Por Memória Globo

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Em 12 de maio de 2006, teve início uma onda de ataques criminosos na cidade de São Paulo. Os eventos foram relacionados à remoção de integrantes de uma facção criminosa para a penitenciária de Presidente Venceslau. Numa tentativa de isolar a cúpula do grupo e assim evitar possíveis atentados e rebeliões, a Polícia Militar chegou a transferir provisoriamente alguns bandidos para a sede do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), na capital. Mas, com os acontecimentos, eles acabaram sendo levados para o presídio de Presidente Bernardes

Naquela noite, começaram motins em penitenciárias do estado, liderados por presos que, por meio do uso de telefones celulares, articularam ações contra agentes da segurança pública. Foram dezenas de ataques e ônibus incendiados.

Reportagem de Valmir Salaro sobre os ataques criminosos em São Paulo, Fantástico, 14/05/2006.

Reportagem de Valmir Salaro sobre os ataques criminosos em São Paulo, Fantástico, 14/05/2006.

Na segunda-feira, dia 15, a cidade parou. O transporte deixou de funcionar e o comércio fechou as portas. Apesar de o governo federal colocar à disposição as Forças Armadas e a Força Nacional de Segurança Pública, o governador de São Paulo, Cláudio Lembo, negou ajuda. Em uma semana, foram cerca de 300 atentados, 80 rebeliões e mais de 160 mortos.

No dia 12 de agosto, o repórter da Globo Guilherme Portanova e o auxiliar técnico Alexandre Calado foram sequestrados na Zona Sul de São Paulo por integrantes do mesmo grupo criminoso responsável pela onda de caos e desordem em São Paulo, em maio daquele ano. O repórter só foi liberado 40 horas mais tarde, após a Rede Globo cumprir a exigência de exibir, em sua programação, um vídeo com as demandas dos bandidos para a melhoria do sistema penitenciário.

EQUIPE E ESTRUTURA

Desde os primeiros momentos, a Rede Globo cobriu extensamente os ataques criminosos a São Paulo em seus telejornais de rede e locais daquela cidade. No dia 15 de maio, o apresentador William Bonner ancorou o Jornal Nacional diretamente de São Paulo. Participaram desta cobertura os repórteres César Galvão, César Menezes, César Tralli, Dirceu Martins, Elaine Bast, Fabio Turci, Monalisa Perrone, Rodrigo Vianna, Tonico Ferreira e Valmir Salaro.

PRIMEIROS ATAQUES

A série de ataques contra as forças de segurança de São Paulo foram destaque no Jornal da Globo de 12 de maio. A reportagem de César Menezes explicou que a operação de transferência de alguns chefes de uma facção criminosa para o Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) foi montada porque, segundo a polícia, os bandidos planejavam uma rebelião coordenada em várias penitenciárias do estado. A ideia era isolar a cúpula do bando justamente para evitar atentados e rebeliões.

Reportagem de César Menezes sobre a onda de ataques criminosos na cidade de São Paulo, cujos eventos estavam relacionados à remoção de integrantes de uma facção criminosa para a penitenciária de Presidente Venceslau, Jornal da Globo, 12/05/2006.

Reportagem de César Menezes sobre a onda de ataques criminosos na cidade de São Paulo, cujos eventos estavam relacionados à remoção de integrantes de uma facção criminosa para a penitenciária de Presidente Venceslau, Jornal da Globo, 12/05/2006.

O repórter César Galvão acompanha, ao vivo, a coletiva de imprensa com o governador Cláudio Lembo e o secretário de segurança pública, Saulo de Castro, Jornal Hoje, 13/05/2006.

O repórter César Galvão acompanha, ao vivo, a coletiva de imprensa com o governador Cláudio Lembo e o secretário de segurança pública, Saulo de Castro, Jornal Hoje, 13/05/2006.

“Boa tarde. A polícia de São Paulo é alvo de pelo menos 46 atentados nas últimas 17 horas. Cadeias e penitenciárias do estado enfrentam 14 rebeliões ao mesmo tempo, duas na grande São Paulo”, anunciou Evaristo Costa na abertura do Jornal Hoje de 13 de maio. Ao vivo, do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, o repórter César Galvão acompanhou uma coletiva de imprensa. O governador Cláudio Lembo e o secretário de segurança pública, Saulo de Castro, confirmaram que a onda de rebeliões era um ato de retaliação contra a transferência de bandidos perigosos e garantiram que o governo do estado não se renderia à pressão. O apresentador Evaristo Costa informou ainda que, no interior do estado, bases da guarda municipal e postos da polícia militar haviam sido atacados durante a noite. O repórter Dirceu Martins falou de Ribeirão Preto, onde uma rebelião na penitenciária masculina estava em curso.

Alerta máximo

Reportagem de César Tralli com um resumo das primeiras 24 horas de ataques em São Paulo, Jornal Nacional, 13/05/06.

Reportagem de César Tralli com um resumo das primeiras 24 horas de ataques em São Paulo, Jornal Nacional, 13/05/06.

À noite, o Jornal Nacional seguiu com a cobertura completa. O apresentador Márcio Gomes anunciou: “As forças de segurança de São Paulo estão em alerta máximo. O estado enfrenta a mais grave série de atentados de bandidos covardes contra agentes da lei.” A apresentadora Renata Vasconcellos informou que o governo federal havia prometido ajudar o governo paulista no combate ao crime organizado. O senador Renan Calheiros, que exercia a presidência interina da República em virtude de uma viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao exterior, declarou: “Nós vamos mobilizar o que for necessário para sufocar a organização criminosa. Reprimir, porque esses bandidos não podem contar com a impunidade e nem podem pensar que controlam algo.” O senador havia conversado por telefone com o governador Cláudio Lembo, oferecendo ajuda.

A reportagem de César Tralli exibida naquela edição do telejornal destacou que 26 pessoas já tinham sido assassinadas covardemente. Foram 58 ataques até aquele momento.

“Nós acompanhamos todo o desdobramento do evento, as conseqüências, ouvimos autoridades e a polícia. Mas tomamos muito cuidado para nomear esses bandidos e sua ‘facção’. Muitas vezes, corremos o risco de propagandear um bando de criminosos. Então, até segunda ordem, a gente chamava de facção criminosa. Líder, por exemplo, é uma palavra que, a princípio, tem uma conotação positiva. Esses criminosos não podem ser chamados de líderes. A gente procura usar outras palavras, que sejam mais corretas para esse tipo cobertura”, explica Renata Vasconcellos.

“O conselho editorial adotou como norma não utilizar o nome das facções criminosas em seu noticiário. Hoje, todos os veículos das Organizações Globo acatam. E por quê? Porque, primeiro, você glamoriza o crime. Segundo, você institucionaliza aquilo que não é institucional, não é sequer um grupo que você possa dizer que há um presidente, um vice-presidente, um secretário-geral”, esclarece Ali Kamel, que na época era diretor executivo da Central Globo de Jornalismo.

MAIOR ONDA DE ATAQUES DA HISTÓRIA DE SÃO PAULO

O Fantástico do dia 14 abriu com o apresentador Pedro Bial falando: “Há mais de 48 horas, São Paulo enfrenta a maior onda de atentados de sua história. Rebeliões, ataques de bandidos contra policiais, ônibus queimados, medo. As forças de segurança reagem com firmeza. Prendem bandidos, debelam motins, reforçam o policiamento.” Em seguida, chamou o repórter Rodrigo Vianna, da frente da Secretaria de Segurança de São Paulo, que informou que já haviam ocorrido 44 rebeliões. “Um fim de semana como jamais se viu no estado mais rico do país. Bandidos desafiam a autoridade, e a polícia reage. Nunca se viu tanta polícia na rua como nesta madrugada em São Paulo. Os carros circulavam em comboio”, completou. Imagens do Globocop mostraram um ônibus que acabava de ser incendiado em Diadema. As empresas estavam com medo de colocar suas frotas nas ruas. Novas informações foram divulgadas durante o programa, como o número de mortos, que já estava em 55. Matérias de César Tralli, Valmir Salaro, César Galvão e Elaine Bast foram ao ar.

SÃO PAULO SEM TRANSPORTE PÚBLICO

Na manhã da segunda-feira, 15 de maio, o apresentador Renato Machado abriu o Bom Dia Brasil com o panorama do caos anunciado: “São Paulo, estado de guerra. Já são mais de 70 mortos. O terror voltou a atacar na madrugada. Agências bancárias e ônibus foram incendiados por bandidos e podem não circular hoje. A segunda-feira começa com segurança reforçada nas ruas.”

O repórter Marco Antônio Sabino mostrou a situação que São Paulo enfrentou sem transporte público. Por medo dos ataques, seis das nove empresas de ônibus da cidade decidiram não colocar suas viaturas nas ruas. Milhões de pessoas não tinham como chegar aos locais de trabalho. O presidente Lula convocou uma reunião de emergência em Brasília, colocando quatro mil homens da força nacional à disposição do estado, conforme informou Cláudia Bomtempo. A onda de violência já se espalhava por outros estados do Brasil. Em Foz do Iguaçu (Paraná) e na Bahia, rebeliões e a queima de três ônibus assustaram a população.

O repórter Marco Antônio Sabino, do Globocop, mostra imagens do caos em São Paulo sem transporte público por causa dos ataques criminosos na cidade. Bom Dia Brasil, 15/05/2006.

O repórter Marco Antônio Sabino, do Globocop, mostra imagens do caos em São Paulo sem transporte público por causa dos ataques criminosos na cidade. Bom Dia Brasil, 15/05/2006.

No Jornal Hoje, Sandra Annenberg e Evaristo Costa seguiram com a cobertura, atualizando as informações: “Criminosos agora atacam estações de metrô, agências bancárias e ônibus urbanos. Quase 80 foram incendiados nas últimas horas. Quatro mil ônibus são retirados de circulação, e a maior cidade brasileira amanhece sem transporte.” De Nova York, a repórter Graziela Azevedo falou da repercussão internacional da onda de ataques. O telejornal noticiou que, por insegurança ou falta de transporte, 30 por cento dos alunos da rede estadual não haviam ido às aulas.

ANCORAGEM DE SÃO PAULO

“Na segunda-feira, por volta das cinco da tarde, William Bonner me ligou, perguntando por que a gente não ancorava o Jornal Nacional de São Paulo. Falei com o Carlos Henrique Schroder (então diretor da Central Globo de Jornalismo), que se encantou pela ideia. Em dez minutos, alugamos um jatinho. Fomos de Globocop até o Aeroporto Santos Dumont. Em Congonhas (São Paulo), pegamos um helicóptero até a emissora. Inauguramos o Prédio Jornalista Roberto Marinho, de onde ancoramos o jornal da laje do quinto andar”, relembra Ali Kamel.

“Aqui, na maior cidade brasileira, a população volta a sofrer as consequências dos atentados. Criminosos atacam agências bancárias. Incendeiam ônibus nas ruas e o medo interfere na vida dos cidadãos. Trabalhadores ficam sem transporte. Estudantes, longe das escolas. E comerciantes evitam abrir as portas. Das mais de 70 rebeliões em presídios, apenas duas continuam. Depois de uma reunião com o ministro da Justiça, o governador Cláudio Lembo volta a recusar a ajuda federal”, anunciou William Bonner no Jornal Nacional de 15 de maio, diretamente de São Paulo.

William Bonner entrevista, ao vivo, o então governador de São Paulo, Cláudio Lembo. Jornal Nacional, 15/05/2006.

William Bonner entrevista, ao vivo, o então governador de São Paulo, Cláudio Lembo. Jornal Nacional, 15/05/2006.

O apresentador entrevistou, ao vivo, o governador Cláudio Lembo. Ele lembra o episódio: “Foi uma entrevista dura, muito dura, porque ele abriu mão da ajuda da Força Nacional de Segurança, e basicamente o que eu fiz na entrevista foi cobrar dele isso. Foi uma entrevista forte, ao vivo.”

TENTANDO RETOMAR A ROTINA

A madrugada do dia 16 ainda transcorreu com violência, mas de manhã a cidade tentava retomar sua rotina. “O terror diminuiu?”, perguntou Renato Machado na abertura do Bom Dia Brasil. “Não totalmente. A noite foi vazia, fria na maior cidade do país. Hoje, os paulistanos tentam retomar a vida normal depois de uma segunda-feira de reuniões, discursos e perplexidade”, concluiu. A apresentadora Renata Vasconcellos esclareceu que o rodízio de carros ainda estava suspenso. Mariana Godoy, dos estúdios de São Paulo, atualizou a situação, informando que, aos poucos, as empresas de ônibus estavam colocando seus veículos de volta nas ruas. Estavam confirmadas as suspeitas da secretaria de segurança pública de São Paulo de que os ataques haviam sido orquestrados e ordenados, através de celulares, por criminosos presos. O uso do celular em presídios foi tema de debate, não apenas no telejornal matutino, como em todos os outros daquele dia.

Seis horas mais tarde, Evaristo Costa e Sandra Annenberg confirmaram, no Jornal Hoje, que a situação em São Paulo estava sob controle. “Alívio depois de três dias de ataques, rebeliões e medo. Aos poucos, a cidade de São Paulo começa a voltar ao normal. O comércio abriu as portas. E os ônibus voltaram a circular com segurança reforçada.”

No Jornal Nacional daquela noite, Fátima Bernardes resumiu a situação dos três dias de ataques: “A violência em São Paulo produziu números de uma guerra: mais de 250 atentados e de uma centena de mortos entre bandidos, policiais e pessoas inocentes.”

Nos dias seguintes, os telejornais continuaram acompanhando os acontecimentos em São Paulo. Em 17 de maio, o JN anunciou que os chefes da facção criminosa responsável pela onda de violência ficaram sabendo com antecedência que seriam transferidos de cadeia. Naquela noite, mais ônibus foram incendiados e delegacias, atacadas.

Reportagem de José Roberto Burnier sobre o esforço da população de São Paulo para retomar a rotina após a onda de ataques criminosos na cidade, Jornal Nacional, 16/05/2006.

Reportagem de José Roberto Burnier sobre o esforço da população de São Paulo para retomar a rotina após a onda de ataques criminosos na cidade, Jornal Nacional, 16/05/2006.

O SEQUESTRO DOS PROFISSIONAIS DA GLOBO

Na manhã de 12 de agosto, o repórter Guilherme Portanova e o auxiliar técnico Alexandre Calado, ambos da equipe de jornalismo de São Paulo, foram sequestrados próximos à sede da Rede Globo na cidade, na Avenida Luís Carlos Berrini.

Assim que tomou conhecimento do que havia acontecido, Luiz Cláudio Latgé, chefe de redação em São Paulo, comunicou ao então diretor da Central Globo de Jornalismo, Carlos Henrique Schroder. “A movimentação na empresa foi muito rápida e nos reunimos na redação para acompanhar os acontecimentos. A gente faz cobertura de casos de sequestro e aqueles primeiros momentos em torno da ação podem dar pistas importantes para desvendar o crime. Seguindo essa linha, nós aguardamos um pouco para tornar pública a notícia, mas comunicamos à polícia e tentamos encontrar sinal de por onde o carro teria passado. Temos um grupo de repórteres que faz cobertura policial e se mobilizou, meio por iniciativa própria, para tentar levantar algumas informações que pudessem ajudar a investigação. A polícia mandou um grupo para a TV, para levantar dados, e à tarde a gente começou a ter uma ideia do que poderia estar acontecendo”, conta Latgé.

Primeiras notícias sobre o sequestro do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Calado, SPTV 1, 12/08/2006.

Primeiras notícias sobre o sequestro do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Calado, SPTV 1, 12/08/2006.

A notícia foi ao ar na primeira edição do telejornal local, o SPTV, com a seguinte manchete: “Dois funcionários da TV Globo estão desaparecidos desde hoje de manhã”. A nota coberta ainda esclarecia que os dois haviam sido vistos pela última vez por volta das oito horas da manhã, numa padaria da região sul perto do prédio da emissora. Segundo testemunhas, eles tinham sido levados por homens armados.

Pouco depois, o carro usado pelos bandidos para levar Guilherme Portanova e Alexandre Calado foi encontrado incendiado. “A partir daí, percebemos que era uma coisa mais grave. Não era um simples sequestro, ou um sequestro-relâmpago, como imaginávamos. Na hora do almoço conseguimos ter o retrato falado feito pelas testemunhas da padaria. E a notícia foi divulgada imediatamente. É norma da empresa sempre divulgar sequestros”, explica Schroder.

Otávio Florisbal, na época diretor-geral da TV Globo, foi para São Paulo, de onde, ao lado de Gilberto Leifert, diretor de Relações com o Mercado, e Luiz Cláudio Latgé, ajudou a coordenar os acontecimentos. Carlos Henrique Schroder se juntou ao grupo na manhã de domingo.

No Jornal Hoje daquele sábado, Evaristo Costa atualizou a notícia explicando que a polícia investigava a possibilidade de sequestro, já que o carro e o equipamento da televisão não haviam sido roubados.

Os sequestradores não fizeram qualquer contato com a TV Globo, mas a direção da emissora já discutia se deveria ou não ceder a qualquer exigência que fosse feita pelos bandidos. Principalmente após tomarem conhecimento de que uma emissora de TV e um jornal haviam recebido material de uma facção criminosa. Sobre essa questão, Ali Kamel, então diretor executivo da Central Globo de Jornalismo, conta: “Quando João Roberto Marinho me telefonou, perguntando a minha opinião sobre a divulgação de um vídeo, de bate-pronto, como muitas vezes me acontece, respondi: ‘Não, de forma alguma. Negociar é impossível, não podemos fazer isso. Se negociarmos uma vez, teremos que negociar sempre. Não podemos ceder de forma nenhuma. Seria um precedente gravíssimo’. Mas depois que ele desligou, fui amadurecendo a ideia de que aquela era uma decisão gravíssima e de que, portanto, melhor seria que não fosse uma decisão isolada da TV Globo, e sim uma decisão de toda a indústria”.

Ali Kamel então entrou em contato com entidades internacionais como a Sociedade Interamericana de Imprensa, os Repórteres sem Fronteiras e o International News Safety Institute (INSI). “O primeiro retorno que tivemos foi de que, se havia premência de tempo e se não existia dúvida de que os criminosos matariam – e não existia, porque a facção criminosa tinha matado mais de cem pessoas no primeiro ataque que orquestrou -, o melhor era ceder”, conta o jornalista.

O sequestro da equipe da Globo também foi destaque no Jornal Nacional de 12 de agosto. Ainda naquela noite, Alexandre Calado foi libertado. Os sequestradores exigiram a divulgação de um vídeo como forma de garantir a vida do repórter Guilherme Potanova, que permanecia como refém.

Reportagem de César Galvão sobre o sequestro dos profissionais da TV Globo, Alexandre Calado e Guilherme Portanova. Jornal Nacional, 12/08/2006.

Reportagem de César Galvão sobre o sequestro dos profissionais da TV Globo, Alexandre Calado e Guilherme Portanova. Jornal Nacional, 12/08/2006.

Com a exigência feita pelos bandidos, a TV Globo consultou novamente organismos internacionais que trabalham pela segurança de jornalistas. “O INSI reiterou que, diante do ultimato e da certeza de que matariam o repórter, tínhamos que botar a fita no ar naquela noite. Eles nos colocaram em contato, em Atlanta, com um sujeito da empresa The AKE Group, especializada em proteção e segurança de jornalistas. Esse sujeito, por sua vez, nos colocou em contato com o consultor do AKE Group no Líbano. Todos disseram: ‘Tem que ceder’. Eu, então, liguei para o Schroder, que me contou: ‘De tarde ainda, o Roberto Irineu me telefonou e disse que tinha a intuição de que nós deveríamos ceder. E, quando ele tem uma intuição, não costuma falhar. O Octávio Florisbal também está propenso a ceder’. Falei: ‘Schroder, se a entidade de segurança à qual somos filiados diz que temos que ceder, eu acho, então, que temos que ceder’. João Roberto também concordou. Assim, nós decidimos que cederíamos. Ainda lembro que Latgé me disse: ‘Vamos dar uma chamada’. Falei: ‘Não, vamos fazer exatamente o que eles disseram. Se é para ceder, tem que ser Plantão. A cabeça do repórter precisa ser transparente, precisa dizer claramente que estamos fazendo isso para ceder aos sequestradores. E tem que botar na íntegra. No fim, o repórter volta para explicar’”, explica Ali Kamel.

Já passava da meia-noite, quando um plantão apresentado por César Tralli interrompeu a programação em São Paulo para informar que Alexandre Calado havia sido libertado. Os sequestradores o deixaram perto da emissora e deram a ele um DVD, dizendo que a condição para libertar com vida o repórter Guilherme Portanova, que permanecia em poder deles, era a divulgação, na íntegra, das imagens. Na sequência, foi exibido, durante mais de três minutos, um vídeo em que um homem encapuzado lia uma carta. Ele questionava a execução penal e as condições de vida nas prisões. Pedia o fim do regime disciplinar diferenciado, sistema mais severo da cadeia, para presos perigosos e chefes de rebeliões. Ele reclamava ainda de humilhações e de um sistema carcerário sem assistência médica e jurídica.

Plantão da Globo, apresentado por César Tralli, com a informação de que Alexandre Calado havia sido libertado, 11/08/2006.

Plantão da Globo, apresentado por César Tralli, com a informação de que Alexandre Calado havia sido libertado, 11/08/2006.

César Tralli recorda: “Eu lembro que estava na Globo quando veio a notícia do sequestro. Nós entramos em pânico. Não sabíamos o que fazer. Mobilizamos todas as fontes dentro da polícia, fora da polícia, todo mundo, para correr atrás e tentar saber o que estava acontecendo. Depois veio aquela fita que eles mandaram para ser exibida junto com uma carta. Foi uma coisa muito complicada, discutida exaustivamente. Ao mesmo tempo, eles davam um prazo para que lêssemos a carta, senão iam matar o rapaz. Quer dizer, leríamos a carta e exibiríamos o vídeo, mas, como ter certeza de que, assim, a vida do rapaz seria poupada? Realmente, foi um conflito interno muito grande. Eu não participei diretamente dessa questão editorial, mas vi a tensão no ar. Não voltei para casa, fiquei direto na redação, até que eles me pediram para ler a carta.”

O repórter César Galvão entrevista o auxiliar técnico da TV Globo, Alexandre Calado, sobre seu sequestro. Fantástico, 13/08/2006.

O repórter César Galvão entrevista o auxiliar técnico da TV Globo, Alexandre Calado, sobre seu sequestro. Fantástico, 13/08/2006.

No domingo, 13 de agosto, o primeiro bloco do Fantástico foi inteiramente dedicado ao assunto. Alexandre Calado contou como tinha sido o sequestro e disse que eles não pareciam ser o alvo específico dos bandidos: “Queriam era levar alguma equipe da Globo”. Os dois foram obrigados a entrar num carro roubado e levados para o cativeiro onde, após quase 15 horas de sequestro, foram separados. Alexandre contou ainda que foi colocado em outro porta-malas e deixado a duas ruas da emissora. Ele trazia uma exigência dos sequestradores: que fosse exibido o vídeo produzido pelos criminosos.

Renata Ceribelli explicou que uma das reivindicações dos sequestradores era o fim do regime disciplinar diferenciado, conhecido como RDD, e aplicado a 144 presos de alto risco da penitenciária de Presidente Bernardes, no interior de São Paulo, considerada a cadeia mais segura do país. O regime contava com um conjunto de regras rígidas: banho de sol de apenas uma hora por dia, nenhuma atividade de lazer e cela individual. Não era permitido aos presos assistir TV ou ouvir rádio.ancora_7

NOTA DA EMISSORA

Ainda no Fantástico de 13 de agosto, Zeca Camargo leu a nota que a Globo havia emitido na manhã daquele domingo:

"Tão logo a TV Globo tomou conhecimento da exigência dos sequestradores na noite de sábado, fez consultas ao International News Safety Institute (INSI), com sede em Bruxelas, ao qual a emissora é filiada desde que o instituto foi fundado.

Luiza Rangel, de Caracas, coordenadora do INSI para América Latina, atestou que em situações de extrema emergência como a que a TV Globo viveu, quando os prazos são exíguos e quando não se têm dúvidas sobre o descompromisso dos bandidos para com a vida humana, a postura correta é ceder às exigências, dando antes ciência à polícia sobre o conteúdo do que irá divulgar. Segundo ela, situações assim foram vividas recentemente na Índia e no Oriente Médio.

Orientada por Luiza Rangel, a emissora também entrou em contato com Tim Crocket, chefe do escritório de Atlanta do The AKE Group, uma empresa especializada em gestão de riscos e segurança, que presta serviços à INSI, e tem escritórios nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Paquistão e Iraque. Tim Crocket deu a mesma orientação que Luiza Rangel: nas condições em que nos encontrávamos, não havia alternativa. Ele recomendou que entrássemos em contato ainda com Tom O´Neil, consultor do escritório no Líbano, especializado neste tipo de ação. O´Neil repetiu as mesmas recomendações.

A ideia inicial da TV Globo era tomar uma decisão em conjunto com as entidades de classe do setor. Mas como tudo se deu na noite de sábado, foi impossível esperar até que o setor se pronunciasse.

Diante do que vem acontecendo em São Paulo nos últimos meses, não havia dúvida sobre até onde as ações dos bandidos podem chegar: basta dizer que os mortos já se contam às centenas. Inexistindo dúvida sobre o risco real que o repórter Guilherme Portanova sofre, e não havendo tempo para uma decisão em conjunto com seus pares, a TV Globo mostrou o conteúdo do DVD à polícia e decidiu exibir o vídeo no estado de São Paulo.

No mesmo instante, porém, decidiu também convocar as entidades do setor para que a situação seja discutida por todos e que os próximos passos sejam decididos em conjunto.

A TV Globo espera que o jornalista Guilherme Portanova seja libertado imediatamente e possa voltar a convivência de sua família e de seus colegas de trabalho. Agradece a solidariedade que vem recebendo de seus telespectadores e de seus pares e manifesta a confiança de que a nação brasileira saberá encontrar caminhos para pôr fim a esse quadro de insegurança pública"

Central Globo de Comunicação, São Paulo, 13 de agosto de 2006

Zeca Camargo lê nota divulgada pela TV Globo sobre sua decisão de ceder às exigências dos sequestradores do repórter Guilherme Portanova e o auxiliar técnico Alexandre Calado, ambos da equipe de jornalismo de São Paulo. Fantástico, 13/08/2006.

Zeca Camargo lê nota divulgada pela TV Globo sobre sua decisão de ceder às exigências dos sequestradores do repórter Guilherme Portanova e o auxiliar técnico Alexandre Calado, ambos da equipe de jornalismo de São Paulo. Fantástico, 13/08/2006.

Zeca Camargo também ressaltou a importância da função dos jornalistas e dos meios de comunicação de poder informar livremente. Ele e Renata Ceribelli leram a nota divulgada pela Associação Nacional de Jornais, a Associação Nacional de Editores de Revistas e a Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão, manifestando solidariedade e preocupação com o caso.

A LIBERTAÇÃO

Tão logo o repórter Guilherme Portanova foi libertado, na madrugada da segunda-feira, 14 de agosto, a Globo divulgou outra nota oficial: “A TV Globo informa que o repórter Guilherme Portanova foi libertado por volta de meia-noite e meia no bairro do Morumbi, na zona sul da capital paulista. Portanova estava sequestrado desde as oito horas da manhã de sábado, dia 12, quando foi rendido junto ao auxiliar técnico Alexandre Calado. Alexandre já havia sido libertado na noite de sábado. O repórter Guilherme Portanova está bem e conversa com parentes neste momento”.

Logo cedo, no Bom Dia Brasil, a notícia foi destaque na escalada de Renato Machado: “Quarenta horas de ansiedade e sofrimento chegaram ao fim. O repórter foi deixado no bairro do Morumbi, a poucos quilômetros aqui da TV Globo”. A repórter Monalisa Perrone entrou ao vivo contando que o repórter, assim que foi libertado, havia sido recebido pelos colegas de redação.

No Jornal Hoje, uma matéria de Fabio Turci, com Guilherme Portanova, seus pais e o colega Alexandre Calado, detalhou o sequestro, o cativeiro e a exigência de exibição do vídeo dos criminosos.

As duas edições do SPTV naquele dia destacaram a repercussão com autoridades como Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça; Maurício Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa; Marcelo Beraba, presidente da Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos; Celso Schröeder, secretário-geral da Federação Nacional de Jornalistas; Guto França, presidente do Sindicato de Jornalistas de São Paulo; e Cláudio Lembo, governador de São Paulo.

No Jornal Nacional, foi ao uma matéria de César Tralli com os pais do repórter. No Jornal da Globo, William Waack informou: “A polícia em São Paulo ainda não divulgou, mas trabalha na identificação dos participantes do sequestro do repórter e do técnico da TV Globo.” Christiane Pelajo inteirou: “Libertado na madrugada de domingo para segunda-feira, o repórter Guilherme Portanova prestou depoimento e disse ter sido mantido em três cativeiros diferentes.”

Nos dias seguintes à libertação do repórter, a Globo noticiou as investigações do caso e o depoimento de Guilherme Portanova. No dia 16, a polícia estourou um dos cativeiros para onde o repórter havia sido levado, onde descobriram o empresário paulista José Fortes, sequestrado um mês antes. A polícia conseguiu prender os sequestradores e investigava a ligação daquela quadrilha com o sequestro da equipe da Globo.

“Até hoje a polícia não sabe quem foram os sequestradores. Prenderam uma pessoa que teria vinculação, um bandido, mas nunca houve reconhecimento de alguém que tenha participado da ação.”, esclarece Luiz Cláudio Latgé.

FONTES

Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Ali Kamel (21/5/2007), Carlos Henrique Schroder (17/08/2006), César Tralli (15/4/2010), Guilherme Portanova (02/03/2007), Luiz Cláudio Latgé (2/3/2007), Renata Vasconcellos (12/3/2012) e William Bonner (9/3/2009). Bom Dia Brasil (12/05/2006 a 22/05/2006 e 12 a 16/08/2006); Fantástico(14 e 21/05/2006 e 13/08/2006); Jornal da Globo(12/05/2006 a 22/05/2006) ; Jornal Hoje (12/05/2006 a 22/05/2006 12 a 16/08/2006); Jornal Nacional (12/05/2006 a 22/05/2006 e 12 a 16/08/2006); SPTV (14 a 17/08/2006).
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