Na madrugada de 22 de fevereiro de 1998, um domingo de carnaval, parte do edifício Palace II, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, desabou, destruindo 44 apartamentos.
Construído pela Sersan, de propriedade do então deputado federal Sérgio Naya (Partido Progressista Brasileiro, PPB-MG), o prédio tinha graves defeitos de estrutura e acabamento e, por isso, havia sido interditado pela Defesa Civil. Apesar do risco, 30 moradores buscavam seus pertences quando aconteceu o desabamento. Oito pessoas morreram soterradas.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a cobertura do desabamento do edifício Palace II, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, em 22/02/1998. Entrevistas exclusivas do Memória Globo.
EQUIPE E ESTRUTURA
Desde a notícia do desabamento, no domingo, a Globo fez uma cobertura extensa sobre o caso. Durante uma semana, todos os primeiros blocos do Jornal Nacional foram dedicados à tragédia. O destaque também ocorreu no Bom Dia Rio e no RJTV 1ª e 2ª edições.
Participaram dos trabalhos de cobertura os repórteres Lilia Teles, Delis Ortiz, Edimilson Ávila, Fabio William, André Rohde, Vinícius Dônola, Ari Peixoto, Marcelo Canellas, Roberto Kovalick, Susana Naspolini.
Além de acompanhar de perto o caso durante vários anos, a Globo deu um furo de reportagem ao realizar uma matéria com auxílio de uma câmera escondida, na qual se via o deputado Sérgio Naya comemorando um réveillon luxuoso no exterior. Em paralelo, a repórter Lilia Teles acompanhou o triste réveillon das vítimas do Palace II, que ainda encontravam-se sem imóvel para morar ou indenização.
MADRUGADA TRÁGICA
Era madrugada de domingo, 22 de fevereiro, e as primeiras reportagens sobre o fato foram ao ar no Fantástico. No dia seguinte, segunda-feira de Carnaval, enquanto o Jornal Nacional registrava a alegria da festa popular no país inteiro, noticiava também a tragédia no Rio de Janeiro.
A matéria de Lilia Teles, que abriu o JN naquela noite, mostrou o drama dos moradores e acompanhou os bombeiros que procuravam corpos das vítimas entre os escombros. Um apenas havia sido encontrado, ainda restavam sete desaparecidos. Imagens dos escombros sendo retirados com guindastes foram ao ar.
“Eu fui a primeira repórter a chegar ao Palace II. Era uma cena tão horrível! Ajudei os moradores a contar quantos apartamentos tinham caído e que parte era aquela que tinha ficado exposta”, relembra a jornalista.
Reportagem de Lilia Teles sobre o drama dos moradores e o resgate das vítimas do desabamento do Palace II, Jornal Nacional, 25/02/1998.
Na terça-feira, a prefeitura decidiu que teria que implodir o resto do edifício. As colunas não estavam aguentando a inclinação da estrutura nem o peso do concreto. A notícia foi ao ar no RJTV, em matéria de André Rohde. No mesmo dia, o JN teve o primeiro bloco inteiramente dedicado ao assunto, com reportagens de Lilia Teles.
No dia 25 de fevereiro, o Jornal Nacional dedicou, novamente, o primeiro bloco inteiramente ao assunto. Destacada para essa cobertura, Lilia Teles mostrou, do Rio de Janeiro, que os moradores não tinham para onde ir, porque os hotéis e motéis que estavam sendo pagos pela construtora Sersan haviam sido cancelados. A repórter Delis Ortiz, de Brasília, traçou o perfil do dono da construtora, deputado federal Sérgio Naya. No Jornal da Globo o repórter Fábio William também falou, de Brasília, sobre o dono da Sersan.
IMPLOSÃO
Imagens de um cinegrafista amador foram ao ar no RJTV do dia 26 de fevereiro, mostrando infiltrações nas paredes de um imóvel, na garagem e na entrada do Palace I. Ainda fizeram parte desta edição reportagens de Lilia Teles e Vinícius Donola sobre as buscas dos bombeiros e a abertura de um processo dos proprietários contra a Sersan.
Ainda no dia 26, a Globo acompanhou, para o Jornal Nacional, a colocação dos explosivos para a implosão do restante do Palace II. O Sindicato dos Trabalhadores da construção Civil denunciou que o material usado na obra era de péssima qualidade. Houve ainda duas reportagens sobre o assunto: uma a respeito de alguns projetos da Sersan (que já havia tido os bens bloqueados) e outra sobre os cuidados necessários na hora de se adquirir um imóvel.
Na sexta-feira, o primeiro bloco do JN foi novamente dedicado ao assunto, com reportagens ao longo do programa. O repórter Ari Peixoto mostrou que mais um pedaço do edifício havia desmoronado. De Brasília, Delis Ortiz informou que Sérgio Naya enfrentava mais de 900 ações na justiça. Lilia Teles sobrevoou a área na companhia de um morador do Palace II, revelando o cenário de destruição.
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Entrevista exclusiva do jornalista Marcelo Canellas ao Memória Globo sobre o desabamento do Palace II em 1998.
O jornalista Marcelo Canellas mostrou que a interdição dos prédios vizinhos ao Palace II havia afetado a vida de seis mil pessoas. “A arrogância de um homem poderoso, o desamparo de pessoas que ficaram sem ter o apoio de ninguém e a solidariedade imensa de toda a população do Rio de Janeiro: todas estas circunstâncias a gente pôde detectar na cobertura do Palace II. Foi muito comovente participar daquilo tudo”, recorda o repórter.
No sábado, o Jornal Nacional completou uma semana na cobertura do desabamento do Palace II, mostrando sua implosão, que durou cinco segundos. O repórter Roberto Kovalick acompanhou, ao vivo, o resgate dos corpos desaparecidos: mais duas pessoas haviam sido encontradas.
CASSAÇÃO
O Jornal Nacional do dia 15 de abril noticiou a cassação de Sérgio Naya em matéria de Delis Ortiz. Trechos do discurso do deputado no plenário, tentando se defender, foram exibidos.
O Fantástico de 19 de abril levou ao ar uma reportagem com a família Nunes, ex moradora do Palace II, assistindo à cassação de Sergio Naya.
Os bens de Sérgio Naya foram bloqueados no dia 3 de março de 1998. Em abril de 2004, o juiz Luís Felipe Salomão, da 4ª Vara Empresarial do Rio, determinou que fossem leiloados para pagar indenizações às vítimas. No entanto, o processo foi contestado em várias instâncias, tanto pela competência do juiz em decidir a destinação do dinheiro, quanto pelo fato de Naya já ter dívidas anteriores com o Banco do Brasil e a Prefeitura do Rio de Janeiro, que exigiam prioridade na quitação. Os primeiros leilões só ocorreram em 2005.
FURO DE REPORTAGEM
Em 1º de janeiro de 1999, o Jornal Nacional exibiu um furo de reportagem. Os produtores da Globo se hospedaram num dos hotéis de propriedade de Sérgio Naya, em Orlando (EUA), e registraram o réveillon de luxo do ex-deputado. Nas imagens, Naya aparecia negociando com um de seus convidados e reclamando da taça de champanhe que lhe serviram, que segundo ele, era “de pobre”. Na mesma reportagem, Lilia Teles mostrou o contraste: a festa de fim de ano dos ex-moradores do Palace II, que viviam em condições precárias em quartos de hotéis.
“O réveillon seguinte eu passei com as vítimas, no hotel para onde eles foram levados e onde ficaram muitos anos. Foi marcante porque o Sérgio Naya estava em Orlando passando o réveillon e reclamando que não queria tomar champagne em taça de plástico, enquanto nós fazíamos um réveillon de muita desesperança”, relembra a jornalista.
Entrevista exclusiva da jornalista Lilia Teles ao Memória Globo sobre o desabamento do Palace II em 1998.
Reportagens de Lilia Teles e Sônia Bridi sobre os contraste das festas de réveillon de Sérgio Naya e dos ex-moradores do Palace II, Jornal Nacional, 01/01/1999.
CONDENAÇÃO
Depois de ter a prisão decretada em dezembro de 1999 e revogada em seguida, o dono da construtora e responsável pela obra foi absolvido em maio de 2001 pela tragédia do Palace II. Entretanto, teve cassados o mandato de deputado federal e o registro profissional de engenheiro.
Em dezembro de 2002, Sérgio Naya foi julgado e condenado a dois anos e oito meses em regime aberto. A pena acabou sendo revertida em prestação de serviços comunitários e pagamento de 360 salários mínimos a entidades sociais. Em março de 2004, no entanto, Naya foi preso por falsidade ideológica e falsificação de documento público. Cento e seis dias depois, um pedido de habeas-corpus colocou o ex-deputado em liberdade novamente. No ano seguinte, ele foi absolvido de responsabilidade no desabamento do Palace II.
Em fevereiro de 2008, Sérgio Naya, que recebia uma pensão mensal por ser ex-deputado federal, foi indiciado em um novo processo. Desta vez, foi acusado de fraude de execução fiscal para impedir o pagamento de indenização: ele se desfizera de um terreno usando ‘laranjas’ para que o imóvel não entrasse no patrimônio leiloado pela Justiça. Naya chegou a passar 137 dias preso.
JUSTIÇA FALHA
Em 2007, dez anos após o desabamento, Susana Naspolini entrevistou, para o Bom Dia Rio, um dos 120 proprietários dos imóveis do Palace II. Apesar dos bens de Naya terem sido confiscados, Davi, um contador de 60 anos, ainda vivia num hotel da cidade, realidade de outras 17 famílias.
“O empresário e ex-deputado Sérgio Naya foi encontrado morto hoje num quarto de hotel em Ilhéus, no sul da Bahia”, anunciou a apresentadora Fátima Bernardes na abertura do Jornal Nacional de 20 de fevereiro de 2009. Um médico legista, amigo do empresário, confirmou que o ex-deputado morreu de enfarte. Na ocasião, devia mais de 70 milhões de reais em processos judiciais.
Das 176 famílias vítimas da tragédia, 120 entraram na Justiça contra Sérgio Naya. No entanto, 15 anos depois, apenas 40% das indenizações devidas haviam sido pagas. Até 2013, foram realizados sete leilões de imóveis da construtora Sersan. O último aconteceu em 2009, pouco após a morte do ex-deputado federal. Desde então, essas indenizações estão paralisadas.
FONTES
Depoimento concedido ao Memória Globo por: Lilia Telles (10/09/12); Fantástico (22/02/98, 19/04/98); Jornal Nacional (23/02/98 a 26/02/98, 15/04/98, 01/01/99, 20/02/09), RJTV (24/02/98, 26/02/98). |