Por Memória Globo

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O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) foi criado durante o primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais, no estado do Paraná, no ano de 1984. Antes de virar manchete nos principais veículos de comunicação, o movimento se organizara e reunira milhares de pessoas em todo o país.

Dez anos depois da sua criação, o então editor-regional do Jornalismo de São Paulo, Amauri Soares, chamou a atenção do repórter Marcelo Rezende para uma nota publicada em um jornal do interior paulista que citava as ações do MST. O repórter foi apurar as histórias no Pontal do Paranapanema, oeste do estado de São Paulo, área que na época concentrava o maior número de invasões.

Os números do MST impressionavam: somente no ano de 1994, ocorreram 90 invasões, em 21 estados; os mais atingidos eram Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Nos acampamentos, todos os membros seguiam ordens estabelecidas pelos líderes. 

Reportagem de Marcelo Rezende sobre o cotidiano do Movimento dos Sem Terra e suas ações, coordenadas e planejadas em sigilo por um pequeno grupo liderado por José Rainha. Jornal Nacional, 25/10/1994.

Reportagem de Marcelo Rezende sobre o cotidiano do Movimento dos Sem Terra e suas ações, coordenadas e planejadas em sigilo por um pequeno grupo liderado por José Rainha. Jornal Nacional, 25/10/1994.

EQUIPE E ESTRUTURA

Partiu do editor da Globo em São Paulo, Amauri Soares, e do jornalista Marcelo Rezende cobrir de perto o crescimento do MST, situação de pouca repercussão, até então. A partir daí, a Globo desvendou e exibiu, em seus programas jornalísticos, a força de um movimento organizado e com forte orientação política que crescia em várias regiões do país.

“A questão dos sem terra foi um assunto que nasceu, cresceu e virou notícia no Jornal Nacional.Nessa época, nós começamos a ter os primeiros incidentes de invasão de terra com os sem terra no Pontal do Paranapanema. As notícias vinham das emissoras do interior: ‘Os sem terra invadiram uma fazenda’. A gente não sabia, naquele momento, nem o que era sem terra. Eu me lembro que chamei o Marcelo Rezende e a gente conversou: ‘Marcelo, vai lá para a região do Pontal do Paranapanema, vai dar uma olhada no que é isso, no que é esse movimento dos sem terra, e por que eles invadem tanto as fazendas’. Marcelo Rezende ficou várias semanas lá. Depois, nos meses seguintes, ele fez várias viagens ao Pontal do Paranapanema”, relembra Amauri Soares. 

DESTAQUES

Primeiras reportagens sobre o MST

Durante oito meses, Marcelo Rezende acompanhou o cotidiano dos sem terra. Sua primeira reportagem sobre o assunto foi ao ar no Jornal Nacional em 25 de outubro de 1994. Na matéria, o repórter explicava que as ações do MST eram coordenadas e planejadas em sigilo por um pequeno grupo liderado por José Rainha. O jornalista mostrou também que a sede do movimento funcionava numa fazenda de cinco mil hectares, em São Paulo, desapropriada havia um ano. No local, já estavam assentadas duzentas famílias.

Amauri Soares lembra que o Jornal Nacional fez uma cobertura muito extensa e aprofundada, de enorme impacto sobre o MST: “Ninguém tinha a dimensão do seu alcance, como era sua base, sua militância, sua organização. Nós mostramos tudo isso no Jornal Nacional. As pessoas não tinham ideia de que o Movimento dos Sem Terra estava aglutinando uma massa de desempregados que saía da cidade e voltava para o campo porque não tinha outra opção. Na verdade, foi um movimento social que se formou e ganhou dimensão quase em silêncio.”

Repercussão

A repercussão da reportagem de Marcelo Rezende foi imediata. No dia seguinte, um grupo de fazendeiros, impressionados com a organização do movimento e com medo de que suas terras fossem invadidas, pediu ao governo federal que agilizasse a reforma agrária. Eles achavam melhor que a questão fosse encaminhada de forma negociada para evitar conflitos.

“A repercussão foi enorme, porque o Brasil não sabia o que era o MST. O movimento dos trabalhadores rurais sem terra, um movimento altamente politizado, tinha objetivos muito claros. Estava organizado com núcleos em todo o país, e com uma estratégia de ação absolutamente clara”, reitera o editor-regional Amauri Soares.

Mesmo com o destaque dado ao tema, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) não tomou nenhuma providência para evitar as ocupações e os possíveis confrontos entre sem terra, policiais e fazendeiros. Na época, o governo de São Paulo tentou convocar os proprietários das áreas invadidas para que eles delimitassem as terras que pertenciam ao estado. Mas a proposta não deu certo. 

Cobertura contínua

Durante o ano que se seguiu, a Globo continuou cobrindo os acontecimentos no Pontal. Em 26 de agosto de 1995, foi ao ar, no Jornal Hoje, uma matéria sobre a invasão de três fazendas no mirante do Paranapanema, mostrando a chegada de um comboio formado por carros, caminhões e tratores dos sem terra. No dia seguinte, o Fantástico explicou como se davam as ocupações das propriedades rurais: os trabalhadores rurais derrubavam as cercas e queimavam o pasto.

Em outubro do mesmo ano, integrantes do MST invadiram outra propriedade da região, a Fazenda Washington, como mostrou o Jornal Hoje na edição de 2 de outubro. O Fantástico daquela semana (8 de outubro) registrou uma romaria de trabalhadores rurais na Paraíba. Eles reivindicavam pressa na reforma agrária.

Em 22 de outubro de 1995, uma matéria do JN anunciou que outras três fazendas do Pontal tinham sido invadidas. A reportagem descrevia as ocupações, que geralmente ocorriam à noite para evitar o confronto com a polícia. “Em segundos, o alvo começa a ser atacado. Os arames são cortados um a um e as cercas são arrancadas. É o ritual da posse, sacramentado pelos tratores rasgando a terra”, narrava Marcelo Rezende.

Novos confrontos, mais mortes

Com as invasões cada vez mais freqüentes, o MST conseguiu atrair a atenção da opinião pública para o problema da reforma agrária. Os confrontos estavam se tornando cada vez mais violentos. Um dos mais sérios envolvendo trabalhadores rurais e policiais aconteceu em Corumbiara, no estado de Rondônia, em agosto de 1995. Nove manifestantes e dois policiais foram mortos.

Quase um ano depois, em 17 de abril de 1996, ocorreu um massacre, dessa vez em Eldorado dos Carajás, no Pará. Dezenove trabalhadores sem terra foram assassinados Polícia Militar durante uma manifestação do grupo para apressar a desapropriação da Fazenda Macaxeira pelo Incra.

“Eu me lembro que o Jornal Nacional fez uma cobertura muito extensa, muito aprofundada da questão do sem terra no Pontal do Paranapanema.  Explicamos o que era o movimento, o aspecto político, ideológico, a organização, as terras devolutas do Pontal. E depois, o movimento se estendeu por todo o Brasil, e aí o Movimento dos Sem Terra, o MST, virou um movimento de alcance nacional e com cobertura de toda a mídia”, completa Amauri Soares.

FONTES

Depoimento concedido ao Memória Globo por: Amauri Soares (24/10/01). Fantástico (27/08/95, 08/10/95); Jornal Hoje (26/08/94; 02/10/95); Jornal Nacional (23/08/94, 22/10/95).
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