Por Memória Globo

Acervo/Globo

O ‘Linha Direta’ abordava casos policiais misteriosos e ainda sem solução, incluindo assassinatos, sequestros, desaparecimentos e crimes que marcaram época, através da reconstituição dramática dos acontecimentos e entrevistas com testemunhas e autoridades. Ao final dos episódios, um número de telefone era disponibilizado para que os telespectadores fornecessem pistas e informações que levassem à solução dos casos e à prisão de bandidos foragidos da Justiça.

É um programa de utilidade pública. Reparar erros cometidos pela Justiça, cobrar a negligência das autoridades, promover as investigações que deixaram de ser feitas por motivos obscuros [...].
— Hélio Costa, em matéria do jornal O Globo na época da estreia do programa

O 'Linha Direta’ foi inspirado em atrações de sucesso nos Estados Unidos, como ‘Yesterday, Today and Tomorrow’ e ‘The Unsolved Mysteries’. Idealizador e apresentador do 'Linha Direta', o jornalista Hélio Costa pretendia adaptar o conceito dos programas norte-americanos a um formato brasileiro, com doses de suspense e mistério.

“Eu peguei esse programa americano – ‘The Unsolved Mysteries’ – e dei um jeito brasileiro nele, eu dei um formato brasileiro. Comecei a misturar mistério com caça policial e criamos aqui no Brasil o mesmo que tinha nos Estados Unidos: ‘Se você conhece essa cara, se você conhece quem é, ligue para cá, o telefone é esse’, explica Hélio Costa.

Período: 29/03/1990 – 17/07/1990; 27/05/1999 – 06/12/2007 | Dia e horário: quintas, 22h50; 22h

Hélio Costa em 'Linha Direta', 1990 — Foto: Jorge Baumann/Globo

Suspense e mistério

Na estreia, em 29 de março de 1990, o 'Linha Direta’, apresentado por Hélio Costa, tratou do caso das máscaras de chumbo, uma história misteriosa sobre dois amigos que foram encontrados mortos em um morro de Niterói, no Rio de Janeiro, em 1966. Ao lado dos corpos foram achadas duas máscaras de chumbo. A partir de entrevistas com testemunhas e especialistas, foram abordadas algumas das hipóteses sobre o crime, que incluíam ritual espiritualista e até discos voadores. Mas o programa também revelou irregularidades nos atestados de óbito e exames de necropsia dos cadáveres.

Primeiro bloco do programa de estreia do 'Linha Direta' sobre o mistério das máscara de chumbo, com apresentação de Hélio Costa.

Primeiro bloco do programa de estreia do 'Linha Direta' sobre o mistério das máscara de chumbo, com apresentação de Hélio Costa.

“Foi uma matéria eletrizante, porque tinha todo esse conteúdo de mistério, de informação misturada à realidade, quer dizer, a verossimilhança. Você começa a contar uma coisa verdadeira que se mistura com uma informação até ficcional, então fica uma coisa emocionante”, relembra Hélio Costa.

Além da reconstituição dos casos, o ‘Linha Direta’ também mostrava a cobertura jornalística na ocasião em que os crimes tinham sido cometidos e detalhes do processo de investigação. Os temas do programa eram escolhidos tanto a partir de sugestões dos telespectadores, quanto pela equipe de reportagem, que viajava o Brasil produzindo matérias e buscando pautas.

Em 1990, o programa ia ao ar às quintas-feiras, das 22h50 às 23h50. O cenário reproduzia o que seria o escritório do apresentador Hélio Costa, com uma mesa e um aparelho de telefone.

Nessa primeira fase, o ‘Linha Direta’ também contou histórias como o do desaparecimento da menina Regiane, de 6 anos, no Paraná; o roubo de peças sacras em Ouro Preto; e o assassinato de Maria Helena Pereira, líder comunitária da Rocinha.

Nova fase

Em julho de 1990, o ‘Linha Direta’ saiu do ar e só retornou à grade de programação da TV Globo nove anos depois, com apresentação do jornalista Marcelo Rezende. Idealizada pelo diretor-geral de criação Roberto Talma, essa reedição trabalhava com os mesmos elementos do programa anterior – depoimentos, jornalismo investigativo e dramaturgia –, mas dava mais ênfase ao serviço de utilidade pública. Cada edição tinha duas histórias policiais.

Em novembro de 1998, Roberto Talma e Marcelo Rezende editaram uma entrevista para o ‘Fantástico’ que funcionou como uma espécie de piloto do novo ‘Linha Direta’. A entrevista com o Maníaco do Parque, entrecortada com reconstituições de alguns dos crimes dele, rendeu alta audiência ao programa, segundo a medição da época, mas a repercussão foi negativa. “Tinha alguns graves erros de edição que eu assumo”, lembra Marcelo Rezende em entrevista ao Memória Globo.

Meses depois, sob a direção geral de Flavio Colatrello Jr., a nova fase do ‘Linha Direta’ estreou. O primeiro episódio abordou o assassinato de Paulo César Farias e da estudante Ana Carolina da Costa Lima.  

“Eu lembro que a gente estreou com a história do PC. Tinha toda uma jogada que a gente fazia de cenário. A simulação era muito próxima da realidade, sempre. A gente pegava os personagens e tentava achar a cara deles, assim, quase idênticos. A gente buscava um perfil muito parecido, e tentava, realmente, refazer as coisas”, explica Roberto Talma.

'Linha Direta': Primeiro bloco do programa sobre o assassinato de PC Farias, exibido em 27/05/1999

'Linha Direta': Primeiro bloco do programa sobre o assassinato de PC Farias, exibido em 27/05/1999

A dramatização das histórias, inspirada no gênero “docudrama” – representação baseada em fatos reais –, tinha uma encenação mais corporal, sem diálogos, com a voz de um narrador masculino contando o caso. Os atores eram desconhecidos do público.

Desde a exibição dos primeiros episódios, crimes foram sendo elucidados, foragidos da polícia foram presos, e pessoas desaparecidas foram encontradas a partir de fotografias divulgadas no programa.

Marcelo Rezende em 'Linha Direta', 1999 — Foto: Acervo/Globo

“A vida como ela é”

De acordo com Marcelo Rezende, a proposta do ‘Linha Direta’ era condenar a impunidade e retratar os casos policiais com o máximo de verossimilhança, utilizando para isso todo o conhecimento em produções dramatúrgicas da Globo. “Nós temos o maior know-how de teledramaturgia do país. Só que nós precisamos transformar isso numa história contada por seres humanos para seres humanos. Nós temos quer tirar toda a maquiagem e colocar a vida como ela é”, contou ao Memória Globo. O jornalista trabalhou sete meses montando uma equipe de 50 profissionais, entre os quais 20 jornalistas, e contou com o apoio do Acervo da TV Globo.

'Linha Direta': Primeiro bloco do programa sobre o sequestro de Wellington Camargo, irmão dos cantores sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano. Exibido em 09/12/1999.

'Linha Direta': Primeiro bloco do programa sobre o sequestro de Wellington Camargo, irmão dos cantores sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano. Exibido em 09/12/1999.

Quando uma história era escolhida para ser representada no programa, um repórter viajava para apurar os fatos. O material gravado, com entrevistas e imagens dos lugares onde o caso ocorreu, era entregue ao núcleo de roteiro, que criava a história baseada nos fatos. De posse do roteiro, o núcleo de produção – que incluía, entre outras áreas, cenografia, maquiagem, dublês, efeitos especiais e figurino – se reunia para viabilizar o programa, de acordo com a linha artística estabelecida pelos diretores.

Em 2000, Milton Abirached assumiu a função de diretor-geral. A partir de maio, o ‘Linha Direta’ ganhou recursos de computação gráfica e especialistas em diversas áreas passaram a estar mais presentes no programa ajudando a esclarecer os casos retratados. Em agosto do mesmo ano, o jornalista Domingos Meirelles substituiu Marcelo Rezende na apresentação do programa.

Esse é um programa muito grande, é um casamento entre o jornalismo e a dramaturgia.
— Domingos Meirelles

Domingos Meirelles em 'Linha Direta', 2000 — Foto: Acervo/Globo

“Esse é um programa muito grande, é um casamento entre o jornalismo e a dramaturgia. [...] Ele depende muito da cenografia. É um dos poucos programas da casa em que várias centrais caminham de mãos dadas. É um programa que depende muito da engenharia, depende muito da produção, depende muito do jornalismo”, lembra Domingos Meirelles. E ele completa contando que o público é quem sempre define o programa. As pessoas encaminham suas queixas, e a equipe de produção discute internamente os casos. “É feita uma seleção desses casos. Isso é discutido internamente, é discutido com advogados da casa. Depois, então, as equipes vão ao local para ouvir os envolvidos direta ou indiretamente, não só as famílias das vítimas, como as famílias dos procurados. Depois tem toda uma discussão também com a dramaturgia.”

Para Domingos Meirelles, o programa é tão atraente porque funciona como a “única janela de esperança” para um “grande exército de excluídos”, que procuram a televisão com uma expectativa muito alta de solução dos casos policiais. “Eles não acreditam mais na polícia, não acreditam mais no judiciário. Não acreditam. Mas acreditam na televisão e acham que a televisão é capaz de resolver aquela tragédia que acompanha aquela família ou aquelas famílias há alguns anos.”

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Alguns casos resolvidos com a ajuda do programa

6 fotos
Galeria de Fotos - Linha Direta

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O último episódio de ‘Linha Direta’ foi ao ar em dezembro de 2007. Diversas entidades ligadas aos Direitos Humanos se manifestaram a favor da continuidade do programa. A Globo emitiu, em janeiro de 2008, a seguinte nota: "A respeito das manifestações de entidades ligadas aos Direitos Humanos pela continuidade do programa ‘Linha Direta’ – por seu reconhecido interesse público –, informamos que a TV Globo passou a adotar o sistema de temporadas. Mesmo com êxito e importância comprovados, os programas têm sua exibição suspensa, passando por uma reavaliação para nova exibição futura. Agradecemos pelo reconhecimento e esperamos voltar em breve com uma nova versão de ‘Linha Direta’”.

'Linha Direta': Primeira parte do último 'Linha Direta' a ir ao ar nos anos 2000. Exibido em 06/12/2007.

'Linha Direta': Primeira parte do último 'Linha Direta' a ir ao ar nos anos 2000. Exibido em 06/12/2007.

Central telefônica

O ‘Linha Direta’ contava com uma central telefônica disponível 24 horas por dia e, a partir de 2000, com uma página na Internet e um endereço de e-mail para receber denúncias de telespectadores, sempre com garantia de sigilo total. Entre 1999 e 2007, o ‘Linha Direta’ ajudou a polícia a capturar mais de 400 foragidos.

Em 2002, o programa recebia uma média de duas mil ligações por semana e aproximadamente 1,5 mil e-mails por mês.

Algumas denúncias resultaram em prisão antes mesmo que o programa fosse ao ar. A exibição dos retratos dos procurados nas chamadas do ‘Linha Direta’ foi o suficiente para que eles fossem localizados. A prisão mais rápida da história da atração aconteceu menos de uma hora depois que uma foto foi mostrada no programa, como destacou O Estado de S. Paulo, em matéria de maio de 2004.

Informações do 'Linha Direta', 06/10/2001 — Foto: Site do 'Linha Direta'

A popularidade do programa era tal que no presídio Aníbal Bruno, em Recife, três bandidos presos graças às denúncias do programa foram apelidados de “Linha Direta 1, 2 e 3”. Alguns foragidos se entregaram à Justiça ao saberem que os seus casos seriam pauta do programa. O objetivo era impedir as edições de irem ao ar, porque eles já estariam presos. Também era uma forma de evitar que os crimes se tornassem conhecidos em todo o Brasil. Exemplos desses casos são: Nelson Carpen, um estelionatário de Santa Catarina; e Omar Souto, pintor de Goiás acusado de abuso sexual de menores de idade. Em ambos os casos, os programas foram exibidos pela emissora para não incentivar esse tipo de manobra.

Até 2002, três foragidos mostrados no programa foram localizados em países do exterior – Espanha, Estados Unidos e Itália –, presos e deportados para o Brasil. O foragido que somou o maior número de denúncias sobre o seu paradeiro (cerca de 500) foi um psicopata chamado Vampiro, que havia fugido de um manicômio judiciário de São Paulo.

Reconhecimento

Em setembro de 2002, representantes do Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos Humanos e de parentes de vítimas de crimes impunes reafirmaram a importância do programa. Em um documento entregue à TV Globo, o 'Linha Direta’ é citado como de utilidade pública e papel fundamental em um país que não dispunha de um cadastro nacional de procurados.

Um ano depois, a TV Globo recebeu a medalha Tiradentes na sede da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) pela iniciativa de produzir e veicular o ‘Linha Direta’. A maior comenda oferecida pelo poder legislativo do Rio foi entregue ao jornalista Domingos Meirelles, em uma cerimônia que contou com a presença de representantes de entidades de direitos humanos e parentes das vítimas dos crimes retratados pelo programa. Além da entrega da medalha, a Alerj publicou no Diário Oficial do Estado uma moção honrosa que citava nominalmente cada funcionário envolvido na produção do ‘Linha Direta’.

O programa 'Linha Direta' sobre a Chacina de Vigário Geral, exibido em outubro de 2004, recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, na categoria TV Documentário.

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Ficha Técnica

Apresentadores: Domingos Meirelles, Hélio Costa, Marcelo Rezende
Direção-geral: Milton Abirached, Roberto Talma
Diretores: Adriano Coelho, André Felipe Binder, Flávio Colatrello Jr, Luís Antônio Piá, Edson Erdmann, Frederico Mayrink, Luis Felipe Sá, Paulo Gheli, Pedro Carvana, Milton Abirached, Ricardo Paranaguá, Walmor Pamplona
Diretor de produção: Alexandre Ishikawa
Assistentes de direção: Aldo Picini, Oscar Francisco
Repórteres: Elayne Cirne, Fábio Lau, Marcelo Faria de Barros, Mônica Marques, Wilson Aquino
Gerente de produção: Verônica Esteves
Produtor musical: Edon Oliveira
Diretor de fotografia: Fred Rangel
Produtores-executivos: Mário Alves
Coordenadores: Andreia Hollanda, Ângelo Tortelly, Haroldo Machado, Gustavo Vieira, Flávio Araújo, Sônia Israel, Vera Daflon
Produtores de jornalismo: Camila Avancini, Camila Machado de Assis, Danielle Ferreira, Didier Dutra, Flávio Rocha, Haroldo Machado, Laila Andrade, Sandra Regina Louzada, Yáskara Laudares
Roteiristas: Charles Peixoto, Ivan Sant’Anna, Graziela Moraes, Gustavo Cascon, Sérgio Sbragia, Teresa Frota, Thiago Santiago
Supervisão de texto: Marcel Souto Maior e George Moura
Editores: Flávio Araújo, Maurício Yared, Zé Dassilva
Produção de arte: José Artur Camacho
Efeitos especiais: Vitor Klein
Computação gráfica: Mauro Heitor
Figurinista: Denise Bernardes
Caracterização: Rose Aragão
Cenografia: Carlos Eduardo KK
Criação do cenário: Lia Renha

Fontes

Fontes: Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Marcelo Rezende (25/06/2001), Roberto Talma (19/09/2005), Domingos Meirelles (03/10/2005) e Hélio Costa (30/11/2001); Boletins de programação da Rede Globo 886, 898; COSTA, Mariana Timóteo da e ANDERSON, Carter. “Um líder de audiência no combate ao crime” In: O Globo, 28/05/2000; GUEIROS, Fernando e ROCHA, Wilson. Pesquisa 25 anos/TV Globo; “Linha Direta com o crime” In: O Dia, 05/05/1999; MARON, Alexandre. “Globo reconstitui crimes famosos” In: Folha de S. Paulo, 16/05/1999; MENDONÇA, Martha, “Na cena do crime” In: Época, 29/11/1999; “O fim do Linha Direta Globo cancela gravações e viagens” In: O Estado de S.Paulo, 15/01/2008; http://linhadireta.globo.com
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