Por Memória Globo

Acervo/Globo

Na primeira entrevista, em 11 de novembro de 2018, a apresentadora Poliana Abritta foi a Curitiba encontrá-lo. Na ocasião, ele estava prestes a assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a convite do presidente recém-eleito Jair Bolsonaro.

Moro contou à Poliana que foi sondado pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, no dia 23 de outubro, uma semana antes do segundo turno das eleições: “Confesso que eu vi essa sondagem e fiquei tentado”. Moro, então, aguardou o resultado das urnas, e tudo foi decidido em 1º de novembro. Nesse dia, o juiz foi visitar o presidente eleito Jair Bolsonaro na casa dele, no Rio de Janeiro. Saiu de lá como futuro ministro. “Eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico”, disse Sergio Moro.

Nessa primeira conversa, Moro ressaltou que aceitou o convite de Jair Bolsonaro para implementar “uma agenda anticorrupção e uma agenda anticrime organizado que não se encontram ao alcance de um juiz de Curitiba, mas podem estar no alcance de um ministro em Brasília”.

Entrevista exclusiva de Sergio Moro à Poliana Abritta. 'Fantástico', 11/11/2018

Entrevista exclusiva de Sergio Moro à Poliana Abritta. 'Fantástico', 11/11/2018

Moro, ainda no cargo de juiz federal à época, falou ao ‘Fantástico’ sobre o julgamento do então ex-presidente Lula e as críticas que vinha recebendo sobre imparcialidade: “eu proferi a decisão em relação ao ex-presidente Lula em meados de 2017. Então, assim, eu nem conhecia o presidente eleito Jair Bolsonaro”.

Ao longo da entrevista, Sergio Moro também falou sobre a série de medidas que pretendia encaminhar ao Congresso ao longo do governo. Poliana Abritta questionou o futuro ministro sobre a proposta do presidente eleito de flexibilizar a posse e o porte de armas. E Moro explicou: “as regras atuais são muito restritivas pro [sic] posse de arma em casa. Posse é a pessoa ter uma arma dentro de casa. Não ela sair por aí passeando com a arma. Aí é porte, é diferente”.

Questionado sobre as políticas de segurança pública e as altas taxas de homicídios no Brasil, o futuro ministro não quis se comprometer com redução dos índices, mas reforçou a importância da atuação do Estado: “O Estado tem que ter uma política mais rigorosa em relação a essas organizações criminosas. Segue três padrões: investigações sólidas, direcionadas à organização e seus líderes; prisão dos líderes, isolamento dos líderes; confisco do produto da atividade criminal e do patrimônio da organização. É assim que se desmantela organização criminosa. O criminoso vai pra cadeia, o policial vai pra casa. O confronto tem que ser evitado ao máximo”.

Outro tema abordado foi a redução da maioridade penal, e Moro disse que esse tema ainda estava em discussão. “Existe uma necessidade de proteger o adolescente. É uma pessoa em formação. É inegável. Por isso se coloca a maioridade penal em 18 anos. Mas também eu acho que é razoável essa afirmação de que mesmo um adolescente entre 16 e 18 anos, ele já tenha compreensão de que é errado matar. Isso não resolve criminalidade, mas tem que se considerar a justiça individual.”

Poliana Abritta questionou o futuro ministro sobre a garantia dos direitos das minorias, uma vez que o presidente eleito disse que pretendia acabar com qualquer tipo de ativismo. Sergio Moro garantiu: “Eu não imagino, de qualquer forma, que essas minorias estejam ameaçadas. O fato de a pessoa ser heterossexual, homossexual, branco, negro, asiático... Isso é absolutamente indiferente. Nada vai mudar. (...) O governo tem que ter uma postura rigorosa quanto a crises em geral, mas também em relação a crimes de ódio. Eu não poderia ingressar em qualquer governo se houvesse alguma sombra de suspeita que haveria alguma política dessa espécie”.

Quanto ao combate à corrupção dentro do próprio governo, Sergio Moro foi taxativo, dizendo que, em caso de corrupção, deve-se analisar as provas e avaliar a consistência: “existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as cortes de justiça proferirem o julgamento”.

Sergio Moro falou sobre a repercussão da sua decisão em aceitar o cargo, uma vez que já tinha afirmado publicamente, em entrevista ao Estado de São Paulo, em 2016, que jamais entraria para a política. “Eu posso tá sendo ingênuo, mas eu estou sendo absolutamente sincero quando afirmo que, na minha visão, tô assumindo um cargo pra exercer uma função predominantemente técnica. Eu não me vejo num palanque, eu, candidato a qualquer espécie de cargo em eleições, isso não é a minha natureza.”

O então juiz falou da relação que pretendia estabelecer com o presidente eleito e sobre como se comportaria caso houve alguma divergência. “Quem foi eleito foi o senhor presidente. (...) Eu vou assumir esse cargo em janeiro, não com a perspectiva de ser demitido, mas com a perspectiva de realizar um bom trabalho e ter uma convergência com o presidente eleito. Mas, se tudo der errado, eu deixo o cargo ministerial e certamente vou ter que procurar me reinventar no setor privado, de alguma forma.” Disse também que seria indelicado ficar falando em vaga no Supremo Tribunal Federal, mas que seria uma possibilidade futura. “Quando surgir uma vaga, meu nome pode ser cogitado, como o nome de várias pessoas,” disse.

Poucos dias depois da entrevista, em 16 de novembro, Moro pediu exoneração do cargo de juiz federal para assumir o de ministro. Ele vinha recebendo críticas por estar colaborando para a formação do futuro governo, mas ainda no cargo de juiz federal. Na entrevista ao ‘Fantástico’, o futuro ministro já tinha explicado a preocupação com a segurança da sua família. Se ele sofresse algum atentado, já tendo pedido exoneração do cargo de juiz, sua família ficaria desamparada. “Não tô praticando nenhum ato oficial. E eu tenho recebido, por conta dessas políticas que nós queremos implementar em Brasília, diversas ameaças.”

Moro deixa o Ministério

Sergio Moro anunciou sua demissão do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública no dia 24 de abril de 2020. O ex-juiz federal deixou a pasta após um ano e quatro meses no primeiro escalão do governo de Jair Bolsonaro. A demissão foi motivada pela decisão do presidente de trocar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, indicado para o posto pelo agora ex-ministro. Moro saiu do governo acusando Bolsonaro de tentar interferir politicamente nas investigações da PF, vinculada à pasta da Justiça. Além disso, Moro dizia se sentir constrangido em reuniões com Bolsonaro e que não tinha espaço para rebater o presidente. A crise política se deu no pior momento para o país, enquanto milhares de brasileiros enterravam seus mortos na pandemia de Covid-19.

Um mês depois de ter deixado o cargo, Sergio Moro deu uma entrevista exclusiva à Poliana Abritta, no dia 24 de maio, por videoconferência, por conta do isolamento social. Na ocasião, ele apresentou sua versão dos fatos que o levaram a sair do governo, criticou a aliança com o Centrão e disse que Bolsonaro não se empenhou no combate à corrupção.

Entrevista exclusiva de Sergio Moro à Poliana Abritta. 'Fantástico', 24/04/2020

Entrevista exclusiva de Sergio Moro à Poliana Abritta. 'Fantástico', 24/04/2020

Logo no começo da entrevista, Poliana Abritta perguntou a Sergio Moro se ele achava que o presidente tinha cometido crime. “Veja, eu, quando deixei o governo, e fiz aquele pronunciamento e depois prestei um depoimento, deixei muito claro que nunca foi minha intenção prejudicar o governo de qualquer maneira. O que aconteceu, na minha avaliação, uma interferência política do presidente da república na Polícia Federal, tanto na direção-geral, como também na superintendência do Rio de Janeiro. Entendi, pela relevância do assunto, que era minha obrigação revelar a verdade por trás da minha saída. Cabe agora às instituições - PGR, Polícia Federal e o próprio Supremo Tribunal Federal - fazer avaliação sobre esses fatos. Na minha parte, não me cabe emitir opinião específica a esse respeito”, explicou.

Depois que Moro pediu demissão, o STF determinou a abertura de um inquérito para apurar as denúncias. O vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril foi apontado por Moro como prova da intenção do presidente de obter informações privilegiadas. “Veja, o presidente, ele externou publicamente, diversas vezes, as preocupações que ele tinha em relação aos filhos dele, né? O que existe é todo um contexto, que é a necessidade externada pelo presidente de colocar pessoas de confiança dele e uma insatisfação com serviços de inteligência que eram prestados pela PF. Agora, tem que ver o que ele entende exatamente como ‘serviços de inteligência’, que pra ele estavam insatisfatórios. (...) O que me causou mais preocupação foi, me parece, o desejo de que os serviços de inteligência prestados por esse serviço particular fossem passados a ser prestados pelos serviços oficiais.”

Moro salientou sua insatisfação em relação ao não atendimento da agenda anticorrupção. E deu exemplos: a saída do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça, a falta de apoio adequado do Planalto ao projeto anticrime e a mudança do entendimento da execução em segunda instância. “Eu tinha um compromisso com combate à corrupção, com combate à criminalidade violenta, combate ao crime organizado. E, em partes, foi realizado - especialmente à criminalidade violenta - o combate ao crime organizado. O que eu entendi, no entanto, é que essa agenda anticorrupção - e me desculpem aqui os seguidores do presidente, se essa é uma verdade inconveniente -, mas essa agenda anticorrupção não teve um impulso por parte do presidente da república pra que nós implementássemos.” E justifica não ter saído antes: “Eu fui permanecendo porque tinha esperança de avançar com essa agenda [anticorrupção]. Fui vendo essa agenda sendo esvaziada e, para mim, realmente a gota d'água foi essa interferência na Polícia Federal. Em particular porque a Polícia Federal também investiga malfeitos dos próprios governantes”.

Moro também falou sobre a atuação do governo no combate à Covid-19. Criticou as trocas no Ministério da Saúde, falou que o presidente tinha uma posição negacionista em relação à crise sanitária mundial e disse se sentir desconfortável com a gestão. “Olha, a própria questão das substituições no Ministério da Saúde, acho que são absolutamente controversas. Claro que o presidente escolhe seus ministros, mas são substituições bastante questionáveis do ponto de vista técnico. Eu quero dizer que eu também me sentia desconfortável com essa gestão. A posição do governo federal em relação à pandemia, muito pouco construtiva.”

Durante a entrevista Poliana questionou o ex-ministro sobre o seu comportamento durante a reunião - quase o tempo todo calado e de braços cruzados. Moro explicou que não havia espaço para opiniões contrárias e que estava desconfortável com várias questões: “não há espaço ali dentro das reuniões - me pareceu muito claro -, não existe um espaço ali para o contraditório.” Além disso, Moro achava que alguns assuntos não deveriam ser discutidos em reuniões ministeriais, mas sim entre ele e o presidente. Incomodado, como ele se descreveu, Moro deixou a reunião antes do término.

O ex-ministro disse que não se arrepende de ter aceitado o convite para o cargo, “porque eu entendi que eu tinha uma missão importante a realizar. (...) Eu fiz uma escolha, muito clara, e na época ela estava justificada. E fiz uma escolha também muito clara - e espero que as pessoas compreendam - quando saí do governo”.

Ao final da entrevista Poliana perguntou quais seriam os planos de Sergio Moro, em que lugar ele se encontrava em meio a pedidos para que lançasse candidatura e acusações de estar fazendo campanha. Ele disse que precisaria se reinventar: “toda essa turbulência decorrente da minha saída, da pandemia, eu estou encontrando aí uma maneira de me posicionar. Agora, o que eu sempre disse, é que eu quero de alguma forma continuar contribuindo, seja na área privada, seja no debate público, com essas discussões que envolvem o país”.

O diretor do ‘Fantástico’, Bruno Bernardes, lembra-se das duas entrevistas e da importância de cada uma delas para o cenário político nacional. "O ex-ministro Sérgio Moro deu duas entrevistas. Primeiro, quando Bolsonaro ganhou a eleição, ele foi escolhido para ser o ministro da Justiça e da Segurança, [Moro] deu entrevista para a Poliana. Depois que ele saiu do governo, ele deu outra entrevista. (...) Foi um momento em que o ‘Fantástico’ estava repercutindo o assunto mais importante do país. O então ministro Sergio Moro estava rompendo com o governo Bolsonaro alegando interferências na Polícia Federal. Nessas horas, dá aquele frisson, porque está todo mundo correndo atrás da entrevista, todo mundo correndo atrás da notícia. A gente conseguir a entrevista exclusiva é motivo de grande orgulho. (...) É um drama fazer o ‘Fantástico’ porque, quando tem uma notícia dessa, todos os telejornais vão em cima, todos os veículos, a imprensa vai em cima. E a gente só é uma vez por semana, então a gente fica ali tentando cercar e blindar. Quando a gente consegue, como nesse caso e outras entrevistas exclusivas, a gente fica muito feliz, porque é realmente bastante desafiador a gente conseguir a exclusividade. Nesse mundo de internet e rede social, todo mundo em cima. Foi uma entrevista importante na época".

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Em julho de 2022, o ex-juiz federal e ex-ministro Sergio Moro anunciou ser pré-candidato ao Senado, pelo Paraná, nas Eleições de 2022, pelo União Brasil. No mês seguinte, o partido confirmou a candidatura. Em outubro, Sergio Moro foi eleito.

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