A história começou em 1991 com a denúncia de aposentadorias milionárias no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. As investigações, entretanto, mostraram que se tratava de um erro de cálculo do Dataprev, órgão responsável pela informática da Previdência. Mesmo assim, a Justiça Estadual resolveu investigar outras varas no estado e descobriu, em São João de Meriti, uma quadrilha de 20 fraudadores, formada por advogados e até mesmo juízes.
Os principais acusados foram presos em julho de 1992, mas Jorgina de Freitas Fernandes, que recebeu uma pena de 23 anos de prisão, conseguiu escapar antes de a sentença ser proferida. Ficou foragida por cinco anos, até ser localizada pelo repórter Roberto Cabrini na Costa Rica, onde deu uma entrevista exclusiva à Globo. Apesar de negar o envolvimento no esquema, Jorgina se entregou três dias depois.
Entrevista de Roberto Cabrini com Jorgina de Freitas sobre as fraudes no INSS, Globo Repórter, 31/10/1997.
EQUIPE E ESTRUTURA
Uma equipe da Globo, formada pelo repórter André Luiz Azevedo, pelo cinegrafista Fernando Calixto e pelo produtor Domingos Xisto, foi responsável por parte da investigação e pela divulgação da fraude do INSS.
O jornalista Roberto Cabrini chegou ao paradeiro de Jorgina de Freitas, foragida havia cinco anos. Sua entrevista exclusiva, com imagens do cinegrafista Orlando Moreira, foi fundamental para a detenção da fraudadora. Por seu trabalho jornalístico nesta cobertura, Roberto Cabrini recebeu, em 1997, o prêmio Previdência Social, concedido pelo Governo Federal.
Após a prisão de Jorgina, uma equipe formada por Cristina Serra, o cinegrafista Lúcio Alves e o auxiliar, Baiano, ficou quase um mês na Costa Rica, tentando entrevistar a fraudadora, que aguardava a deportação. Conseguiram imagens e uma entrevista por telefone.
FRAUDE DESCOBERTA
Reportagem de André Luiz Azevedo com as primeiras denúncias do escândalo da Previdência, Jornal Nacional, 17/04/1991.
A primeira matéria sobre os desfalques na Previdência foi ao ar no Jornal Nacional de 17 de abril de 1991, quando a Procuradoria de Justiça do Rio apresentou as provas do escândalo. Eram vários os tipos de golpes , aplicados por advogados da Baixada Fluminense. Os mais comuns consistiam em falsos pedidos de aposentadoria por invalidez e em cálculos superestimados das indenizações. A quadrilha, responsável pelo desvio de mais de 600 milhões de dólares, envolvia 20 pessoas, entre elas o juiz Nestor do Nascimento e a advogada Jorgina de Freitas Fernandes.
Entrada proibida
O repórter André Luiz Azevedo, responsável pela matéria, foi impedido de seguir seu trabalho pelo juiz Nestor do Nascimento, que pouco tempo depois foi destituído do cargo, o que permitiu que a equipe da Globo pudesse dar continuidade à apuração do caso. O jornalista relembra: “Em São João de Meriti tinha um juiz que estava começando a investigação, absolutamente chocado com o que estava vendo. Era o juiz Élio Assumpção. Estava apavorado porque a pessoa que ele estava investigando se sentava ao seu lado, o juiz Nestor do Nascimento, titular daquela vara. E quando me viu chegar, ele teve uma intuição: ‘Esse cara é a minha salvação.’ Ele resolveu fazer uma quase parceria comigo. O juiz falou assim: ‘Olha, você está aqui, é repórter, é testemunha, então, eu vou te mostrar tudo.’ Ele percebeu que era uma questão de segurança para ele. Então, a investigação começou com Justiça e Imprensa juntos. Eu fiz imagens do juiz Nestor Nascimento, comecei a levantar a história. Um dia depois, quando cheguei no Fórum, o Nestor Nascimento tinha colocado um aviso na porta, proibindo a minha entrada. Mais um dia e ele já estava sendo afastado, e eu continuei apurando com a ajuda do cinegrafista Fernando Calixto e do produtor Domingos Xisto. Pela primeira vez, nós mostramos como era feita a fraude, e a aritmética absurda desse roubo que multiplicava as indenizações e deu um prejuízo de 600 milhões de dólares. Depois a história foi para o Tribunal de Justiça. Assumiu o desembargador Dorestes Baptista e eu me transformei em parceiro dele também. Nós começamos a investigar e cada vez conseguimos mais informações sobre dinheiro desviado para o exterior. Também descobrimos o ‘personagem’ chamado Jorgina de Freitas. Ela era uma advogada pobre da Baixada Fluminense, e quando pela primeira vez depositou dez milhões de dólares no Citibank, disse que era herdeira da família imperial brasileira. Era uma história maravilhosa.”
CONDENAÇÕES
O Jornal Nacional acompanhou toda a investigação e seus desdobramentos. Noticiou a prisão e o julgamento dos acusados, que responderam por crime de peculato (uso do cargo público em benefício próprio) e por apropriação indevida (uma vez que os advogados não repassavam o dinheiro das indenizações a seus clientes). A reportagem de André Luiz Azevedo mostrou a condenação na Justiça dos principais acusados da fraude do INSS. Entre eles, o juiz Nestor do Nascimento, preso em julho de 1992.
Reportagem de André Luiz Azevedo sobre a condenação dos acusados da fraude do INSS, Jornal Nacional, 03/07/1992.
TÉCNICA DE APURAÇÃO
Em 2 de fevereiro de 1992, o Fantástico levou ao ar uma reportagem sobre indícios que levariam a Jorgina de Freitas em Miami. Foi quando o repórter Roberto Cabrini começou a investigar seu paradeiro: “Eu cheguei até Jorgina começando pela Baixada Fluminense, em Nova Iguaçu. Fui lá e mapeei quem se relacionava com ela. Quando eu chegava a essas pessoas e me apresentava como repórter, eu fazia de tudo, menos perguntar pela Jorgina. Uma técnica que gosto muito de usar é a de mostrar que já sei muita coisa. No caso da Jorgina esse método foi muito importante. Eu passei a saber tanto sobre ela que as pessoas achavam que eu já sabia de tudo e passaram a me revelar nomes, depois telefones, endereços. Então, eu levantei algumas informações com pessoas em Nova Iguaçu, depois passei a levantar em Miami.”
Em 11 de abril de 1993, André Luiz Azevedo fez uma matéria para o Fantástico informando que Jorgina de Freitas seguia foragida. Em dezembro do mesmo ano, o programa lembrou novamente o seu nome em uma reportagem sobre brasileiros procurados pela polícia.
JORGINA DE FREITAS É LOCALIZADA
Após três meses para identificar quem havia coordenado a fuga de Jorgina, e mais dois para estabelecer o primeiro contato, Roberto Cabrini localizou a fugitiva, que estava sendo procurada pela Polícia brasileira e pela Interpol. “Descobri que ela estava na Costa Rica e consegui ter acesso a ela. A polícia tem uma grande vantagem sobre um repórter quando investiga algo: pode grampear telefones; o repórter não pode fazer isso. Mas, por outro lado, um repórter não chega necessariamente para prender, pode dar à pessoa a oportunidade de se manifestar, de contar o seu lado da história, e esse é um argumento que funciona muito bem. E foi assim que eu consegui não só chegar até Jorgina, mas fazer com que ela falasse comigo.”
O repórter e o cinegrafista Orlando Moreira esperaram cinco dias para conseguir a entrevista. Os dois tiveram vários encontros desmarcados, passaram noites de espera em lugares perigosos, tudo para que a advogada tivesse certeza de que a polícia também não a havia encontrado. Depois de sete meses de investigação, mais de 300 telefonemas, várias idas à Baixada Fluminense e viagens a Miami e à Costa Rica, o jornalista ficou frente a frente com a fraudadora, no Hotel Marriot, em San José. A entrevista foi exibida com exclusividade no programa Globo Repórter, no dia 31 de outubro de 1997.
Fugitiva assustada
Na entrevista a Roberto Cabrini, que durou quatro horas, Jorgina de Freitas disse que não tinha roubado o dinheiro da Previdência. “Se não roubou, por que fugiu?”, perguntou o repórter. Ela respondeu que saíra do país porque temia pela própria segurança. “Uma mulher em constante estado de pânico e muitos segredos”, foi como Roberto Cabrini descreveu a advogada.
Um dos principais momentos da entrevista foi o susto que Jorgina levou quando um empregado do hotel bateu na porta do quarto. Apesar do medo, continuou negando ter participado das fraudes e disse que não acreditava que a polícia brasileira estivesse procurando por ela. Afirmou que nunca usou passaportes falsos e que apenas trocou o nome de Jorgina Fernandes para Maria Fernandes. No entanto, de acordo com o depoimento de um médico, ela já tinha feito oito plásticas na tentativa de mudar as feições.
Mais de um ano depois de a entrevista ter ido ao ar, em 29 de novembro de 1998, o Fantástico exibiu uma reportagem na qual o técnico de informática Mauro Nadvorny usava um detector de mentiras para checar a veracidade, ou não, das informações de Jorgina. Em alguns momentos, a probabilidade de a foragida estar mentindo chegava a 87%.
PRISÃO DE JORGINA
Reportagem de Cristina Serra sobre a prisão de Jorgina de Freitas, acusada de fraudes no INSS. Em seguida, Roberto Cabrini conta como o conseguiu localizar a fraudadora, foragida da polícia, Jornal Nacional, 04/11/1997.
Jorgina de Freitas Fernandes se entregou três dias após a exibição da entrevista pela Globo. Para cobrir sua prisão, a repórter Cristina Serra foi enviada à Costa Rica. A polícia em San José informou que a advogada decidira se entregar porque vinha sendo chantageada pelos próprios seguranças contratados para protegê-la. A matéria de Cristina Serra e o relato do repórter Roberto Cabrini foram ao ar no Jornal Nacional de 4 de novembro de 1997.
Cristina Serra relembra: “Eu fiquei quase um mês na Costa Rica, Jorgina estava presa e a gente não conseguia falar com ela. Até que um dia, eu, o cinegrafista Lúcio Alves e o auxiliar, o Baiano, alugamos uma van, estacionamos escondidos, atrás do presídio. Estava na hora do banho de sol. O Lúcio fez a imagem: Jorgina ali de frente pro gol. Ela, que aparecia no Globo Repórter toda produzida, maquiada, arrumada, estava nas condições em que uma pessoa fica na prisão: abatida. Fizemos a imagem até que os guardas perceberam e tirarem ela. Mas enfim, a imagem já estava garantida. Golaço! O segundo gol foi quando eu liguei, do lado de fora do presídio, dentro dessa van, para ela, lá dentro, por um telefone que as presas usavam. Eu, falando um espanhol enrolado, me fiz passar por um parente dela e a chamaram. Ela veio falar e eu comecei uma conversa ali, porque precisava ter a voz dela, o áudio, ter certeza que era ela. Até que, quando comecei a entrevistá-la, ela percebeu que tinha caído na armadilha e bateu o telefone. O gol já estava marcado, tínhamos o áudio dela falando!”
Extradição
A fraudadora foi extraditada para o Brasil em abril de 1998. Cristina Serra voltou ao país para fazer as imagens finais daquela prisão: “Quando ela estava para ser extraditada, nós voltamos para a Costa Rica para fazer, enfim, o desfecho do processo. Jorgina de Freitas voltou no avião da FAB e a gente conseguiu, ainda, fazer seu embarque. Foi muito bom quando a gente deu no Jornal Nacional. Foi uma cobertura bastante desafiadora”. No ano seguinte, a Justiça lhe concedeu o direito de cumprir pena em regime semi-aberto.
SEM REGALIAS
Em 19 de novembro de 2000, o Fantástico continuou acompanhando o caso, mostrando Jorgina de Freitas dentro da prisão e revelando quem eram suas companheiras de cela: a ex-delegada da Polinter, Maria Rodrigues de Vasconcellos e a ex-advogada Terezinha de Jesus de Carvalho, que também havia fraudado o INSS.
Dois anos mais tarde, em 4 de agosto, o programa mostrou que Jorgina havia perdido o direito à prisão especial com a cassação do registro pela OAB. Uma animação da reportagem explicava que apenas 18 dos 112 milhões de reais roubados por Jorgina do INSS haviam sido recuperados. A fraudadora defendia-se dizendo que o dinheiro não estava com ela.
FONTES
Depoimento concedido ao Memória Globo por: André Luiz Azevedo (03/11/2003), Cristina Serra (01/03/2011) e Roberto Cabrini (03/04/2004); Fantástico (02/02/92, 11/04/93, 29/11/98, 19/11/00, 04/08/02); Jornal Nacional (17/04/91; 01 a 31/08/92, 04/11/97, 01 a 30/04/98); Globo Repórter(31/10/97); MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional, a notícia faz história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005. |