Após a derrota da emenda Dante de Oliveira, líderes peemedebistas se articularam com parcelas do PDS (Partido Democrático Social) e formaram a Aliança Democrática para disputar, em 15 de janeiro de 1985, as eleições para presidente da República no Colégio Eleitoral. Como candidato daquela frente partidária, Tancredo Neves conseguiu vencer, por 480 votos contra 180, o candidato governista Paulo Maluf.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a cobertura Tancredo Neves – Eleição e Morte em 1985, com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
A eleição de Tancredo Neves, apesar de indireta, foi recebida com grande entusiasmo pela maioria dos brasileiros. Afinal, ele seria o primeiro presidente civil do país depois de mais de 20 anos. O presidente eleito, no entanto, jamais assumiu o governo. Na véspera da sua posse, foi internado no Hospital de Base, em Brasília, com fortes dores abdominais. O seu vice, José Sarney, assumiu a Presidência no dia seguinte, em 15 de março de 1985.
Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto sobre a festa da vitória de Tancredo Neves em Brasília, Jornal Nacional, 15/01/1985.
EQUIPE E ESTRUTURA
O Jornalismo da Globo cobriu amplamente a doença e o padecimento de Tancredo Neves. Além disso, o planejamento da edição especial do Jornal Nacional mobilizou quase todo o jornalismo da emissora.
Já no dia 12 de abril, frente ao agravamento da saúde de Tancredo Neves, o diretor de telejornais de rede, Woile Guimarães, nomeou Luís Edgar de Andrade, chefe de redação, como responsável pelo esquema de colocação do JN especial no ar. Era sua incumbência a escalação das equipes de plantão (chefes e subchefes dos estúdios, redatores, produtores, apresentadores e entrevistadores) e a checagem das escalas do Centro de Produção de Notícias, de toda a estrutura da Divisão de Operação e da Engenharia. Deveria também controlar a passagem de um turno de plantão ao outro, sempre pessoa a pessoa, função a função. Além disso, tinha que realizar testes de prontidão nos estúdio do Rio de Janeiro, de São Paulo e Brasília. Os testes eram completos, indo desde a leitura das primeiras páginas do script até a checagem das matérias nos equipamentos de VT.
Participaram da cobertura os repórteres André Luiz Azevedo, Carlos Tramontina, Caco Barcellos, Carlos Dorneles, Tonico Ferreira, Ana Terra, Leila Cordeiro, Sandra Moreyra, Neide Duarte, Leonel Da Mata, Fernanda Esteves, Valéria Sffeir, Geraldo Canali, Álvaro Pereira e Pedro Rogério, entre outros. O repórter Carlos Nascimento destacou-se por sua capacidade de entrar ao vivo no Jornal Nacional e narrar longos textos de improviso, sem erro. A equipe contou com a ajuda de profissionais da Divisão de Esportes e de emissoras afiliadas à Globo.
As equipes trabalharam intensamente durante o período em que Tancredo Neves ficou internado. Tonico Ferreira lembra: “Eu achava, no final, que a gente ia morrer junto com ele de tão cansados que ficávamos. Que coisa inacreditável, como é que a gente podia imaginar! Eu fui dormir achando que no dia seguinte ia fazer a cobertura da posse. Estava tudo preparado: as divisões de matérias, quem iria fazer o quê. E à noite ficamos sabendo que o homem tinha ido para o Hospital de Base. Uma parte da equipe ficou cobrindo a doença do Tancredo e outra cobriu a posse do Sarney. Depois, o Tancredo Neves foi transferido de Brasília para São Paulo, foi para o Incor. Nós ficamos não sei quanto tempo – para mim, pareceu uma eternidade – na frente daquele hospital. Foi um momento que a Globo brilhou com entradas ao vivo muito importantes, tanto do Tramontina quanto do Nascimento, que davam diariamente todo o noticiário com detalhes sobre qual era o antibiótico que Tancredo estava tomando. Foi muito difícil aquela cobertura e muito dramática: as pessoas ali na frente, o país parado. Foi uma cobertura inesquecível pelo lado triste e pelo cansativo.”
Isabela Assumpção concorda: “Foi uma coisa monstruosa aquilo. A gente tinha escalas para ficar na frente do Incor. Um repórter ia rendendo o outro por horário. Eu me lembro que peguei um turno que começava à meia-noite e ia até de manhã. Durante muitos dias, fiquei nesse turno. Dava até para dormir um pouco dentro do carro. Os técnicos das UPJs (Unidades Portáteis de Jornalismo) ficavam acordados, se acontecesse alguma coisa, eles avisavam.”
Apesar do cansaço, o período também foi de grande aprendizado para os jornalistas, como explica Carlos Tramontina: “Foi um período em que nós vivemos uma experiência importante. Importante porque o país acompanhava tudo que ocorria na porta do Instituto do Coração e nós evoluímos profissionalmente, aprendemos com a necessidade de falar sobre coisas complicadas de maneira simples para serem compreendidas pela população. E as pessoas ficavam esperando os nossos telejornais para saber quais eram os níveis de potássio, de creatinina no organismo do presidente. Assuntos que eram absolutamente técnicos e altamente específicos passaram a fazer parte do dia-a-dia das pessoas.”
Após o enterro de Tancredo, Luís Edgar de Andrade escreveu uma carta à redação, na qual agradecia a colaboração dos diferentes profissionais que realizaram um verdadeiro mutirão de telejornalismo: “Merecem meu cumprimento especial aqueles que, repetidamente, dobraram o expediente, trabalhando 12, 14 e até 16 horas por dia, com sacrifício do lazer e do convívio com a família. Quero lembrar também os que vararam madrugadas, de script na mão, no estúdio ou no controle E/F, e os que passaram muitas noites editando nas ilhas do ENG, que nunca pareceram tão frias como nestas noites de abril.”
O PADECIMENTO DE TANCREDO NEVES
Jornal Nacional exibiu matérias sobre a doença de Tancredo Neves desde o dia 14 de março, além de boletins ao vivo sobre seu estado de saúde. A princípio, essas matérias dividiam espaço com outras sobre a implantação da Nova República. Mas, aos poucos, a saúde do presidente foi ocupando praticamente todo o noticiário. O Brasil viveu um clima de comoção nacional, acompanhando a agonia de Tancredo, desde a sua transferência de emergência para São Paulo até a série de sete operações a que foi submetido.
As contínuas manifestações de solidariedade da população em frente ao Instituto do Coração, em São Paulo, davam um ar mais dramático aos acontecimentos. O país passou semanas aguardando ansiosamente pelos boletins sobre a saúde do presidente, lidos diariamente pelo jornalista Antônio Britto, que deixara o cargo de editor-regional da Globo de Brasília e assumira o de porta-voz da Presidência. Naquele período, o JN contava sempre com a entrada de um repórter – em geral, Carlos Nascimento – direto do hospital. O último bloco do noticiário, com cerca de 15 minutos, era dedicado integralmente ao assunto.
O repórter Carlos Nascimento atualiza as informações sobre o estado de saúde de Tancredo Neves, do Instituto do Coração, em São Paulo. Jornal Nacional, 15/03/1985.
Reportagem de Neide Duarte sobre as orações para o presidente eleito Tancredo Neves na porta do Incor, Jornal Nacional, 18/04/1985.
Depois de 39 dias de agonia, em 21 de abril, Tancredo Neves morreu no Instituto do Coração, vítima de infecção generalizada. O comunicado oficial do seu falecimento foi feito às 22h30, por Antônio Britto. Como era domingo, a notícia da morte foi dada no Fantástico. Carlos Tramontina, que estava no hospital, deu ao vivo a informação.
O repórter Carlos Tramontina, ao vivo do Instituto do Coração, em São Paulo, acompanha o anúncio da morte do presidente Tancredo Neves. Fantástico, 21/04/1985.
JORNAL NACIONAL ESPECIAL
Logo em seguida ao Fantástico, foi ao ar um Jornal Nacional especial. Apresentado por Sérgio Chapelin, o programa teve aproximadamente quatro horas de duração. Foram exibidos uma retrospectiva dos fatos, desde a eleição de Tancredo no Colégio Eleitoral até a repercussão da sua morte, e um resumo da sua trajetória política, mostrando sua experiência como ministro da Justiça de Getúlio Vargas e como primeiro-ministro em 1961-62, a eleição para o governo de Minas Gerais em 1982 e sua decisiva participação na campanha das diretas.
Foram realizadas várias entrevistas, algumas delas no próprio estúdio da Globo, no Rio de Janeiro, com políticos e personalidades, como o sociólogo Gilberto Freyre. O historiador Raimundo Faoro falou ao repórter Paulo Henrique Amorim sobre questões legais relativas à permanência do vice José Sarney como presidente. Sobre o mesmo assunto, o professor de direito constitucional Célio Borja foi entrevistado por Leda Nagle. Pelo telefone, a repórter também conversou com o jurista Afonso Arinos.
Artistas e personalidades de diferentes áreas deram seus depoimentos e prestaram homenagens a Tancredo Neves. A cantora Fafá de Belém inovou ao cantar o Hino Nacional com acompanhamento de apenas um piano, que executou um arranjo e um andamento diferentes do usual. Uma videocharge de Chico Caruso mostrou o rosto de Tancredo numa bola de gás que subia aos céus.
Terminada a edição especial do Jornal Nacional, a Globo continuou apresentando plantões com as últimas informações sobre a repercussão da morte de Tancredo.
Trecho da edição especial do Jornal Nacional, em 21/04/1985, dia da morte do presidente eleito Tancredo Neves.
Videocharge de Chico Caruso para a edição especial do Jornal Nacional em homenagem a Tancredo Neves, 21/04/1985.
O CORTEJO FÚNEBRE E O ENTERRO
No dia seguinte, a Globo mostrou imagens do cortejo fúnebre do Instituto do Coração ao Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Uma multidão de dois milhões de pessoas se despediu de Tancredo Neves nas ruas da capital paulista. O telejornal acompanhou todo o trajeto do corpo em Brasília e em Belo Horizonte, mostrando de perto as demonstrações de carinho e tristeza da população.
O enterro de Tancredo Neves em São João del Rei, no dia 24 de abril de 1985, foi transmitido ao vivo pela Globo. A editora Sílvia Sayão lembra que a montagem do equipamento para a transmissão foi bastante complicada e durou quase um dia inteiro. No desfecho do sepultamento, o repórter Carlos Nascimento interrompeu a narração, e as imagens mostraram o vagaroso trabalho do coveiro João Aureliano, cercado de autoridades e parentes de Tancredo.
Nascimento relembra o episódio: “O enterro foi à noitinha, às sete horas mais ou menos. Durante a tarde, Boni queria esquentar a programação e me mandou narrar o que estava acontecendo. Só que não estava acontecendo nada, porque os políticos iam começar a chegar depois. Mas ele me mandava falar. Eu ia, subia no telhado e pensava: ‘Vou falar o que meu Deus?’ Aí, eu narrava as montanhas de São João del Rei, o pôr-do-sol, descrevia e falava do Tancredo e o sino tocava… e ficava aquela coisa poética. E o Boni falava: ‘Ah, está ótimo!’ E foi assim a tarde inteira. Até que, finalmente, à noite, houve o sepultamento e aquela cena incrível do sujeito com a pá. Quando eu comecei a falar, o Boni disse: ‘A única hora que não é para falar é agora! Deixa, deixa!’ Então ficou aquele som do coveiro.”
Trecho da transmissão ao vivo do enterro de Tancredo Neves, 24/04/1985.
FONTES
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Carlos Nascimento (10/05/2002), Carlos Tramontina(27/01/2004), Isabela Assumpção (12/11/2008) e Tonico Ferreira (16/03/2004). Jornal Nacional: a notícia faz história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. |