Por Memória Globo

Renato Velasco/Memória Globo

Formado em Comunicação Social e Ciências Sociais, Ali Kamel, iniciou sua carreira como estagiário no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trabalhou como repórter e redator da Rádio Jornal do Brasil e, em 1989, entrou em O Globo, como chefe de reportagem dos jornais de bairro. Quando foi convidado a assumir a direção executiva do Jornalismo da Globo, em 2001, havia acabado de ser promovido a diretor executivo no jornal. Em 2009, tornou-se diretor da Central Globo de Jornalismo. A partir de 2013, primeiro na direção-geral de Jornalismo e Esportes, depois, com a criação da Divisão de Esportes, como diretor-geral de Jornalismo, foi o responsável por assegurar a linha editorial dos programas jornalísticos da emissora.

Na Globo, Ali Kamel participou de momentos históricos do jornalismo, como o assassinato do jornalista Tim Lopes (2002), a morte do Papa João Paulo II (2005), a eleição de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos (2006), o incêndio na boate Kiss (2013), entre outros. Dentre os mais importantes projetos que ajudou a liderar estão as coberturas das eleições presidenciais. Desde 2002, a Globo investe na produção de séries e projetos especiais, como a 'Caravana JN', o 'JN no Ar' e 'O Brasil Que Eu Quero' – os dois últimos, concebidos pelo próprio. Participou, ainda, do Conselho Editorial do Grupo Globo, que reúne os jornalistas em cargos de direção nas empresas, e é autor dos livros "Não Somos Racistas" (2006), "Sobre o Islã" (2007) e "Dicionário Lula" (2009).

Sou um operário da informação. Somos “despossuídos”, no sentido em que não somos donos do jornal. Só temos como capital as nossas matérias, fontes e textos. E, se a gente se embrutece diante da repetição do dia, acaba fora da profissão.

Ali Kamel na festa de 50 Anos do Jornal Nacional, 2019 — Foto: Marcos Serra Lima/Globo

Início da carreira

Ali Ahamad Kamel Ali Harfouche nasceu no Rio de Janeiro no dia 1 de janeiro de 1962, em uma família de imigrantes sírios. O pai Ahmad Kamel chegou ao Brasil nos anos 50 e na Bahia, conheceu Zeny com quem se casou e teve quatro filhos: Mamede, Leila, Samira e Ali, os dois últimos gêmeos. “Houve o clássico casamento entre o chamado ‘turco’ e uma baiana”, recorda-se Ali Kamel em depoimento ao Memória Globo.

Apesar de ter estudado árabe durante três anos, e as palavras obviamente não lhe soarem estranhas, Ali Kamel não aprendeu a língua porque, em casa, o idioma falado era o português. Também não herdou a vocação pelo comércio, mesmo sendo o pai considerado o maior especialista em tapete persa no Rio. Os estudos se voltaram para a chamada área de Humanas. Ali prestou vestibular para Ciências Sociais e, por influência e sugestão de parentes e amigos, decidiu fazer simultaneamente o curso de Comunicação Social. Em 1983, formou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, em 1984, em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Trabalhou no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como estagiário, em 1982. Naquele ano, também como estagiário, começou a trabalhar como repórter da Rádio Jornal do Brasil. Sua incumbência era cobrir a apuração das eleições para o Governo estadual, Assembleia Legislativa, Câmara dos Vereadores, Câmara dos Deputados e Senado Federal. Antes mesmo de concluir a faculdade de Jornalismo, foi contratado pela emissora. Após um período como repórter, tornou-se redator. Deixou a rádio para ingressar na imprensa escrita em 1985. Começou na revista Afinal, como repórter. No ano seguinte, foi promovido a chefe da sucursal da publicação no Rio de Janeiro. Em 1986, trabalhou como editor-assistente da sucursal carioca da revista Veja.

Jornalismo impresso: O Globo

Ali Kamel começou a trabalhar em O Globo em 1989. Convidado pelo jornalista Henrique Caban, superintendente de redação do jornal, sua primeira função foi a de chefe de reportagem dos jornais de bairro. Em seguida, tornou-se chefe de reportagem da editoria Geral (atualmente, editoria Rio), cargo que ocupou por um ano, quando coordenou a cobertura da onda de sequestros que dominou a cidade, tendo como ápice a libertação do empresário Roberto Medina, registrada em primeira mão pelo jornal. No ano seguinte, foi promovido a editor do 'Segundo Caderno'. Ficou menos de um ano no suplemento cultural e foi nomeado editor-executivo, assumindo a responsabilidade de supervisionar todos os suplementos de O Globo.

Em 1991, a convite de Evandro Carlos de Andrade, diretor de redação do jornal, transferiu-se para Brasília como diretor da sucursal na capital federal. Nesse momento, participou da cobertura do processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, uma cobertura marcante em sua trajetória profissional. Dois anos depois, voltou ao Rio de Janeiro, agora para assumir o cargo de editor-chefe adjunto de O Globo.

Foi responsável, nesse momento, pela criação do 'Painel dos Leitores', seção do jornal que realizava uma pesquisa diária na qual os leitores davam opiniões sobre a edição do dia, desde o conteúdo das reportagens até a pontualidade na distribuição dos exemplares. A iniciativa de O Globo foi pioneira na imprensa e inspirou outros jornais no mundo.

Em 1995, Merval Pereira assumiu a direção de redação do jornal, e Ali foi promovido a editor-chefe, cargo que ocupou até março de 2001, quando foi promovido a diretor-executivo. Ao longo dos anos, o jornalista acompanhou vários momentos importantes da história do jornal, como a reforma gráfica, a implantação de O Globo Online e a inauguração do novo parque gráfico. Em sua gestão, O Globo ganhou inúmeros prêmios, entre os quais se destaca o Esso pela série de reportagens sobre documentos secretos da Guerrilha do Araguaia.

Entrada na Globo

Em junho de 2001, com a morte de Evandro Carlos de Andrade, então diretor de jornalismo e esportes, Carlos Henrique Schroder assumiu o seu lugar, e Ali foi convidado a trabalhar na TV, na função de diretor executivo da Central Globo de Jornalismo. Três meses após sua entrada na Globo, ajudou a coordenar a cobertura do atentado às torres do World Trade Center, em Nova York, quando a emissora permaneceu ininterruptamente sete horas no ar, noticiando o atentado ao vivo.

No ano seguinte, participou de outro momento importante no jornalismo da Globo — a cobertura das eleições de 2002. O planejamento começou a ser feito no ano anterior. A grande novidade proposta por ele, inédita não somente na Globo, mas em outras emissoras, era levar os candidatos à Presidência para entrevistas, ao vivo, na bancada, em três telejornais de rede — 'Bom Dia Brasil', 'Jornal Nacional' e 'Jornal da Globo' — e nos programas da GloboNews.

Também em 2002, acompanhou um dos momentos mais trágicos do jornalismo da emissora — a morte do jornalista Tim Lopes. Na madrugada do dia 2 de junho de 2002, Tim Lopes foi morto enquanto realizava uma reportagem sobre tráfico de drogas em um baile na favela da Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro. Após confirmada a morte do jornalista, o 'Jornal Nacional' produziu uma edição especial em sua homenagem. Além de depoimentos de amigos do repórter, o telejornal foi encerrado com aplausos de toda a redação.

Em 2004, Ali Kamel acompanhou todo o processo das eleições americanas. O planejamento teve início em agosto, três meses antes das votações, e o destaque da cobertura foi o deslocamento da equipe para Washington. Em 2005, coordenou, na Itália, a cobertura da morte do Papa João Paulo II. Outro momento marcante na trajetória profissional do jornalista foi o projeto de cobertura das eleições de 2006, que teve como destaque a 'Caravana JN'. Uma equipe de jornalistas percorreu todas as regiões para retratar a situação de diversas cidades brasileiras. A 'Caravana JN' usou um ônibus especialmente equipado para a viagem e, em algumas áreas, até mesmo um barco. O 'Jornal Nacional' era ancorado de cada cidade visitada. Esse projeto, inteiramente idealizado por Ali Kamel, acabou por ser o ponto de partida para outra proposta nas eleições presidenciais de 2010: o 'JN no Ar'. Com um avião dedicado ao projeto, repórteres viajavam para cidades brasileiras, de todas as regiões do país, sorteadas durante a edição do 'Jornal Nacional' da véspera.

O desejo de aproximar os telespectadores dos locais onde ocorrem importantes acontecimentos, levou Ali Kamel a estimular a ancoragem dos apresentadores do 'Jornal Nacional' fora do estúdio. Assim, a morte do Papa João Paulo II e a eleição de Bento XVI, em 2005; as eleições de George Bush, em 2004, e de Barack Obama, o primeiro presidente americano negro, em 2008 e 2012; as enchentes em Santa Catarina, em 2008; a Rio+20 em 2012; a eleição do Papa Francisco e a Jornada Mundial da Juventude, em 2013, foram algumas coberturas que contaram com a presença de um dos apresentadores do JN noticiando no local do fato.

Ali Kamel em depoimento ao Memória Globo, 2016 — Foto: Renato Velasco/Globo

Emmy Internacional: Notícia

A cobertura da ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão pelas forças de segurança do estado do Rio Janeiro e a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em 2010, é considerada histórica por Ali Kamel. O jornalismo da Globo mobilizou uma grande equipe de jornalistas para cobrir o acontecimento ao vivo: repórteres no local, Globocop (helicóptero do jornalismo), produtores no switcher, jornalistas e especialistas em segurança no estúdio. Ali Kamel decidiu se juntar à equipe para acompanhar a cobertura que simbolizava a libertação da área do domínio dos traficantes e a recuperação da região pela população local.

Para Ali e os jornalistas da Globo, havia um significado a mais: foi numa das favelas que compõem o Complexo do Alemão que o jornalista Tim Lopes fora assassinado havia nove anos. A edição do 'Jornal Nacional' desse dia sobre a ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão ganhou o Prêmio Emmy Internacional de 2011. “Um dos nossos melhores repórteres veio com a notícia de que o cruzeiro, que era o alto da favela Vila Cruzeiro, e exatamente o local onde o Tim tinha sido queimado, havia sido tomado. Eu fiquei desesperado para que a gente tivesse essa cena. A única possibilidade era o helicóptero. Então, no switcher, tem uma parte onde você se comunica com os repórteres que estão nos pontos de vivo, e você fala com o helicóptero daquele lugar. E quando eu me virei para dizer: ‘Olha, a gente tem que achar o helicóptero. Eles têm que focalizar, o Tyndaro está dizendo que eles estão lá, no ponto em que o Tim foi morto’, eu olho e quem está naquele momento na coordenação? O Bruno, filho do Tim. Todos se emocionaram. Era a exata expressão do que a gente tinha prometido: continuar contando a história que o Tim tinha sido impedido. E no desfecho da história que o Tim começou a escrever, o filho dele. Eu dizia que nós jornalistas íamos ser herdeiros da reportagem que ele não pôde concluir, porque foi assassinado. E acabou que o filho dele, um herdeiro natural, participou desse desfecho”, contou o jornalista.

William Bonner, Ali Kamel e Fátima Bernardes na comemoração da conquista do prêmio Emmy pelo Jornal Nacional, 2011 — Foto: João Cotta/Globo

Direção-geral de Jornalismo

Em julho de 2009, a Globo implantou a direção-geral de jornalismo e esportes (DGJE). Com a mudança, Ali Kamel assumiu a direção da Central Globo de Jornalismo. Em setembro de 2012, foi anunciado que o jornalista Carlos Henrique Schroder passaria a ocupar o cargo de diretor-geral da Globo no início do ano seguinte. Com as novas mudanças, Ali assumiu a direção-geral de Jornalismo e Esportes. Com a missão de dar continuidade ao jornalismo baseado na pluralidade, isenção e busca pela apuração precisa dos fatos, Ali observa que o trabalho no telejornalismo é essencialmente coletivo. “O JN, por exemplo, tem que noticiar aquilo que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo nas últimas 24 horas. Essa coisa ‘o que é mais importante’ vai se definindo ao longo do dia, com pequenos debates que começam na redação. Você vê o que as agências estão dizendo, a repercussão no mundo. No fim, vira um funil, e ao noticiar você cumpre aquelas regras da pluralidade, da isenção”.

Em janeiro de 2013, um incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), tirou vida de 242 jovens e deixou 382 feridos. Ali Kamel lembra da decisão de enviar os apresentadores dos principais telejornais para ancoragens ao vivo: “Foi num sábado para domingo, e as redações estavam em regime de plantão. A virtude de uma boa redação é saber ver que aquilo é um assunto que vai ganhar uma dimensão incrível. No domingo logo cedo percebemos o tamanho da tragédia. Então enviamos os apresentadores para o local”. Os apresentadores dos telejornais de rede voaram a bordo do avião 'JN no Ar' e ancoraram de Santa Maria: Ana Luiza Guimarães para o 'Bom Dia Brasil'; Sandra Annenberg para o 'Jornal Hoje'; William Bonner para o 'Jornal Nacional'; e Christiane Pelajo para o 'Jornal da Globo'. No domingo seguinte, a edição do 'Fantástico' reproduziu a boate, em tamanho real, para detalhar o que aconteceu. “Foi uma das coberturas, para os jornalistas que lá estiveram, mais difícil de fazer. As pessoas voltaram arrasadas”. O 'Fantástico' e o JN foram indicados ao Emmy 2014 pela cobertura do incêndio na Boate Kiss.

Em outubro de 2016, foi criada uma nova estrutura para a área de Esportes – integrando os programas e noticiários esportivos da Globo e da Globosat, as transmissões de eventos esportivos e a produção de conteúdo do globoesporte.com e sportv.com – sob a liderança de Roberto Marinho Neto. Com essa mudança, Ali Kamel assume a função de diretor-geral de Jornalismo da Globo. Ali participou ainda do Conselho Editorial do Grupo Globo que reúne os jornalistas em cargos de direção nas empresas.

Em 2017, o 'Jornal Nacional' ganhou um novo cenário com a inauguração do novo prédio da Redação de Jornalismo da Globo, no Rio de Janeiro. “Pensando no bom jornalismo, os acionistas investiram e conseguimos integrar o g1, parte da GloboNews e a redação. A gente tem que encantar o público de tempos em tempos, o público espera que a Globo emocione, mesmo no jornalismo. É um projeto belíssimo que deu supercerto”.

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No impresso

De maio de 2003 a junho de 2009, Ali Kamel escreveu uma coluna quinzenal na página Opinião do jornal O Globo. É também autor dos livros "Não Somos Racistas" (2006), 'Sobre o Islã" (2007) e "Dicionário Lula" (2009), publicados pela editora Nova Fronteira.

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Em dezembro de 2023, após mais de 34 anos no grupo, sendo 22 deles na TV Globo, Ali Kamel se aposentou da função de diretor-geral de jornalismo e tornou-se Coordenador do Conselho Editorial do Grupo Globo.

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