O ex-mafioso Tommaso Buscetta, italiano de Palermo, começou a revelar, nos anos 1980, o nome de integrantes da máfia siciliana e de políticos envolvidos com a organização. Graças às suas revelações, toda a direção da máfia e 300 integrantes da organização foram condenados à prisão perpétua. Em 1986, Buscetta foi extraditado para os Estados Unidos. Por sua colaboração contra as ações da máfia no país, obteve nacionalidade, uma nova identidade e proteção do programa de testemunhas para ele e sua família.
Foram quatro meses de espera até que a Justiça liberasse a entrevista. No período, Caco e o repórter cinematográfico Luiz Demétrio Furkim viajaram para a Itália, onde Buscetta daria mais um depoimento sobre políticos envolvidos com a criminalidade. Os primeiros contatos com o ex-mafioso foram feitos por telefone. Até a entrevista, eles se encontraram algumas vezes, para conversas informais, sempre com a presença do representante dele no Brasil, o advogado Flávio Marx. Em um desses encontros, a equipe foi avisada do risco que estava correndo, afinal estava se aproximando de um homem caçado e jurado de morte pela máfia italiana. A escolta de Buscetta era constante.
O quinto encontro antes da entrevista foi em um país que não pôde ser revelado, em um esconderijo. Caco cobriu o rosto para não ver o caminho. O cinegrafista Luiz Demétrio Furkim baixou a câmera.
Quando a liberação para a entrevista foi dada, no último dia do prazo pedido pela Justiça, o jornalista encontrou-se com Buscetta, respeitando algumas imposições. Foram proibidos de fazer perguntas sobre os processos em andamento e, por motivo de segurança, não podiam mostrar o rosto do entrevistado, modificado pela plástica, nem revelar o lugar onde foi feita a entrevista. Caco ouviu o ex-mafioso por três dias, em locais diferentes.
"A entrevista foi espetacular, uma das coisas que eu mais curti fazer na vida. (...) Eu via o Buscetta não só pela importância que ele tinha para o universo do crime, mas também como um personagem de literatura. Ele tinha uma vida única, e tentei convencê-lo a contar sua história em vez de falar sobre o poder que ele tinha na máfia. O poder fazia parte da trajetória de Buscetta, mas não era só isso", lembra Caco Barcellos no livro 'Correspondentes - Bastidores, Histórias e Aventuras de Jornalistas Brasileiros pelo Mundo'.
O repórter Caco Barcellos entrevista com exclusividade o ex-mafioso Tommaso Buscetta. Na primeira parte da matéria, o repórter conta como foi a negociação para o encontro e visita seu esconderijo na Itália. 'Fantástico', 16/07/1995.
Na segunda parte da entrevista exclusiva com Tommaso Buscetta, Caco Barcellos fala sobre a vida do ex-mafioso e sua passagem pelo Brasil, onde foi preso por duas vezes. 'Fantástico', 16/07/1995.
Na terceira parte da entrevista exclusiva com Tommaso Buscetta, Caco Barcellos mostra a cidade de Palermo, na Sicília, onde o ex-mafioso nasceu e entrou para no mundo do crime. 'Fantástico', 16/07/1995.
Na quarta e última parte da entrevista exclusiva ao repórter Caco Barcellos, Tommaso Buscetta fala sobre sua vida no Brasil e faz revelações sobre a máfia italiana. 'Fantástico', 16/07/1995.
Buscetta contou por que tinha decidido revelar o nome dos antigos companheiros. Ele perdeu 16 membros da família, assassinados. Quando a máfia começou a quebrar os “códigos de conduta”, matando mulheres e crianças, ele começou a fazer as confissões. Apontou o primeiro-ministro Giulio Andreotti como o pilar de sustentação política da máfia, e as declarações de Buscetta esclareceram mais de 500 assassinatos. Revelou também como as pessoas eram mortas – estranguladas, o corpo era jogado no ácido e, em seguida, no mar, para apagar qualquer vestígio. O caso Buscetta ficou sob a responsabilidade do juiz Giovanni Falcone, logo assassinado, substituído pelo promotor público Paolo Borsellino, também assassinado. A máfia estava disposta a calar Buscetta, mas não conseguiu. Ele morreu em 2000, aos 71 anos, de câncer.
O ex-mafioso revelou para Caco Barcellos que o momento mais difícil de sua vida foi quando perdeu seus dois filhos, mortos pela máfia. Disse que estava sempre pronto para uma emboscada e que voltar para sua terra-natal, Palermo, seria suicídio. Contou que não tinha mais medo de morrer, só não queria ser assassinado pela máfia, por uma questão de honra. Falou sobre a venda de cigarros, contrabando de leite em pó e disse não ter feito venda ilegal de drogas, como foi acusado no Brasil. Também falou do período em que viveu no país, onde foi preso, pela primeira vez, em 1971, capturado por agentes do antigo Dops, Departamento de Ordem Política e Social. Foi descoberto pelo policial mais famoso e temido na época, o delegado Sérgio Paranhos Fleury, tendo sido acusado de participar de uma quadrilha de criminosos estrangeiros. Toda a família foi detida, inclusive o filho de dois anos. Buscetta disse que não apanhou de Fleury, mas bateram nele na PM de Brasília. Só disse seu nome, não confessou nada.
Buscetta também falou de sua tentativa de suicídio, após ter sido preso em 1983, pela Polícia Federal, acusado de comandar a máfia siciliana. Tomou veneno a bordo do avião rumo à Itália, para não ser extraditado, mas foi salvo por um médico. Ao chegar à Itália, começou a entregar os mafiosos do Cosa Nostra.
O repórter cinematográfico Luiz Demétrio Furkim registrou as entrevistas. Sergio Gilz gravou as primeiras imagens, mostrando a saga da equipe, os primeiros contatos. A produção da reportagem foi de Aroldo Machado e a edição de Roberto Cavalcanti.