A popularidade da presidente Dilma Rousseff estava em baixa em 2015, quando assumiu seu segundo mandato presidencial. O processo eleitoral acirrado, que dividiu o país em 2014, foi um prenúncio da pressão que a governante enfrentaria nos dois anos seguintes.
Foi justamente nesse período que as investigações realizadas pela Operação Lava Jato começavam a atingir empresários, políticos e altos executivos ligados a esquemas de desvio de dinheiro em contratos milionários envolvendo a Petrobras. Em fevereiro de 2015, a então presidente da estatal, Maria das Graças Foster, renunciou ao cargo, junto a outros cinco diretores. Semanas depois, foi instaurada a CPI da Petrobras na Câmara. Políticos e pessoas ligadas à diretoria do Partido dos Trabalhadores e partidos que integravam a base do governo passaram a ser denunciados pela Força-Tarefa. A partir de março, manifestações nas ruas de capitais do Brasil pediam a saída da presidente.
Reportagem de José Roberto Burnier sobre os protestos contra Dilma Rousseff e a corrupção em diversos estados do Brasil. Fantástico, 15/03/2015.
Ainda em dezembro de 2014, o PSDB, partido de Aécio Neves, que disputara o pleito no segundo turno com a candidata do PT, pediu ao TSE a cassação do registro de Dilma Rousseff e de seu vice, Michel Temer. Alegava-se que a candidatura da chapa fora feita com uso de dinheiro oriundo de corrupção, o que tornaria a eleição “ilegítima”. Esse pedido não foi para frente. Mas foi o primeiro de uma série de ações recebidas pelo Judiciário e Legislativo a favor do impedimento do mandato presidencial.
Em 2 de dezembro de 2015, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (do então PMDB), decidiu acolher, para análise, um documento que acusava a presidente Dilma Rousseff de ter cometido crime de responsabilidade fiscal. Começava ali o rito do impeachment. O acolhimento ocorreu no mesmo dia em que o deputado foi derrotado no Conselho de Ética da Câmara, que decidira dar prosseguimento ao processo de cassação do mandato dele, por quebra de decoro parlamentar.
O repórter Júlio Mosquéra fala ao vivo, de Brasília, sobre a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que acolheu o pedido de abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Jornal Nacional, 02/12/2015.
Diferente do que ocorrera com Fernando Collor 25 anos antes, Rousseff iniciara seu segundo mandato com ampla base de apoio no Congresso, movimento que mudou ao longo do julgamento. A divergência de opinião sobre a atuação dela como chefe do Executivo também se estendia às ruas: apesar das manifestações contrárias, Dilma Rousseff, diferente de Collor, tinha apoio de movimentos sociais e sindicais.
Manifestações
Quando Dilma Rousseff assumiu seu segundo mandato presidencial, os telejornais noticiavam a existência de três crises: a política, a econômica e a social. A social se manifestava nas ruas por meio de protestos (contra e a favor do governo) e panelaços – normalmente, realizados durante o horário de pronunciamentos da presidente em cadeia de rádio e televisão ou quando o ‘Jornal Nacional’ entrava no ar.
Durante todo o processo, o jornalismo da Globo, da GloboNews e do g1 teve a preocupação de noticiar com equilíbrio as manifestações. Como medida de segurança para evitar agressões à equipe, sem prejudicar a pluralidade de pontos de vista da cobertura, foi traçada uma estratégia também utilizada nas manifestações de 2013: imagens de helicóptero ou do alto de edifícios se misturavam a cenas da movimentação filmadas nas ruas.
“As manifestações foram apaixonadas de um lado e de outro. A gente sempre tem que ter muita cautela ao cobri-las. Uma minoria resolveu voltar-se contra a imprensa nesse processo. Felizmente, nossos cuidados fizeram com que fôssemos os menos atingidos. É nosso hábito mandar para o meio das manifestações produtores do G1, repórteres cinematográficos com equipamentos leves de link, repórteres menos conhecidos, para mostrar por dentro o que está acontecendo”. – Ricardo Villela.
A primeira grande manifestação contra o governo ocorreu em março de 2015. No dia 8, Dilma Rousseff fez um pronunciamento à nação culpando a crise mundial pelas dificuldades econômicas que o Brasil vinha enfrentando e pedindo “paciência” à população. Além de homenagear as mulheres no Dia Internacional da Mulher, ela defendeu as medidas de ajuste fiscal que estavam sendo implementadas. Pessoas em várias partes do país fizeram panelaços durante a transmissão em cadeia nacional de rádio e televisão. A repercussão do pronunciamento foi abordada no ‘Fantástico’ daquela noite.
Reportagem sobre os protestos contra Dilma Rousseff durante pronunciamento da presidente. Fantástico, 08/03/2015.
Na mesma semana, a divulgação da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, no âmbito da Lava Jato, contribuiu para aflorar ainda mais os ânimos. Na sexta-feira, 13, milhares de pessoas mobilizadas por movimentos sociais, como União Nacional dos Estudantes (UNE), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foram às ruas em 24 capitais em apoio ao governo. O assunto foi destaque nos telejornais de rede da Globo. No ‘Jornal Nacional’, uma reportagem de José Roberto Burnier resumiu o dia de protestos. A GloboNews transmitiu a cobertura ao vivo, ao longo da tarde.
Reportagem de José Roberto Burnier sobre os atos e passeatas em cidades de 24 estados e no DF em apoio à presidente Dilma Rousseff. Jornal Nacional, 15/03/2015.
Na mesma semana, manifestações em oposição ao governo começaram a ser planejadas. Na manhã de domingo, dia 15 de março, mais de dois milhões de pessoas se reuniram em 160 cidades. A Globo cobriu as movimentações ao vivo, com flashes que interromperam programas como ‘Autoesporte’ e ‘Esporte Espetacular’. Repórteres se posicionaram nas ruas das principais cidades, como Paulo Renato Soares e Monica Sanches, no Rio de Janeiro; Mara Pinheiro, em Belo Horizonte; Gabriela Lisboa, em Recife; Leal Mota Filho, em Fortaleza. A população carregava faixas com dizeres contra a corrupção, o governo, a presidente Dilma, entre outros.
No Esporte Espetacular, repórteres entram ao vivo para mostrar as manifestações contra o governo Dilma ao redor do país. Esporte Espetacular, 15/03/2015.
Cuidados editoriais
“Não fazia sentido falar em impeachment com uma presidente reeleita há dois meses. A TV Globo não falou em impeachment durante meses. E a gente nunca noticiou com antecedência as manifestações que eram marcadas: nem contra, nem a favor. Em dia de manifestação, a gente se preparava para dar flashes. Não importava o número de participantes, se era o Governo, a CUT com os movimentos organizados, a gente dava o mesmo número de flashes, o mesmo espaço” - Ali Kamel, então diretor-geral de Jornalismo da Globo.
Naquele ano, o Brasil teve algumas manifestações com números expressivos de participantes, como as do dia 12 de abril, em 224 cidades, como mostrou o ‘Fantástico’ daquele domingo. E também os atos que ocorreram no dia 16 de agosto em todos os estados e no Distrito Federal. Nessa última ocasião, faixas pediam, além dos assuntos normalmente em pauta, a renúncia ou impeachment de Dilma Rousseff. O jornalismo da Globo novamente cobriu com flashes na programação do domingo de manhã, ao longo do ‘Esporte Espetacular’.
Reportagem de Thiago Eltz sobre os protestos contra a corrupção, o PT e a presidente Dilma Rousseff. Fantástico, 12/04/2015.
No Esporte Espetacular, repórteres entram ao vivo para mostrar as manifestações contra o governo Dilma Rousseff em Brasília, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte e São Paulo. Esporte Espetacular, 16/08/2015.
Manifestação histórica
A maior manifestação contra o governo Dilma ocorreu em 13 de março de 2016. Em mais de 300 municípios, milhões de pessoas foram às ruas. A Globo entrou com flashes na programação ao longo da manhã. E, como ocorrera em outras ocasiões, a GloboNews derrubou a grade e transmitiu os protestos ao vivo.
Ao vivo, o repórter Vladimir Netto mostra o início da manifestação contra a presidente Dilma Rousseff na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Jornal Globonews, 13/03/2016.
No ‘Fantástico’ daquela noite, as manifestações tiveram destaque no primeiro bloco, bem como a repercussão dos eventos no meio político. Os números, posteriormente confirmados por pesquisa do Datafolha, indicavam que se tratava dos maiores protestos populares da história de São Paulo. Cerca de 1,4 milhão de pessoas teriam se reunido na Avenida Paulista. O maior protesto na capital até então havia sido a passeata pelas Diretas Já, em 1984.
Reportagem de Thiago Eltz sobre as manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff ao redor do país. Fantástico, 13/03/2016.
No dia seguinte, William Bonner abria o ‘Jornal Nacional’ dizendo que havia acontecido “o maior ato político da nossa história, em protesto contra o governo e a corrupção”. O jornal deu as principais informações sobre o assunto, indicando também que a presidente Dilma se manifestara naquele dia, pedindo diálogo com o Congresso.
Reportagem sobre um dos maiores protestos da história do Brasil, que aconteceu em 337 cidades do país, com manifestações contra o governo da presidente Dilma, o ex-presidente Lula e a corrupção. Jornal Nacional, 14/03/2016.