Em agosto de 1991, descontente com as reformas que Mikhail Gorbachev vinha realizando na URSS, a linha dura do Partido Comunista Soviético aproveitou-se das férias do presidente para decretar estado de emergência. No dia 19, funcionários da KGB, a polícia secreta soviética, cercaram a casa de campo de Gorbachev enquanto o vice-presidente Gennady Yanayev anunciava publicamente o seu afastamento. O comitê de linha dura que assumiu o governo era formado por ministros, generais e pelo presidente da KGB, Vladimir Kryuchkov, e chefiado por Yanayev, até então homem de confiança do presidente deposto.
O golpe de Estado na URSS, no entanto, fracassou. A junta que tentou derrubar Gorbachev abandonou o Kremlin no dia 21 de agosto e fugiu de avião, enquanto o presidente deposto voltou a Moscou e reassumiu o governo. Mas o grande herói do episódio foi Boris Yeltsin, presidente da Rússia, que desde o início organizou o movimento de resistência popular.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre o Fim da URSS, com entrevistas exclusivas de Pedro Bial e Sergio Gilz ao Memória Globo.
Começava, ali, o esfacelamento do comunismo soviético. O movimento golpista que pretendia fortalecer a URSS acabou decretando sua falência. Entre as inúmeras medidas tomadas por Gorbachev após o golpe, estava o endosso a todos os decretos que Yeltsin promulgara desde 19 de agosto, inclusive um que proibia as atividades do Partido Comunista da república russa. Em seguida, Gorbachev decidiu acabar com o PC soviético. O fracasso do golpe também fortaleceu o movimento das repúblicas que lutavam pela soberania. Em poucos dias, a Federação Russa, as repúblicas bálticas – Letônia, Estônia e Lituânia – e a Ucrânia declararam sua independência.
Em 8 de dezembro, a Rússia, a Ucrânia e a Bielo-Rússia criaram a Comunidade dos Estados Independentes (CEI). No dia 21 daquele mês, os presidentes da Armênia, Bielo-Rússia, Cazaquistão, Federação Russa, Moldávia, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão, Ucrânia e Uzbequistão assinaram acordo que declarava extinta a União Soviética e estabelecia formalmente a Comunidade de Estados Independentes.
Mikhail Gorbachev, no poder desde 1985, renunciou no Natal. E, em 31 de dezembro, a URSS deixou de existir oficialmente.
EQUIPE E ESTRUTURA
O repórter Pedro Bial e o cinegrafista Sergio Gilz estavam a caminho da Sibéria para realizar uma reportagem sobre os crimes de Stálin e fizeram uma escala em Moscou, no dia 18 de agosto. No dia seguinte, quando embarcariam para seu destino final, os dois receberam a notícia do golpe de Estado.
Sergio Gilz conta como foi: “Íamos fazer um Globo Repórter na Sibéria. Os planos eram voar Londres–Moscou e no dia seguinte seguir viagem. Chegamos à noite, jantamos com nosso produtor local e acertamos nossa partida para o dia seguinte. Pela manhã, Pedro Bial bateu nervosamente na porta do meu quarto dizendo que estava acontecendo um golpe de Estado. Nosso produtor havia ligado, avisando que Gorbachev estava desaparecido. Saímos para o centro de Moscou e só víamos tanques pelas ruas. No coração do comunismo, ninguém poderia imaginar o que viria acontecer. Só podíamos pensar no pior. Entramos em contato com a Globo no Rio, pois precisávamos mandar matéria para o JN daquela noite. Ninguém entrava nem saía de Moscou. Por sorte, as comunicações não haviam sido cortadas. Fomos para o escritório de uma agência de notícias internacional onde, enquanto eu conversava por telefone com o Carlos Henrique Schroder (na época, diretor de produção da Central Globo de Jornalismo), no Rio, acertando nossa cobertura, Bial tentava entender o que estava, efetivamente, acontecendo. Foram algumas noites sem dormir e muita tensão.”
Apesar de não estarem credenciados e não poderem participar das entrevistas coletivas da junta golpista, Pedro Bial e Sergio Gilz cobriram os acontecimentos nas ruas de Moscou e enviaram reportagens diariamente para o Jornal Nacional. Bial também fazia entradas ao vivo, no telejornal, por telefone, dando as últimas informações.
Os correspondentes da TV Globo na Inglaterra, Silio Boccanera e Valéria Sffeir, e nos EUA, Carlos Dorneles e Luís Fernando Silva Pinto, acompanharam a repercussão dos acontecimentos de Moscou ao redor do mundo. O jornalista Paulo Francis fez seus comentários, ao vivo, direto de Nova York, no Jornal Nacional.
Em dezembro de 1991, quando Boris Yeltsin criou a CEI e a renúncia de Gorbachev passou a ser uma questão de dias, Pedro Bial e Sergio Gilz retornaram a Moscou, de onde puderam acompanhar o fim oficial da União Soviética.
UM GOLPE FRUSTRADO
No Jornal Hoje de 19 de agosto saíram as primeiras notícias do golpe, mas foi no Jornal Nacional desse mesmo dia que o episódio ganhou destaque, ocupando grande parte do noticiário, que dedicou os 4º e 5º blocos inteiros aos acontecimentos na URSS. A primeira matéria dos correspondentes Pedro Bial e Sergio Gilz, exibida nessa edição do JN, mostrava as manifestações do povo contra o golpe, enquanto nenhuma agência de notícias mencionava a resistência. Eram imagens do protesto: o povo barrando a passagem do exército e subindo nos tanques enviados para cercar o Parlamento russo. Naquele dia, o presidente da Rússia, Boris Yeltsin, de cima de um tanque, convocou uma greve geral e pediu ao povo que resistisse aos golpistas. A população fez vigília em frente ao Parlamento da república russa para protegê-lo de qualquer ataque de tropas de choque, enquanto tropas leais a Yeltsin – trinta tanques e blindados – se aproximavam para defender o presidente.
Reportagem de Pedro Bial sobre as manifestações do povo em Moscou contra o golpe que afastou Mikhail Gorbachev do poder na URSS, Jornal Nacional, 19/08/1991.
Paulo Francis comenta o golpe de Estado sofrido pelo então líder soviético Mikhail Gorbachev, Jornal Nacional, 19/08/1991.
“Lembro que o Henrique Coutinho, responsável pela editoria Internacional na época, ficou assustado quando viu minha primeira matéria. Ainda me lembro do texto que chamava a reportagem: ‘Em resposta ao golpe que derrubou Gorbachev, o povo de Moscou vai às ruas, barra o caminho dos tanques e resiste’. Nenhuma agência de notícia tinha falado em resistência até aquele momento. O Coutinho falou: ‘O Bial pirou. Vamos bancar, ou não vamos bancar?’. Bancaram. E eu estava certo. Contei o que eu vi na rua, mas foi só porque não estava credenciado para a cobertura oficial.”, conta Bial.
Em seu comentário naquela noite, Paulo Francis afirmava terem sido os reacionários os responsáveis pelo golpe que derrubou Gorbachev, por não quererem ver o nascimento de uma democracia na União Soviética.
Fim da URSS (1991)
No dia seguinte, 20 de agosto, o mundo reagia ao golpe de Estado que tirara o presidente soviético do poder. O Jornal Nacional mostrou a repercussão em diferentes países: Luís Fernando Silva Pinto e Carlos Dorneles, nos EUA, Valéria Sffeir e Silio Boccanera, na Europa, e Luiz Fernando Lima, em Cuba. O presidente norte-americano, George Bush, não reconheceu o novo governo. Além de condenar o golpe, a Comunidade Europeia pedia a volta de Gorbachev ao poder, enquanto Saddam Hussein dava seu apoio à junta ditatorial.
Os movimentos de resistência aumentavam ainda mais. Pedro Bial mostrou uma manifestação em frente ao Parlamento russo que reuniu cerca de 50 mil pessoas. Boris Yeltsin pediu a dissolução da junta e convocou a multidão para resistir até o fim. No início da noite, o Comitê de Emergência mandou 30 tanques, 40 blindados e cerca de mil soldados para a primeira ação militar após o golpe – a invasão do Parlamento, de onde Yeltsin comandava as manifestações populares. Os confrontos entre os moscovitas e as tropas golpistas duraram toda a madrugada.
GORBACHEV RETORNA A MOSCOU
Após três dias, o golpe de Estado fracassou. Gorbachev retornou a Moscou, reassumiu o governo e, através de um comunicado à TV soviética, afirmou que a situação estava sob controle. A reportagem de Pedro Bial exibida pelo Jornal Nacional naquela noite, 21 de agosto, mostrou a festa dos soviéticos nas ruas. O telejornal também acompanhou a repercussão ao redor do mundo através de seus correspondentes em Nova York e em Londres.
Pedro Bial conta que viu as pessoas, que antes evitavam a calçada em frente à KGB, passando sem medo diante do prédio da polícia secreta soviética. A cena de um homem dando um chute na porta de vidro da KGB ilustrava bem o sentimento de liberdade do povo russo naquele momento. A imagem foi captada com exclusividade pelo cinegrafista Sergio Gilz e depois requisitada pelas redes de televisão do mundo todo. A reportagem foi ao ar na quinta-feira, 22.
Bial e Gilz também presenciaram a derrubada da estátua de Félix Dzerzhinski – fundador da KGB em 1918 – que ficava em frente ao prédio da polícia secreta. Com a ajuda de cordas e um guindaste, a estátua de ferro – símbolo de um tempo negro para os soviéticos – foi arrancada.
“Foi o começo do fim do comunismo na União Soviética e, talvez, da própria União Soviética. Hoje uma bandeira russa tremulava no Kremlim pela primeira vez desde 1917” anunciou o correspondente em sua reportagem exibida pelo JN na sexta-feira, 23 de agosto. Menos de quatro meses depois, a URSS se dissolveria. O Globo Repórter daquela noite apresentou uma edição dos acontecimentos da semana em Moscou, conduzida pelo relato emocionante de Pedro Bial.
Reportagem de Pedro Bial sobre manifestações em frente ao prédio da KGB - a polícia secreta soviética - no dia em que Gorbachev reassumiu o poder. Jornal Nacional, 22/08/1991.
Reportagem de Pedro Bial com edição dos acontecimentos da semana em Moscou, Globo Repórter, 23/08/1991.
O FIM DA URSS
A Rússia, a Ucrânia e a Bielo-Rússia – que respondiam por 70% da população da URSS e pela maior parte das riquezas do país – criaram a Comunidade de Estados Independentes (CEI) no dia 8 de dezembro de 1991. A decisão se chocava com os planos de Gorbachev de criar uma União de Estados Soberanos para substituir a URSS. Nos dias que se seguiram, as demais repúblicas soviéticas foram aderindo à CEI, com exceção da Geórgia e do Azerbaijão (que só ingressaram na Comunidade em 1993) e das repúblicas bálticas.
Com a aprovação pelo parlamento, em 12 de dezembro, da nova comunidade independente de Boris Yeltsin, a renúncia de Gorbachev era uma questão de dias. De volta a Moscou, Pedro Bial e Sergio Gilz acompanharam o desmoronamento da URSS. A reportagem da dupla, exibida pelo Jornal Nacionalno dia 16 daquele mês, mostrava que o líder soviético, cada vez mais, perdia a força.
No Natal de 1991, Mikhail Gorbachev, no poder havia mais de seis anos, renunciou. Logo depois de seu discurso, a bandeira vermelha com a foice e o martelo foi retirada do Kremlin e, em seu lugar, subiu a bandeira russa. Naquele dia, Pedro Bial entrou ao vivo interrompendo por alguns minutos o programa Roberto Carlos Especial.
A União Soviética deixou de existir oficialmente no dia 31 de dezembro de 1991. A Federação Russa foi reconhecida pela comunidade internacional como sua legítima sucessora.
Cid Moreira anuncia a renúncia do então líder soviético, Mikhail Gorbachev, Jornal Nacional, 25/12/1991.
FONTES
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Pedro Bial (25/05/2001), Sergio Gilz (10/11/2008); Fantástico, 15/12/1991, 22/12/1991, 29/12/1991; Globo Repórter, 23/08/1991; Jornal Nacional, 19-24/08/1991, 11-14/12/1991, 16/12/1991, 20-21/12/1991, 25-26/12/1991. |