Durante mais de 25 anos, Alberto Pecegueiro foi o principal executivo à frente da Globosat. Embora sua trajetória se confunda com a história da TV paga no Brasil, sua carreira começou no impresso. Ainda adolescente, foi pioneiro na criação de uma revista de surfe brasileira, o que o levou a fundar a própria editora, ainda quando era estudante de jornalismo. Trabalhou na Rio Gráfica, que seria o embrião da Editora Globo, até 1986, onde liderou importantes projetos, como o lançamento da revista feminina Criativa. Na Editora Abril, chegou a diretor de Publicações. Sua entrada no mundo da televisão se deu em 1993, quando assumiu o cargo de diretor de Marketing na recém-criada Globosat. No ano seguinte, os serviços de infraestrutura de cabeamento para a TV paga, que até então estavam dentro do escopo de atuação do canal, foram transferidos para uma empresa criada especificamente para este fim: a Net Serviços. Com isso, a Globosat se tornou uma programadora de canais, com a única preocupação de colocar conteúdo no ar, e Pecegueiro passou a ser o diretor-geral. Sob seu comando atento, a empresa enfrentou desafios e transformações tecnológicas, cresceu, se expandiu e alcançou reconhecimento como referência no país. No início de 2020, Pecegueiro deixou a Globosat e aceitou o convite para fazer parte do conselho administrativo do Grupo Globo.
Filho de Alfredo de Faria Pecegueiro do Amaral – arquiteto – e Ione Coutinho Pecegueiro do Amaral, Alberto Carlos Pecegueiro do Amaral nasceu no dia 7 de novembro de 1957, no Rio de Janeiro. Inspirado pela profissão do pai, começou a estudar engenharia, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, no final da década de 1970. Paralelamente, o jovem se aventurava na fotografia e nos primeiros passos de uma carreira que se revelaria sua verdadeira vocação. Com amigos, criou a Brasil Surf, uma revista de surfe pioneira no país, em 1975. Não demorou até decidir trocar de curso e estudar jornalismo, na Facha (Faculdades Integradas Hélio Alonso), onde se formou, em 1981.
Para viabilizar a publicação da Brasil Surf – e da Brasil Skate, criada logo depois – Alberto Pecegueiro fundou uma editora. “O dia em que vi a primeira edição da Brasil Surf saindo da linha de acabamento da gráfica – aquela esteira com aquele monte de revista, uma em cima da outra –, eu tive a certeza de que não faria mais nada da vida, que aquilo seria o meu futuro. Tudo o que eu queria fazer era revista. E me dediquei, visceralmente, durante esse tempo todo, a aprender o ofício”, conta ele, que comandou apaixonadamente a Brasil Surf Editora até ser contratado pela Rio Gráfica, editora de propriedade do jornalista Roberto Marinho, que seria o embrião da Editora Globo. Partiu dele a iniciativa de procurar a empresa para apresentar suas publicações, com esperança de que pudessem integrar o portfólio da editora de grande porte.
“Fui lá com 20 e poucos anos. Sentei-me cheio de razão para ensinar à Rio Gráfica como se fazia revista. Afinal de contas, eu devia entender muito mais disso do que eles. Contei a história toda, como fazia sentido e tal. Aí, o Filipe Zander [superintendente] olhou para mim e falou: ‘Olha, você fica tranquilo aí, porque se eu não comprar sua editora, te arrumo aqui um emprego de office-boy’”.
Apesar da ironia, o executivo gostou do rapaz cheio de autoestima e convidou-o, em 1979, a ser coordenador editorial. Sua primeira tarefa foi fazer um levantamento do modelo de produção da revista Vela e Motor.
Na Rio Gráfica, Pecegueiro participou de sucessos de venda, como uma revista de receitas da cozinha baiana, aproveitando o êxito da novela Gabriela (1975); a criação da divisão de fascículos da editora; e o lançamento da revista Criativa, destinada ao público feminino, considerado então o mais promissor. Outra iniciativa importante de que fez parte foi o contrato com Mauricio de Sousa, que trouxe para a editora a Turma da Mônica e todos os seus gibis – uma tiragem de dois milhões de exemplares por mês. Naquele momento, em 1986, a Rio Gráfica já havia se transformado na Editora Globo, com a compra da marca “Globo”, que, no setor, pertencia a uma tradicional família gaúcha de livreiros.
Passagem pela Abril
Alberto Pecegueiro ocupava o cago de diretor da Divisão de Revistas quando, por uma questão de estratégia, a Editora Globo foi se direcionando para o mercado de livros e outros formatos. Foi, então, para a Editora Abril, em São Paulo, para liderar o lançamento da revista Superinteressante, ainda em 1986. Logo passou para outros títulos, como Placar e Náutica, e, em seguida, acumulou todas as revistas femininas e masculinas. Em 1992, tornou-se diretor de Publicações. Nesse início dos anos 1990, no entanto, a Abril passava por uma grande reestruturação e, depois de seis anos na empresa, Pecegueiro resolveu seguir novos rumos. Aceitou o convite de Antonio Athayde, então diretor da recém-criada Globosat, para atuar nesse novo mercado.
Na GloboSat
Assim, em 1993, começava a história de Alberto Pecegueiro na TV por assinatura, como diretor de Marketing. Instalado, inicialmente, em uma casinha de fundos na Avenida Brasil, em São Paulo, e, depois, no mesmo prédio em que trabalhou na Editora Globo, no bairro do Rio Comprido, no Rio de Janeiro, ele teve grandes desafios. “Subestimei a demanda física de ter de aprender todo um novo negócio e performar ao mesmo tempo. Tinha de montar uma empresa, desenvolver a marca, montar estrutura, contratar gente, botar para funcionar, fazer reuniões”, relembra.
Com o tempo, Antonio Athayde percebeu que havia um conflito inerente entre as atividades de programar canais e, concomitantemente, de prover estrutura física de cabeamento para a instalação do serviço na casa dos consumidores. Por isso, decidiu dividir os negócios, criando a Net Serviços para se ocupar da infraestrutura. Ofereceu, então, a Alberto Pecegueiro a possibilidade de dirigir a Globosat, preocupando-se apenas com a produção de conteúdo. A oferta foi recebida com grande alegria, pois permitiria que Pecegueiro voltasse a trabalhar com o que mais o gratificava: conteúdo. Assim, em 1994, tornou-se diretor-geral da empresa.
No novo cargo, apresentou aos acionistas da empresa um plano estratégico que tinha, entre seus pontos principais, a proposta de ampliação do número de canais oferecidos aos telespectadores. A concretização do plano levou ao lançamento da GloboNews, do Canal Brasil e do Canal Universal, entre outros, além da criação de canais adultos e da multiplicação de opções no Telecine e no SporTV. No segmento infantojuvenil, o lançamento do Gloob, em 2012, foi um grande sucesso. O canal tornou-se um líder de audiência, vendendo, inclusive, parte de sua produção no mercado internacional.
Em 15 anos, a Globosat saiu de 60 mil para 5,8 milhões de assinantes. À medida que a programadora ganhava corpo, começava a aproximar-se da TV Globo. Em 2004, a emissora foi contratada pela Globosat para produzir o SporTV; um ano depois, o Viva entrava no ar, trazendo programas que já tinham feito sucesso na Globo.
Outra vertente importante no crescimento da Globosat foi o esporte. Para a transmissão de competições de grande porte, foi preciso ampliar canais – às vezes, apenas pontualmente, para eventos específicos –, e viabilizar avanços tecnológicos. Ainda em 1998, Pecegueiro foi pioneiro ao lançar o pay-per-view do Campeonato Brasileiro. Para a Copa do Mundo (2014) e os Jogos Olímpicos (2016) no Brasil, e a Copa do Mundo da Rússia (2018), investimentos de vulto permitiram a implantação de um sinal de fibra ótica, a transmissão em 4K e até a cobertura de competições, ao vivo, sem caminhão de externa.
Antes do 4K, quando o HD (High Definition) ainda era a principal inovação no universo das imagens, o aumento da qualidade da geração e transmissão motivou a criação de canais específicos. É o caso do Off, em que várias modalidades esportivas ganharam programas especiais, realizados por produtoras independentes, com apuro. Sobre esse tipo de interação, Alberto Pecegueiro destaca a importância da Globosat como impulsionadora do audiovisual no país.
“A Globosat é, desde cedo, a maior contratante de produção independente brasileira. Tivemos um papel fundamental, e isso tende a seguir assim. Com a quantidade de canais que a gente tem, não faz nenhum sentido verticalizar a produção”.
Fase de crescimento
A fase mais expressiva de crescimento da TV paga coincidiu com o período de maior ascensão social no país, da primeira década do milênio até 2015, quando a base de assinantes chegou a 19 milhões. Nos cinco anos posteriores, o número caiu para 15 milhões. Uma perda que, para Pecegueiro, está relacionada à queda de renda, à pirataria e à concorrência do streaming. Atenta às urgências da transformação digital, a Globosat, sob liderança de Pecegueiro, também investiu na criação de suas próprias plataformas. Em 2011, lançou o Muu, reunindo acervo de programas exibidos pelos canais da programadora. Quatro anos depois, entrou também no mundo do streaming, com a criação do Globosat Play. Com isso, a programação passou a ficar disponível aos assinantes também pela internet, um serviço que aumenta o potencial de venda de canais à la carte, como o Combate, para quem gosta de lutas, e o Premiere, para os apaixonados por futebol.
Olhando para o futuro, a Globosat desenvolve projetos como o VIU Hub, uma unidade de negócios dedicada à produção de conteúdo digital para redes sociais e patrocinadores. “Uma área de confluência, com ideias para atrair talentos das mídias sociais e gerar soluções que possam se transformar em conteúdo para comercialização. Em alguns casos, só para mídias digitais, sem passar pelos canais lineares; em outros casos, conteúdos 360º, que estejam nas mídias digitais e nos canais”, pontua. Nessa linha, o canal do Globosat Play no YouTube supera 240 milhões de visualizações. “A velocidade com que formatos são criados acaba refletindo as tendências da sociedade. Isso é uma coisa com que a gente sempre se preocupa. A gente não quer se cristalizar nas verdades e sempre mantém uma certa pressão para enxergar de onde está vindo a mudança”, ressalta Pecegueiro, cujo olhar atento levou a Globosat a ser praticamente sinônimo de TV paga no Brasil.
No início de 2020, em meio às transformações que reuniram Globo, Globosat, Globo.com, Globoplay, DGCorp – a área corporativa do Grupo Globo – e Som Livre em uma só empresa, mais ágil e eficiente, Alberto Pecegueiro deixou a direção-geral da Globosat. Foi, então, convidado a fazer parte do conselho de administração do Grupo Globo e segue apoiando a empresa nas negociações com seus parceiros de distribuição.
FONTES:
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Alberto Pecegueiro em 12/07/2010 e 02/03/2020; “Globo anuncia saída de Alberto Pecegueiro” in: Meio & Mensagem, 18/11/2019; “Executivo que ajudou a criar Globosat deixa Grupo Globo” in: Folha de S. Paulo, 18/11/2019. |