Na manhã de 26 de dezembro de 2004, uma série de ondas gigantes, com velocidade de até 80 km/h, devastou a costa de oito países no Oceano Índico: Sri-Lanka, Indonésia, Tailândia, Maldivas, Índia, Bangladesh, Miamar e Malásia. A causa do tsunami foi o maior terremoto dos últimos 40 anos, 9 graus na escala Richter, provocado pelo choque entre duas placas tectônicas, no fundo do oceano. O epicentro foi em alto-mar, na costa de Sumatra, a 1.600 quilômetros de Jacarta, capital da Indonésia. Por causa das festas de final de ano, a região estava cheia de turistas. Estima-se que mais de 220 mil pessoas tenham morrido na tragédia.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a cobertura Tsunami na Ásia em 2004, com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
EQUIPE E ESTRUTURA
Assim que se teve notícia do tsunami na Ásia, os correspondentes Marcos Uchoa e Sergio Gilz foram enviados para a região. Basearam a cobertura em três países afetados (Tailândia, Sri Lanka e Indonésia), gerando material e fazendo entradas ao vivo para todos os telejornais de rede da Globo.
Os correspondentes nos Estados Unidos e na Europa também participaram da cobertura. Cristina Serra, Heloísa Villela e Luiz Carlos Azenha informaram sobre a repercussão da tragédia direto de Nova York, e Caco Barcellos, direto de Paris.
PRIMEIRAS NOTÍCIAS
Marcos Uchoa, então correspondente da Globo em Londres, estava em seu último dia de férias na Alemanha quando soube que algo de sério ocorrera na Ásia. Recebeu um telefonema de Ali Kamel, na época diretor executivo da Central Globo de Jornalismo, propondo que ele fosse diretamente para o Sri Lanka, onde se acreditava haver mais mortos. Sabia-se também que a Tailândia fora bastante atingida. “Eu argumentei que, naquele momento, era mais importante irmos para a Tailândia, um lugar turístico, onde haveria gente de tudo quanto é país, o que não era o caso do Sri Lanka. A notícia seria mais internacional, teria mais peso, por afetar mais países”, conta Uchoa.
O repórter cinematográfico Sergio Gilz, correspondente da Globo em Londres, juntou-se a Marcos Uchoa no aeroporto da capital. “Tudo foi resolvido ali, entre nós dois. Compramos as passagens e definimos a logística da cobertura.” Por causa da distância e dos fusos-horários, chegaram a Phuket, um balneário turístico da Tailândia, dois dias depois.
Enquanto a equipe da Globo viajava para cobrir os fatos, o Fantástico de 26 de dezembro abriu sua edição anunciando: “A fúria da natureza pega o sudeste da Ásia de surpresa. O maior terremoto dos últimos 40 anos provoca um maremoto gigante”. A cobertura contou com reportagens dos correspondentes Luiz Carlos Azenha, de Nova York, e Caco Barcellos, de Paris. O programa dominical também forneceu explicações técnicas para a formação do terremoto e trouxe notícias diretamente do Itamaraty, em Brasília, sobre os brasileiros desaparecidos.
O número de mortos foi sendo atualizado ao longo daquela edição do Fantástico pela apresentadora Glória Maria. No final, já chegava a quase 12 mil.
O DIA SEGUINTE
No dia seguinte ao tsunami, no Bom Dia Brasil, o apresentador Renato Machado informou sobre o risco de outra série de ondas gigantes atingir o sul da Ásia, e registrou novos tremores em Sumatra. Poucas horas depois, o Jornal Hoje abriu sua escalada declarando que o número de mortos já passava de 22 mil. A apresentadora Sandra Annenberg deu informações sobre os brasileiros que estavam na região: a funcionária da embaixada brasileira na Tailândia, Lys Amayo, e seu filho de dez anos continuavam desaparecidos. Imagens de cinegrafistas amadores mostraram a formação do tsunami e a inundação das cidades. A correspondente Cristina Serra entrou ao vivo, de Nova York, explicando que a Indonésia, o Sri Lanka e o sul da Índia não haviam recebido alerta contra o maremoto. Esses países não faziam parte do sistema internacional de alerta contra ondas gigantes, que funcionava apenas para países banhados pelo Oceano Pacífico, não pelo Índico.
O Jornal Nacional abriu sua edição de 27 de dezembro com flagrantes da água invadindo hotéis e cidades. No Rio de Janeiro, o repórter Vinícius Dônola entrevistou especialistas para explicar, com auxílio de ilustrações, o que estava por detrás da força destrutiva das ondas gigantes. A correspondente Heloísa Villela entrou novamente ao vivo, de Nova York, informando sobre o esquema montado pelas Nações Unidas para socorrer a região atingida pelo desastre natural, uma das mais populosas do mundo.
No Jornal da Globo, a correspondente informou que, depois das ondas, os países atingidos já eram vítimas de fome e doenças como malária e cólera. Toneladas de remédios e alimentos começavam a ser distribuídos.
PHUKET, TAILÂNDIA
Assim que Marcos Uchoa e Sergio Gilz chegaram a Phuket, começaram a produzir as matérias que iriam ao ar em todos os telejornais da emissora. “Havia cenas chocantes de destruição total, gente procurando corpos, carros revirados em cima de prédios. Era um sofrimento muito grande. Foi muito dramático esse primeiro dia. E a coisa foi piorando”, relembra Uchoa.
As primeiras cenas registradas pela dupla de correspondentes foram ao ar no JN de 28 de dezembro. A edição foi aberta pelo apresentador Márcio Gomes, com novos e alarmantes números: “Sessenta mil mortos. Milhões de desabrigados. Prejuízos de cinco bilhões de dólares. Dois dias depois do maremoto, o mundo ainda não tem a dimensão certa da tragédia no Oceano Índico”. Em seguida, Márcio Gomes anunciou a chegada dos correspondentes Marcos Uchoa e Sergio Gilz à Tailândia com uma chamada ao vivo.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre o tsunami no Oceano Índico devastou a costa de diversos países e causou a morte de milhares de pessoas. Jornal Nacional, 28/12/2004.
OS TURISTAS EM KHAO LAK
A caminho de Khao Lak, uma região hoteleira de Phuket, os jornalistas Marcos Uchoa e Sergio Gilz se depararam com uma situação crítica: “Vi algo que me deixou chocado: um caminhão grande lotado de corpos empilhados, parado num templo tailandês que serviu de mortuário. Nós descemos, havia um pessoal da Cruz Vermelha. Seguimos um rapaz dinamarquês que ia reconhecer os corpos dos pais. Sergio entrou correndo, e um fotógrafo alemão falou para mim: ‘Olha, se prepara’. A cena era horrível, um pátio imenso lotado de corpos. Um cheiro que fica na sua memória para sempre”, conta Uchoa. Apesar de o repórter cinematográfico Sergio Gilz ter capturado várias imagens desse momento, poucas chegaram a ser exibidas. “Havia pessoas afogadas, inchadas, situações muito fortes. Tínhamos que mostrar sem chocar”, lembra Gilz.
Uma das primeiras equipes a chegar a Khao Lak, os jornalistas constataram que havia muitas famílias de turistas, incluindo um grande números de crianças, entre os mortos. “O tsunami ocorreu de manhã, na hora daquele sol mais fraquinho: exatamente quando você leva seus filhos à praia, ou quando as pessoas estavam no restaurante, na hora do café da manhã”, explica Marcos Uchoa.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre a situação em Khao Lak, na Tailândia, após a passagem do tsunami três dias antes. Jornal Nacional, 29/12/2004.
DEVASTAÇÃO NO SIRI LANKA
Depois de cinco dias na Tailândia, a equipe embarcou o Sri Lanka para cobrir a repercussão da tragédia durante o tradicional ano-novo. A escolha foi de Marcos Uchoa: “Já havíamos contado a história da Tailândia. E o Sri Lanka, proporcionalmente, havia sido o país com mais mortes. Nós chegamos à capital no dia 31.”
No Jornal Nacional do último dia de 2004, Cristina Serra trouxe uma notícia desconcertante de Nova York: a catástrofe fora tão grande que o governo da Indonésia desistira de contar o número de mortos. Pela última contagem, havia cerca de 140 mil. Ainda naquela edição, Marcos Uchoa e Sergio Gilz entraram ao vivo de Colombo, capital do Sri Lanka, mostrando como a fé no país, predominantemente budista, estava ajudando a superar as perdas.
Reportagens de Marcos Uchoa e Cristina Serra sobre a situação da população do Sri Lanka após o tsunami e a chegada de ajuda humanitária nos países atingidos pela onda gigante. Jornal Nacional, 31/12/2004.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz com a brasileira Giulyanna Loureiro, sobrevivente da passagem do tsunami de 26/12/2004 por Unawatuna, no Sri Lanka. Fantástico, 02/01/2005.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre a situação no Sri Lanka após o tsunami de 26/12/2004. Jornal Nacional, 03/01/2005.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre a situação pesqueira no Sri Lanka após o tsunami de 26/12/2004. Jornal Nacional, 04/01/2005.
Na primeira edição do Fantástico de 2005, em 2 de janeiro, foi ao ar uma matéria feita com a brasileira Giulyanna Loureiro, sobrevivente. Os correspondentes da Globo a encontraram em Colombo e a acompanharam de volta à praia de Unawatuna, onde estava quando ocorreu o desastre, para realizar a matéria. “Ela havia demorado a fazer reserva, e as melhores pousadas, na beira do mar, já estavam lotadas. Giulyanna só conseguiu uma pousada no terceiro quarteirão antes da praia. Ficou muito chateada. Mas essa foi a sorte dela. Quando houve o tsunami, todo mundo que estava naquela praia morreu. Ela sobreviveu com a água batendo no pescoço”, relembra Marcos Uchoa.
Ainda no Fantástico, o correspondente César Augusto foi até o Oregon, nos Estados Unidos, mostrar um simulador de ondas gigantes. O apresentador Zeca Camargo também explicou, com o auxílio de imagens, como foi o choque das placas tectônicas que causou o maremoto.
Por terem chegado logo à região, os repórteres da Globo fizeram matérias inéditas, como a de um trem que foi arremessado longe. A composição passava a apenas 500 metros da praia e transportava cerca de 1.500 pessoas, três vezes além de sua capacidade. Só houve três sobreviventes. “Dias depois, a CNN fez a mesma matéria”, comenta Uchoa.
CONFERÊNCIA DA ONU EM JACARTA, INDONÉSIA
“A região que tinha sido atingida na Indonésia era remota, e as informações demoravam a chegar. Quando vimos a dimensão do que tinha acontecido, deslocamos Uchoa e Gilz, com muita dificuldade. A geração de matérias lá também era muito complicada”, conta Eric Hart, editor de Internacional do Jornal Nacional.
Após cinco dias no Sri Lanka, os correspondentes da Globo seguiram para Jacarta, capital da Indonésia, onde haveria uma conferência da ONU com o objetivo de ajudar os países afetados. A dupla voou no mesmo avião que o secretário-geral Kofi Annan. “Cobrimos essa reunião porque, politicamente, era a grande notícia. Obviamente, o mundo ficou muito penalizado, houve muita contribuição, muita gente deu dinheiro para ajudar”, pontua Uchoa. Foram arrecadados mais de três bilhões e meio de dólares. A matéria sobre o encontro da ONU foi ao ar em todos os telejornais da emissora.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre a reunião de líderes de vários países em Jacarta, na Indonésia, para tratar da ajuda após a passagem do tsunami em 26/12/2004. Jornal da Globo, 05/01/2005.
No dia 5 de janeiro de 2005, a edição do Bom Dia Brasil mostrou a chegada do secretário de estado norte-americano Colin Powell a Banda Achém, uma das províncias da Indonésia. Também foi ao ar a notícia de que a Unicef, agência da ONU para assistência a crianças, tentava assegurar a distribuição de água e alimentos para milhares de órfãos. Na edição do Jornal Hoje, as estimativas da Unicef: cinquenta mil crianças haviam morrido; dezenas de milhares estavam órfãs. À noite, o Jornal Nacional anunciou a chegada de Uchoa e Gilz a Jacarta, transmitindo entradas ao vivo.
BANDA ACHÉM, DESTRUIÇÃO TOTAL
Banda Achém, na Indonésia, foi duplamente atingida: pelo terremoto e pelo maremoto. Não havia luz, água ou comida. Marcos Uchoa e Sergio Gilz se recordam de saírem de Jacarta com duas mochilas cheias de bateria, câmera, água e biscoito, sabendo que aquilo seria, muito provavelmente, tudo o que poderiam consumir. Chegando à cidade, descobriram que não seria possível gerar ou enviar imagens, pois não havia internet. Sem terem onde ficar, os dois decidiram pernoitar debaixo de uma laje que havia resistido às intempéries.
“Era um teto, onde podíamos deitar no chão e dormir. No começo da noite, houve um terremoto. Engraçado, eu estava sentado no chão e balancei. Pensei: meu deus, eu não estou tão cansado assim! Era um terremoto de 6,5 na escala Richter, muito forte. Nós saímos correndo, os postes balançando. Na rua, as pessoas estavam apavoradas, correndo e tentando subir em direção a esse lugar, que era mais alto – com medo de outro tsunami”, recorda-se Uchoa.
“Ficamos lá por dois dias. As condições eram impossíveis para continuarmos trabalhando. E estávamos supercansados, depois de mais de duas semanas de cobertura”, conta Sergio Gilz. Depois de retornarem a Jacarta, os dois embarcaram de volta para Londres.
Reportagem de Marcos Uchoa e Sergio Gilz sobre a situação em Banda Aceh, na Indonésia, após o tsunami que devastou a região em 26/12/2004. Jornal Nacional, 07/01/2005.
SOB O IMPACTO DA COBERTURA
Dia 12 de janeiro, os correspondentes deram seus testemunhos ao vivo, do escritório da Globo em Londres, para o Jornal Nacional. Marcos Uchoa conta sobre a experiência: “Não estamos acostumados a sermos entrevistados, muito menos no Jornal Nacional. Mas foi uma coisa tão marcante para o mundo que acho que William Bonner, Fátima Bernardes, Ali Kamel e Carlos Henrique Schroder tiveram a vontade de que contássemos alguma coisa de bastidor, ou um pouco de como isso nos havia afetado.” No ar, os dois jornalistas falaram sobre o impacto de ver a catástrofe de perto, sobre as dificuldades de trabalhar na área afetada pelo maremoto e sobre como a experiência os marcou.
A cobertura ganhou o Prêmio Rede Globo de Jornalismo em 2005. “Foi a mais difícil que já fiz. Fisicamente, mentalmente, nos tirou a última gota que tínhamos, eu e Sergio Gilz”, conclui Marcos Uchoa. “O tsunami me marcou muito. Eu não sabia que seria tão doloroso. Em geral, sou frio o suficiente para não ficar com as cicatrizes que essa cobertura deixou”, completa Sergio Gilz.
FONTES
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por Ali Kamel (25/03/2012), Eric Hart (06/06/2011) ,Marcos Uchoa (27/09/2010), Sérgio Gilz (10/11/2008). Bom Dia Brasil (27/12/2004 a 05/01/2005); Fantástico (02/01/2005); Jornal da Globo (27/12/2004 a 05/01/2005); Jornal Hoje (27/12/2004 a 05/01/2005); Jornal Nacional (27/12/2004 a 12/01/2005). |