Um programa diferente de tudo o que existia na televisão brasileira na época. Em 1973, estreava na Globo uma revista eletrônica de variedades, com duas horas de duração, que reunia jornalismo e entretenimento para levar ao telespectador os assuntos relevantes no Brasil e no mundo. A atração tinha um nome à altura de suas pretensões: ‘Fantástico, o Show da Vida’.
“Considerei que era o momento de dar mais um salto na qualidade da TV Globo. Imagine um programa magazine, tipo mosaico, com jornalismo, com entretenimento de todo tipo, humor, dramaturgia, reportagens internacionais. E, então, criamos o ‘Fantástico’.” – Boni, então superintendente de Produção e Programação da Globo.
Para tirar o ‘Fantástico’ do papel, participavam das reuniões de criação: Mauro Borja Lopes, o Borjalo, então diretor da Central Globo de Produção; Armando Nogueira e Alice-Maria, responsáveis, na época, pela direção da Central Globo de Jornalismo; Daniel Filho, produtor-geral de dramaturgia naquele período; Paulo Gil Soares, então diretor da Divisão de Reportagens Especiais; os jornalistas José-Itamar de Freitas, Luiz Lobo e Luís Edgar de Andrade; os diretores de TV, na época, Manoel Carlos, Augusto César Vannucci, João Loredo, Nilton Travesso, Maurício Sherman; o autor de novelas Walter George Durst; o diretor musical Guto Graça Mello; e os produtores musicais da emissora Luiz Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli.
“Um pouco de cada coisa que a Globo tem, esse foi o primeiro briefing do ‘Fantástico’. Um pouco de novela, um pouco do que ela tem de humor, um pouco de entretenimento, diversão, um pouco do que tinha no Chacrinha, eu quero circo, eu quero de tudo. Eu quero que o ‘Fantástico’ seja o resumo da TV Globo no domingo naquela hora. Tudo que a gente tem de melhor”, explica Boni.
O nome do programa surgiu a partir da união das ideias de Ronaldo Bôscoli e Boni. “Quem ajudou a dar o nome do programa – naquela época, nós tínhamos reuniões semanais muito grandes – foi o Bôscoli, que estava trabalhando com a gente para fazer música. Eu estava pensando no ‘Show da Vida’, porque achava que ‘Fantástico’ deveria ser ‘O Show da Vida’. E aí o Bôscoli disse: ‘Não. Não vamos botar ‘Show da Vida’ nenhum; vamos botar ‘O Fantástico Show da Vida’. E eu falei: ‘tira o ‘o’ e botamos ‘Fantástico, o Show da Vida’”, lembra Boni.
Apresentadores: Maju Coutinho e Poliana Abritta | Direção: Bruno Bernardes | Chefes de redação: Luiz Petry, Roberta Vaz | Período de exibição: 05/08/1973 – NO AR | Dia e horário: domingos, às 20h45
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Entrevista exclusiva com o ex-diretor executivo Boni ao Memória Globo, sobre a criação do Fantástico.
Edição de estreia
“Neste domingo, dia 05 de agosto, às 20h, a Rede Globo apresentará o seu novo programa, ‘Fantástico, o Show da Vida’. Não se trata de uma superprodução; apenas uma colagem do cotidiano – as pequenas e grandes coisas da vida serão mostradas semanalmente. O jornalismo, o show e as variedades terão destaque, procurando representar, respectivamente, a verdade, a fantasia e o imprevisto. A notícia e a pesquisa serão os mestres de cerimônia”.
Assim o boletim de programação da emissora apresentava a nova atração dominical, que estreava em 05 de agosto de 1973, tendo como participantes fixos Cid Moreira, Sérgio Chapelin, Chico Anysio, Marília Pêra, Cidinha Campos, Sandra Bréa, Antônio Marcos e Vanuza. Na equipe de redatores estavam Marisa Raja Gabaglia, Ronaldo Bôscoli, Chico Anysio, Lafayette Galvão, Arnaud Rodrigues e Haroldo Barbosa. Coordenação geral de Jerson Alvim, com coordenação de Wilma Fraga, Ronaldo Curi, Ivan Rocha e Ito Medeiros. Na equipe jornalística estavam Alice-Maria, José-Itamar de Freitas, Jotair Assad, Paulo Gil Soares e Luiz Lobo. Na direção, estavam Miele, Maurício Sherman e Walter Avancini. Os arranjos eram de Guto Graça Mello. Direção-geral de João Loredo e supervisão geral de Augusto César Vannucci.
Armando Nogueira, diretor de jornalismo da TV Globo à época, explica o formato híbrido do ‘Fantástico’, em que jornalismo e entretenimento dialogam de forma harmônica. “O ‘Fantástico’ teve o mérito de ocupar o domingo de noite com uma mensagem jornalística de pílula dourada com entretenimento. [...] O ‘Fantástico’ é uma colagem, um mosaico, em que você apresenta a vida real, e o ‘Fantástico’ nasceu com um título duplo que chamava: ‘Fantástico, o Show da Vida’. No fundo, era o show da vida, e o show da vida abrange tudo, abrange a tragédia, abrange o drama, mas abrange também a comédia, o entretenimento. O ‘Fantástico’ conseguiu essa filosofia, esse espírito de ser um programa telejornalístico, cheio de reportagens, cheio de informação e no qual você podia apresentar também entretenimento, teledramaturgia”.
José-Itamar de Freitas participou das primeiras reuniões do ‘Fantástico’ e foi diretor-geral do programa de 1977 a 1991. Em entrevista à Glória Maria para o DVD sobre os 30 anos do programa, lembrou-se do frisson da estreia. “Eu lembro que tinha uma reportagem da Cidinha Campos sobre o congelamento de cadáveres para ressurreição. Bobagem, uma mentira, mas que alguns cientistas acreditavam que seria possível na época, talvez até seja um dia. Mas lembro que eu editei a reportagem e foi aquela correria geral, todo mundo, primeiro programa. Então, eu censurei a reportagem toda porque tinha cadáver para tudo quanto é lado. E eu, primeira reportagem minha, vinha de revista e jornal, eu cortei as cenas. Então, oito horas da noite, o Borjalo fala: ‘Cadê a reportagem final para eu dar uma olhada’. Olhou, me chamou: ‘Você está louco, só tem entrevista de ponta a ponta, não tem uma imagem de cadáver congelado. Onde você pôs?’. ‘Joguei fora’. Foram apanhar no lixo, num canto do armário. O Borjalo editou tudo, e a matéria foi para o ar.”
Manoel Carlos, diretor-geral do ‘Fantástico’ de 1973 a 1975 – João Loredo esteve no cargo nos oito primeiros programas –, conta que foi convidado para trabalhar na TV Globo exatamente para assumir a nova atração, a convite de Boni. “Em 1972, o Boni, na minha casa, me convidou, falou comigo do ‘Fantástico’. Ele queria que fosse um programa igual ao ‘Brasil 60’. [...] Eu trabalhei com o Boni na Excelsior. Eu escrevi o ‘Brasil 60’, e ele escrevia e dirigia um programa chamado ‘Simonetti Show’, que era a orquestra do Simonetti [...]. Eu fui o primeiro diretor-geral do ‘Fantástico’ no primeiro ano de existência dele. Era a vontade que o Boni tinha de fazer uma revista semanal, que era o ‘Brasil 60’, só que ao vivo e não tinha videoteipe. E, engraçado, o começo do ‘Fantástico’ tinha uma parte colorida e outra em preto e branco, porque a cor não estava estabelecida ainda”, lembra Manoel Carlos.
Os telespectadores se depararam com assuntos variados nessa primeira edição. Sandra Bréa cantou e dançou em um número musical eternizado por Marilyn Monroe. Durante alguns anos, Sandra Bréa se consagrou como a apresentadora dos números de show no ‘Fantástico’. Marília Pêra falou de ‘Amélia’, a mulher de verdade.
O programa mostrou ainda uma entrevista com o cirurgião plástico Ivo Pitanguy e um número de circo do programa americano ‘Disney on Parade’, em que um homem fazia acrobacias em um trapézio preso a um avião. Em Nova York, a repórter Cidinha Campos entrevistou Sérgio Mendes, um dos músicos brasileiros mais bem-sucedidos no exterior, e apresentou uma matéria sobre a técnica da criogenia, o congelamento de doentes terminais com o objetivo de preservá-los até que fossem descobertas as curas para as suas doenças. Ao longo do programa, o apresentador Sérgio Chapelin informava sobre o noticiário da semana. O humorista Chico Anysio, por sua vez, apresentava um monólogo cômico em quatro partes.
A edição foi encerrada com um texto especial, escrito por José-Itamar de Freitas e lido por Cid Moreira, que falava sobre “o fantástico show da vida”. Era o que a redação apelidou de “boa-noite” e que seria o fecho do ‘Fantástico’ por vários anos. No início, o texto era lido apenas por Cid Moreira. Depois, Sérgio Chapelin, Berto Filho, Celso Freitas e atores do elenco da Globo se revezavam na tarefa.
João Loredo, diretor-geral do programa em suas oito primeiras edições, conta como foi o trabalho de criação da atração. “O Boni estava querendo lançar um programa diferente, que seria o ‘Fantástico’. Então, ele me chamou. Ele conseguiu a minha rescisão da Tupi, em 1973. E eu vim. Montei a minha equipe toda e, no dia 05 de agosto de 1973, nós estreamos o ‘Fantástico’. O trabalho de criação foi saber o que seria o programa que o Boni já tinha na cabeça. [...] Não tínhamos um apresentador fixo. Quem coreografou a abertura foi o Juan Carlos Berardi. [...] A letra é do Boni e a música é do Guto Graça Mello.”
Ainda sobre a abertura, o próprio Guto Graça Mello contou ao Memória Globo como pensou na música. “Tem uma história linda com essa música, ninguém sabe, o ‘Fantástico’ nem imagina. Essa música foi composta – não aquela parte inicial, que é toda mágica – na noite do dia 23 de dezembro de 1972. O programa estreou depois. Eu estava na maternidade, minha filha tinha nascido duas ou três horas antes e, como era de 23 para 24, eles deixaram a bebezinha ficar dentro do quarto. E eu tinha um violão escondido no quarto da maternidade, sempre com um violão escondido, toda minha vida. Foi perto de meia-noite mesmo, foi uma coisa meio mágica. Ela deitadinha, todo mundo dormindo, eu peguei o violão e aquele início do ‘Fantástico’ – ‘Tundara, tundara, tundara’ – foi feito ali, na presença da minha filha dormindo, eu fiz pra ela aquele início. A outra parte não. A outra parte era comercial. E fiz essa música. O Boni ouviu e se propôs a fazer a letra, que só houve na primeira versão. [...] Então, essa é a história da abertura do ‘Fantástico’.”
Abertura do programa jornalístico Fantástico (1973)
Maurício Sherman começou a participar do processo de criação do programa na penúltima reunião antes da estreia. Ele assumiu a direção-geral de 1975 a 1977. “O ‘Fantástico’ era um programa ambicioso e realmente fantástico. Era um programa de variedades com segmentos jornalísticos. Não era um programa jornalístico, não: era um programa de variedades, principalmente de variedades, de atrações. Tanto que nós lançamos praticamente todos esses fenômenos da música”.
Em show no Maracanãzinho, a banda Secos e Molhados toca as músicas “Rosa de Hiroshima”, “Sangue Latino” e “O Vira”. Fantástico, 03/03/1974.