Em 2015, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rejeitou diversos pedidos para abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. O político, então do PMDB, no entanto, guardara um deles: um documento redigido pelos juristas Janaína Paschoal, Miguel Reale Júnior e Hélio Bicudo, cuja base fundamental eram as chamadas pedaladas fiscais. Trata-se de um tipo de manobra que teria sido usada para melhorar as contas do governo, que consistia em atrasar o repasse a bancos públicos do dinheiro que seria usado para financiar programas sociais. As pedaladas poderiam ser interpretadas como desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.
O conjunto de documentos que supostamente comprovaria as irregularidades foi entregue à Câmara na tarde do dia 21 de outubro de 2015, conforme noticiou o ‘Jornal Nacional’ daquele dia, em reportagem de Júlio Mósquera. O presidente do Senado concedeu 45 dias, a partir daquele momento, para o governo se defender das acusações, baseadas na rejeição das contas públicas feitas pelo Tribunal de Contas da União.
Reportagem de Júlio Mósquera sobre a entrega do pedido de impeachment de Dilma Rousseff à Câmara dos Deputados e o protesto de parlamentares contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Jornal Nacional, 21/10/2015.
“Havia, no Congresso, uma grande incerteza sobre que caminho seria dado aos pedidos de impeachment. Avolumavam-se as críticas ao governo Dilma pelos gastos, sobretudo pelo aumento dos gastos públicos e pelas maquiagens que vinham sendo feitas com o orçamento para tentar esconder parte desse déficit. Foi quando surgiu a denúncia em cima das pedaladas” - Júlio Mosquéra, repórter.
Pedido acolhido
No dia 2 de dezembro de 2015, o Conselho de Ética da Câmara votava pelo prosseguimento do processo de cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha. Ele era investigado por ter mentido em depoimento à CPI da Petrobras, instaurada em consequência das denúncias feitas pela Operação Lava Jato. Cunha esperava apoio da base do governo para que o processo não fosse adiante, o que não ocorreu. Minutos depois da decisão de manter o curso do processo, Cunha convocou jornalistas para falar sobre outro assunto. O acolhimento do pedido de impeachment de Dilma Rousseff.
Em entrevista a jornalistas no dia, Cunha disse que não havia “nenhuma felicidade em praticar esse ato”, e que tampouco essa aceitação tinha “natureza política”. Seu argumento, segundo ele, era exclusivamente técnico. O anúncio foi transmitido ao vivo na GloboNews naquela tarde e entrou em plantão ancorado por Renata Vasconcellos, na bancada do ‘JN’, na Globo.
No Plantão da Globo, Renata Vasconcellos anuncia que o Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, havia acabado de acolher o pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Plantão, 02/12/2015.
A repórter Zileide Silva se lembra da correria instaurada nos corredores do Congresso naquele dia: “A relação entre o PMDB e o PT estava esgarçada, e eu ouvia com cuidado as lideranças de governo e oposição para saber os rumos da votação. Naquele dia, esperamos horas pelo veredito, até saber que a bancada do governo decidiria por ouvir a militância e votar pela continuidade do trâmite. Conforme o prometido, houve retaliação: o Cunha acolheu o processo de impeachment e o encaminhou à comissão especial”.
Toma lá, dá cá: a cassação de Eduardo Cunha
Na delação premiada do empreiteiro Júlio Camargo no âmbito da Operação Lava Jato, Eduardo Cunha fora acusado de ter pedido propina no valor de R$5 milhões para viabilizar um contrato de navios-sonda na Petrobras, conforme mostrou o ‘Jornal Nacional’ do dia 16 de julho de 2015. Em 12 de março do mesmo ano, o deputado decidiu depor voluntariamente à CPI da Petrobras afirmando não ser titular de contas no exterior. Uma investigação do Ministério Público da Suíça, exposta pelo Jornalismo da Globo meses depois, mostrou justamente o contrário. Documentos comprovavam a existência de contas não declaradas no exterior em nome de Eduardo Cunha, conforme revelou reportagem exclusiva de Vladimir Netto ao ‘Jornal Hoje’, em 16 de outubro.
Reportagem exclusiva de Vladimir Netto sobre os documentos que comprovavam a existência de contas não declaradas no exterior em nome de Eduardo Cunha. Jornal Hoje, 16/10/2015.
Na tarde do dia 3 de novembro de 2015, o Conselho de Ética da Câmera abriu processo para investigar se Cunha havia cometido quebra de decoro parlamentar no dia 12 de março. Semanas depois, no dia 2 de dezembro, o Conselho aprovaria ou não o prosseguimento do processo. Cunha precisava de apoio da base aliada do governo para conseguir impedir tal decisão, o que não ocorreu.
Reportagem de Zileide Silva sobre o adiamento da votação do processo contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética e a decisão dos deputados do PT de votarem contra ele. Jornal Nacional, 02/12/2015.
Em maio de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o afastamento de Cunha da presidência da Câmara e também a suspensão do mandato parlamentar. Eduardo Cunha teve o mandato cassado em 12 de setembro de 2016 por quebra de decoro. No dia 19 de outubro, o ex-deputado foi preso em Brasília, por decisão do juiz Sérgio Moro.
Ao vivo, de Brasília, Heraldo Pereira fala sobre a votação da Câmara dos Deputados que cassou o mandato do Ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Em seguida, reportagens de Giovana Teles com os detalhes da votação, e de Vladimir Netto com a trajetória de de Cunha. Jornal da Globo, 12/09/2016.
Reportagem de Flávia Alvarenga sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou o afastamento de Cunha da presidência da Câmara e também a suspensão de seu mandato. Jornal Nacional, 05/05/2016.
Reportagem de Vladimir Netto sobre a prisão do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Jornal Nacional, 19/10/2016.
O rito do impeachment
A partir do dia 2 de dezembro, o governo, que ainda tinha maioria no Congresso, passou a pedir que o pedido de impeachment acolhido corresse rapidamente nas mãos da comissão especial que seria formada. A pressão para a suspensão do recesso parlamentar era alta. A oposição, no entanto, precisava de tempo para mobilizar aliados e pressionava para que o processo se alongasse.
Mosquéra fala ao vivo sobre a pressão dos deputados de oposição ao governo para que o recesso parlamentar não fosse suspenso para votação do pedido de abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Jornal Nacional, 03/12/2015.
Na tarde do dia 7 de dezembro de 2015, uma reviravolta demonstrou fissuras na base governista. O vice-presidente Michel Temer enviou uma carta a Dilma Rousseff em que indicava “fatores reveladores da desconfiança” que o governo tinha em relação a ele e ao PMDB e se dizia um “vice decorativo”, que “perdeu todo o protagonismo político” que teve no passado. A carta foi divulgada para a imprensa naquela noite – Gerson Camarotti, da GloboNews, publicou a íntegra do documento em seu blog no G1, informando que o próprio Temer confirmara em entrevista exclusiva a autoria da carta. O ‘Jornal das Dez’ fez uma análise do material, em reportagem de Marcelo Cosme, com comentários de Cristiana Lôbo, Renata Lo Prete e Camarotti.
O repórter Marcelo Cosme fala, ao vivo, sobre a carta enviada pelo vice-presidente Michel Temer à presidente Dilma Rousseff. Cristiana Lôbo, Renata Lo Prete e Gerson Camarotti comentam o teor do documento. Jornal das Dez, 07/12/2015.
No dia seguinte, o assunto foi tema de discussões nos bastidores do Poder em Brasília. O ‘Jornal Nacional’ deu destaque para o documento, que foi lido quase na íntegra por William Bonner. Também foi explorada a repercussão no meio político, em reportagem de Júlio Mosquéra. Ainda no dia 8 de dezembro foi eleita na Câmara a Comissão do Impeachment, em sessão de brigas e xingamentos, com voto secreto – base de oposição venceu, conforme mostrou a reportagem de Zileide Silva para o ‘JN’. A comissão só começaria a analisar os argumentos a favor e contra Rousseff meses depois, no dia 30 de março de 2016.
Reportagem de Zileide Silva sobre a votação na Câmara dos Deputados que elegeu a Comissão do Impeachment, em sessão marcada por brigas e xingamentos. Jornal Nacional, 08/12/2015.
Reportagem sobre a carta enviada pelo vice-presidente Michel Temer à presidente Dilma Rousseff. Jornal Nacional, 08/12/2015.
Outras reviravoltas
Após ser acolhido pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, em dezembro, o pedido de impeachment seguiu para análise em uma comissão especial na Câmara. A comissão se reuniu em 14 sessões ao longo de quatro semanas, conforme mostrou a GloboNews todos os dias.
No dia 11 de abril de 2016, após nove horas de discussão, o pedido seguiu para o Plenário, onde seria votado, em sessão aberta. No ‘Jornal da Globo’ daquela noite, Marcos Losekann preparou uma reportagem amarrando o dia de discussões, informando que o governo esperava um resultado negativo, embora o rito do impeachment estivesse seguindo no ritmo previsto pela base aliada.
Reportagem de Marcos Losekann sobre a votação da comissão especial na Câmara que aprovou o relatório a favor do impeachment de Dilma Rousseff e determinou o prosseguimento do processo. Jornal da Globo, 11/04/2016.
Paralelamente, uma polêmica mobilizou políticos e imprensa naquela tarde. Isso porque o vice-presidente Michel Temer teria divulgado por descuido um áudio em que discursava sobre o impeachment de Rousseff como algo que já teria ocorrido. O conteúdo do discurso foi divulgado em primeira mão pelo site do jornal Valor Econômico.
No ‘Jornal Nacional’ daquela noite, William Bonner explicou que o áudio foi enviado por Temer a um grupo de uma rede social. Segundo o telejornal, o discurso estava sendo preparado pelo vice-presidente para o caso de o processo de impeachment ser autorizado pelo Plenário da Câmara. Para a repórter Giovana Teles, que fechou matérias para o ‘Jornal Nacional’ e ‘Jornal da Globo’, aquele foi um dos dias mais importantes do jogo político do impeachment: “O Temer participou ativamente desse movimento do impeachment, desde divulgar uma carta de quando era vice-presidente, dizendo que não se sentia prestigiado, a ter deixado vazar um áudio comemorando o impeachment antes de ele ter acontecido”.
Reportagem de Giovana Teles sobre o vazamento do áudio em que Michel Temer discursa como se o impeachment já tivesse sido aprovado na Câmara. Jornal Nacional, 11/04/2016.
Ligação grampeada entre Lula e Dilma
Um dos principais marcos da crise política do governo Dilma ocorreu no dia 16 de março de 2016. Naquele dia, conforme antecipou Gerson Camarotti no G1 e na GloboNews, o Planalto oficializou a indicação do ex-presidente Lula para o cargo de Ministro da Casa Civil. A nomeação de Lula se dava em meio a investigações conduzidas pela Justiça Federal para apurar se o ex-presidente recebera vantagens indevidas de esquemas de corrupção envolvendo a Petrobras. Empossado no novo cargo, Lula teria direito a foro privilegiado.
Ao vivo, Gerson Camarotti informa que, em reunião no Palácio da Alvorada, fora decidida a nomeação do ex-presidente Lula como Ministro da Casa Civil. Jornal da Globonews Edição das 10h, 16/03/2016.
Horas depois dessa decisão, o juiz Sérgio Moro quebrou o sigilo de investigação em andamento e divulgou grampos telefônicos feitos pela Polícia Federal que revelavam conversas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com políticos, entre eles a então presidente Dilma Rousseff. Entre os áudios, um deles tratava especificamente do acordo entre Dilma e Lula para que o ex-presidente assumisse o cargo. Dilma dizia: “tô mandando o Bessias junto com o papel para a gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse”.
Moro afirmou no despacho que autorizava a suspensão do sigilo que, “pelo teor dos diálogos gravados, constata-se que o ex-Presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos dos diálogos”.
O repórter Marcelo Cosme fala, ao vivo, sobre o diálogo entre Lula e Dilma em que a presidente diz que está enviando o termo de posse assinado para que ele usasse “em caso de necessidade”. Jornal GloboNews Edição das 18h, 16/03/2016.
A conversa foi divulgada em primeira mão na GloboNews, pelo repórter Marcelo Cosme, que estava em Curitiba. Minutos depois, um plantão do ‘Jornal Nacional’ entrou no ar com algumas informações. A edição do ‘JN’ precisou ser inteira refeita. Editores no Rio e em Curitiba (na redação da afiliada da Globo, RPC) se desdobraram para editar as reportagens com o conteúdo das conversas a tempo.
Em junho de 2016, Marcelo Cosme recebeu o Golden Nymph Awards, no Festival de Televisão de Monte Carlo, por esse furo de reportagem na GloboNews.