Badaró.
Crack em São Paulo
Quando o crack ainda não era uma droga muito conhecida, em 1994, Aloisio conseguiu mostrar em detalhes o tráfico e o consumo na região da “cracolândia”, em São Paulo. “Tive o privilégio de filmar uma cena que eu acho que até hoje ninguém fez. Chegamos por volta de três da manhã com uma câmera em um saco, porque ninguém podia ver aquilo. Quando o dia estava começando a clarear, chegaram os traficantes, era um tal de acende crack pra lá e pra cá. Aí uma cena chamou muita atenção: um garoto negociou a compra, sentou numa mureta e ficou de frente pra mim – eu estava na sobreloja de um prédio. E a gente vê a reação dele, desde a hora em que ele acende o cachimbo. Ele estava normal e então começa a entrar num estado de êxtase, de convulsão, começa a tremer”, narra.
Tragédias
Acompanhando processos eleitorais desde a redemocratização, em viagens de candidatos como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, Aloisio cobriu a tragédia que envolveu o ex-governador Eduardo Campos, em 2014: da queda do avião em que ele estava, em Santos (SP), até o velório que reuniu milhares de pessoas no Recife (PE). Com um equipamento que permitia a entrada ao vivo a qualquer instante, chegou às oito horas da manhã e mostrou, durante toda a programação, imagens do público que se despedia do político.
Mais de 20 anos antes, no réveillon de 1988, quando a tecnologia não era a mesma, Aloisio foi pego de surpresa ao sair da festa de uma socialite com a repórter Glória Maria. O que seria uma cobertura amena tornou-se correria, pois o naufrágio do Bateau Mouche, no Rio de Janeiro, exigiu que os dois se deslocassem rapidamente para a Marina da Glória, onde se concentravam os parentes de quem estava na embarcação. Eles ficaram até o meio-dia atualizando as informações e entrevistando pessoas, quando então outra equipe assumiu a tarefa. Em 2007, o acidente com o avião da TAM em São Paulo foi outro momento marcante. Ele estava em um restaurante quando soube da notícia, pelo repórter Carlos Tramontina, e nem lembrou de pagar a conta ao sair, para participar desde o início de um acontecimento que mobilizou toda a redação.
Manifestações de 2013
As manifestações de rua em 2013 criaram situações de tensão para repórteres e cinegrafistas ainda vivas em sua memória. “Cobrir aquelas manifestações foi pior do que guerra, porque na guerra você sabe onde o problema está. Ali, não, você está filmando e pode sofrer uma pedrada do lado, de trás. Tomara que os radicais não apareçam nunca mais, porque aquilo ali era selvageria total, eu juro que eu saía com medo, eles são contra tudo e contra todos”, diz.
Em 2014, com o repórter Thiago Scheuer, o cinegrafista participou da cobertura de uma romaria, a pé, até a cidade de Aparecida. A equipe saiu da zona leste de São Paulo com os romeiros e seguiu pela via Dutra, durante cinco dias, caminhando até o Santuário de Aparecida. "Esse trabalho teve grande repercussão a ponto de em outubro do ano passado, quando da comemoração dos 300 anos do aparecimento da santa, ser novamente retomado, por um caminho novo. Novamente, Thiago Scheuer e eu, além do auxiliar Max, saímos de Mogi das Cruzes, de novo a pé, transmitindo a façanha dos romeiros, em tempo real, no Bom Dia SP e SP1. Durante cinco dias, andamos 160 quilômetros até Aparecida. Na chegada fui entrevistado ao vivo diante do Santuário e homenageado pela equipe, na entrada ao vivo do Bom Dia SP", conta com orgulho.
50 anos da Globo
Longe da apreensão daqueles dias, a comemoração dos 50 anos da Globo, em 2015, trouxe um momento de especial emoção para Aloisio. Sua foto apareceu no 'Jornal Nacional' pela autoria de uma imagem que correu o mundo: os corpos dos presos mortos no massacre do Carandiru, em 1992. Como conhecia profissionais do Instituto Médico Legal, o repórter cinematográfico conseguiu que um deles deixasse, por 30 segundos, uma porta aberta por onde se viam as vítimas e os caixões na parede. A gravação, exclusiva, teve grande impacto.
Maratonista
Em 2007, preocupada com a saúde dos repórteres cinematográficos, a Globo decidiu pagar a maior parte do valor da academia de ginástica que cada um deles escolhesse para manter a forma e o bem-estar. Na academia que escolheu, Aloisio Araújo conheceu um grupo de maratonistas amadores e decidiu se juntar a eles. Desde então, correu 19 maratonas no Brasil e em cidades como Grécia, Barcelona, Buenos Aires, Punta del Este, Roma, Berlim e Paris, além de ter participado de dezenas de provas de percurso menos extenso.
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Aloisio Araújo deixou a emissora em novembro de 2018.
FONTE:
Depoimento de Aloisio Araújo ao Memória Globo em 22/06/2015 e 08/10/2015. |