O fascínio pelo jornalismo começou ainda criança. Na idade adulta, Teresa já sabia: planejamento é essencial para consolidar um telejornalismo de qualidade. Vinda da mídia impressa – cobrindo economia –, a jornalista, desde cedo, acostumou-se a pensar nos bastidores da notícia: começou na Globo para dirigir o jornalismo da TV Rio Sul, em 1990, nova afiliada da Globo, no sul fluminense. Naquela época, já havia apresentado um programa, Memória Nacional, na TVE, mas não tinha nenhuma experiência em gestão de televisão. Nove anos depois, foi convidada a entrar na Globo como coordenadora das emissoras afiliadas, no Rio de Janeiro. Daí, foi para São Paulo, em 2002, como chefe de redação da Globo em São Paulo, até que, em 2005, assumiria o cargo de editora-chefe do 'Jornal Hoje'. Nos dez anos à frente do telejornal da hora do almoço, foi responsável por criar uma série de ações de aproximação com o público, dando destaque à interatividade e leveza ao jornal. De 2015 a 2020, quando deixou a empresa, foi chefe de redação da Editoria Rio.
Início de carreira
Maria Teresa Garcia nasceu em 2 de setembro de 1959, em Barra do Piraí, no Rio de Janeiro. Filha de Djalma Garcia, ferroviário, e Aparecida Figueira Garcia, professora, Teresa passou a infância e adolescência na região Sul do estado do Rio de Janeiro, mas se mudou para a capital, a fim de seguir seu sonho: ser jornalista. “Com 14 anos, escrevia em jornais locais. Poesias, contos, meu universo de conflitos adolescentes.”
Ela se mudou para o Rio de Janeiro para fazer graduação em Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC), no final dos anos 1970. Neste período, desenvolveu com colegas um projeto de que se orgulha até hoje – o Badopi, jornal independente, com sede em sua cidade natal.
“Era uma aventura de jovens fazer jornal do interior do estado, onde não existem jornais desvinculados do poder público. Queríamos um jornal que vivesse da publicidade, disputada pelas regras do mercado, estruturado por uma cobertura totalmente independente”.
A ideia funcionou durante dois anos e meio. Nunca deu lucro, mas serviu como um laboratório de jornalismo crítico para os aspirantes à profissão. No início dos anos 1980, Teresa exercia o que vem a ser hoje o jornalismo comunitário. “Canalizávamos para o jornal as reivindicações das organizações de bairro, das lideranças da sociedade civil que começavam a se reorganizar.”
Jornal do Commercio
A primeira experiência profissional remunerada aconteceu no Jornal do Commercio, entre 1985 e 1988, veículo especializado em economia, assunto que ela não dominava. Foi aceita e destacada para cobrir o setor de energia: “Foi muito difícil virar setorista de uma área tão específica e consistente. Isso significava cobrir Petrobras, Eletrobras, Nuclebras”. Neste meio extremamente competitivo, em que a pauta se faz ao longo do dia, cada jornal tentava dar o furo de reportagem. “Estudei diariamente, lia tudo sobre o setor e fui para a briga. Descobri caminhos para sobreviver”, lembra.
Sua primeira grande reportagem foi publicada pouco depois que Hélio Beltrão assumiu a presidência da Petrobras, em 1985. Teresa conta que conseguiu marcar uma entrevista exclusiva com o executivo no dia em que a empresa encontrou as duas primeiras reservas de petróleo em águas profundas do Brasil, Albacora e Marlim. “Liguei para o diretor do jornal e falei: ‘Tenho a primeira página, a manchete principal, e umas três páginas dentro. Não só a grande descoberta da Petrobras em águas profundas, mas a descoberta do volume de óleo capaz de garantir a autossuficiência do petróleo no país’”, detalha.
Em 1988, Teresa Garcia recebeu um convite para fazer a assessoria de comunicação da Associação dos Engenheiros da Petrobras (EPET). Achou estranho, mas decidiu aceitar o desafio. Curiosamente, sua única experiência em assessoria de imprensa a levaria à primeira experiência em televisão. Enquanto era assessora da EPET, foi chamada para uma sabatina no programa Canal Livre, da Bandeirantes. Vários jornalistas especializados entrevistariam ao vivo o então presidente da estatal Hélio Beltrão, com quem ela estava familiarizada. “Quando vejo aquela imagem, era de uma pessoa assustada diante das câmeras, mas foi muito tranquilo. Não tinha nenhuma expectativa de continuar em televisão, mas foram surgindo outros convites e eu enveredei por esse caminho”. Logo depois, o colega Carlos Alberto Vizeu a convidou para apresentar o programa Memória Nacional, na TVE, trabalho que manteve junto com a assessoria do EPET. “Era um programa de uma hora de entrevista. A gente gravava sem cortes e falava da vida dos entrevistados. Passaram por lá, Leonel Brizola, Zózimo Barroso do Amaral, Hildegard Angel. O importante era que o entrevistado fosse bom e tivesse disposição para contar histórias.”
Entrada na Globo
Seu caminho para a Globo foi aberto justamente por um dos entrevistados do programa: Arnaldo Cezar Coelho, na época árbitro de futebol e dono da TV Rio Sul. Meses depois da entrevista na TVE, Arnaldo a convidou para dirigir o jornalismo da emissora, que se tornaria a nova afiliada da Globo, no sul fluminense. Em 1990, estava de volta à região em que passou a juventude. “Eu era a única pessoa que ele conhecia que era jornalista e conhecia muito bem a região. Tinha 29 anos, com experiência zero em gestão de televisão. A TV estava começando e eu fui a São Paulo percorrer todas as emissoras do interior do estado para saber como era”.
Começou como gerente de jornalismo e ajudou a afiliada a se erguer, contratando pessoas e elaborando as pautas dos telejornais. “Quando foi ao ar pela primeira vez, sequer estúdio tinha! Começamos transmitindo pequenos boletins, o repórter fazia uma passagem, rodava a vinheta e entrava ao longo da programação”. Fazia parte do trabalho reuniões periódicas com a direção de jornalismo na Globo, realizadas no intuito de aproximar as diretrizes editoriais ao trabalho desenvolvido nas afiliadas.
“Na televisão, não se cresce sem crítica. O seu texto pode ficar melhor, a estrutura da reportagem também.”
Experiência na TV Rio Sul
A sede da TV Rio Sul é em Resende, mas Volta Redonda sempre foi uma das principais áreas de cobertura da emissora. Por isso, em 1995, criou-se uma unidade na cidade, passando a atender às demandas também dos 15 municípios vizinhos. Mas a estreia não foi nada tranquila. A chegada da emissora foi recebida com aflição pelo grupo político local, que, por medo do teor das reportagens, cortou o sinal de televisão na cidade. Teresa foi para a rua investigar o problema e descobriu, por meio de um funcionário da torre de transmissão, que o secretário de Comunicação mandara desligar as chaves de energia. Após denunciar o boicote na TV, a equipe recebeu ameaças. No caso de Teresa, na própria casa. Era à noite e ela estava sozinha com a filha ainda bebê e a empregada, quando ouviram barulhos no quintal. “Morávamos numa casa grande, que dava para um terreno baldio nos fundos. E a empregada começa a dizer: ‘Estão rondando a casa’. Começaram a bater na janela, na porta. Foi um pânico tão grande, fui ao limite do medo”. O grupo foi embora. A jornalista fez a denúncia na polícia, com apoio do departamento jurídico da emissora.
Meses depois, a polícia prendeu um grupo de políticos ligados a um grupo de extermínio local, entre eles, o próprio prefeito. Passado o susto, a TV Rio Sul começou a investir no jornalismo cultural, com ênfase no turismo. “Criamos o Rio Sul Revista, programa apresentado por mim durante muito tempo. Cobríamos turismo, comportamento, juventude e a revelação dos talentos locais.”
Em 1999, a emissora inaugurou uma nova sede em Resende, que por fora aparenta ser uma casa colonial, com arquitetura típica das fazendas de café do Vale do Paraíba, mas por dentro, tem uma moderna estrutura de emissora de TV. Teresa Garcia lembra que “a partir dali a gente teve uma capacidade muito grande de fazer entradas ao vivo”.
A própria transmissão de inauguração refletiu essa ideia. Teresa Garcia conta que a equipe se preparou durante semanas: a repórter Cristina Maia faria uma transmissão com tomadas ao vivo de toda a cidade. Mas na véspera, um incêndio consumiu a serra de Itatiaia e os editores do 'Jornal Nacional' encomendaram à afiliada uma cobertura com vista aérea da floresta em chamas. A afiliada alugou um avião e destacou Cristina para cobrir o incêndio. A aeronave caiu, a tripulação sobreviveu. Todos foram socorridos no mesmo dia, e o cinegrafista Milton de Oliveira, também envolvido no acidente, filmou tudo. No dia seguinte, Teresa Garcia assumiu a ancoragem no lugar de Cristina Maia, que, internada do hospital, fez uma participação ao vivo.
Coordenação das afiliadas
Ainda naquele ano, Teresa Garcia foi convidada por Carlos Henrique Schroder para trabalhar como coordenadora das afiliadas, no Rio de Janeiro. “Eu tenho um carinho monstruoso pelos amigos da TV Rio Sul. Consegui misturar trabalho e afeto, devo muito à emissora tudo o que eu aprendi de jornalismo, edição e principalmente gestão.” No novo cargo, Teresa Garcia precisava repassar os conceitos editoriais do jornalismo para as afiliadas e também analisar sua estrutura de funcionamento. “Eu viajava semana sim, semana não. Passava o dia na TV, conversando com todos e depois fazia um relatório enorme de todos os possíveis problemas.”
Em 2002, Teresa Garcia foi convidada para assumir a chefia de redação da TV em São Paulo. Nessa época, a nova sede já havia sido inaugurada, fazendo com que o 'Jornal Hoje' e o 'Jornal da Globo' se tornassem cabeça de rede. Para Teresa, o desafio foi estruturar bem as 28 equipes que alimentavam os programas ao longo do dia. “São Paulo, hoje, é a maior praça, onde está a maior quantidade de notícias. Eu era carente de hard news, e me acostumei a escolher notícias: tinha incêndio, alagamento, protesto, congestionamento, greve, confusão. Eu me encantei pela adrenalina da cobertura”.
A jornalista define a principal característica do chefe de redação: “criar facilidades e permitir que os grandes talentos atuem”. Nessa época, estavam sendo consolidadas no 'SPTV' uma série de mudanças que deram mais espaço para o jornalismo comunitário. A ideia era levar o telespectador para dentro do noticiário, para que ele se sentisse representado na grande imprensa.
No primeiro ano de sua atuação, o jornalismo de São Paulo esteve à frente de coberturas, como o caso Richthofen, quando um casal de classe média alta foi assassinado a mando da própria filha, em um bairro nobre de São Paulo, em outubro de 2002. A jornalista ressalta que, apesar do noticiário ter ficado um tempo sem novidades, a equipe continuava monitorando as investigações. “Foi um caso muito forte de cobertura criminal lembrado até hoje.”
Naquele momento, Teresa Garcia também coordenou pela primeira vez o trabalho dos repórteres de São Paulo em época de eleições presidenciais. Ela destaca que a orientação geral para o jornalismo é a medição do tempo de exposição dos candidatos. “A coisa mais importante é o cuidado com essa precisão. Muito antes das eleições, temos reuniões conjuntas de reflexão, planejamento e estudo das ações, como as entrevistas na bancadas. As perguntas são pensadas com muita antecedência, nunca de última hora”. Ou seja, novamente o planejamento se mostra essencial para uma boa cobertura.
Assim como nas eleições, ocorre também na cobertura do carnaval de São Paulo, tarefa dispendiosa para toda a equipe. Para o chefe de redação é um grande trabalho de escala. “É aquela escala que você enlouquece, com uma logística dificílima. Precisamos desenhar que repórter vai fazer qual matéria, para qual jornal, quem vai estar ancorando. Uma cobertura muito intensa, num período que ninguém tira férias, e todos trabalham, sem exceção.”
'Jornal Hoje'
Em 2005, a jornalista assumiu o cargo de editora-chefe do Jornal Hoje. “Fui com a ideia de consolidar a proposta de fazer um jornal descontraído, que parecesse ser feito junto com o espectador, para o telespectador.” Com este espírito foi criado, em 2006, o quadro 'Feito por você', para estimular a interatividade com quem está em casa.
Teresa acredita que é planejando que se faz um jornal de qualidade e, por isso, o espelho do dia seguinte é montado na tarde do dia anterior, após uma reunião de pauta com toda a equipe. “‘Ah, mas você sempre abre o jornal do dia seguinte com a matéria que pensou na véspera?’ Claro que não! Torço para que não abra, mas não posso sair daqui sem essa matéria pensada. Ela tem que ser boa todos os dias, para garantirmos um jornal sedutor, bacana e consistente.”
A mágica está em fazer um jornal interessante, mesmo diante da escassez de notícias. “Quando há um grande acontecimento, a gente se desgasta muito, mas a engrenagem da televisão funciona de uma maneira que a gente sabe fazer. Somos bons nisso. O difícil é quando nada acontece.” O 'Jornal Hoje' tem um horário privilegiado, segundo ela. Principalmente porque o telejornal entra no ar quando é fim de tarde na Europa, o que pode garantir um leque de notícias quentes dos escritórios no exterior. A escolha de Bento XVI como novo papa da Igreja Católica, em 2005, por exemplo, ocorreu no horário do telejornal. O 'JH' fez uma cobertura estendida, com transmissão ao vivo do Vaticano, tendo participações dos repórteres Ilze Scamparini e Marcos Uchôa. “O tempo do jornal acabou, mas continuamos a postos. Quando achamos que havia uma solução, voltamos com a Sandra Annenberg e o anúncio foi feito por ela, ao vivo”.
Webdoc jornalismo - Jornal Hoje: Série Jovens do Brasil (2006)
Coberturas ao vivo
Uma cobertura marcante na carreira da jornalista foi a queda do avião da TAM, em São Paulo. Teresa conta que estava em casa quando o acidente aconteceu e ficou em pânico por suspeitar que seu marido pudesse estar naquele avião. Apurou como pôde em casa e descobriu que não era o mesmo voo. Correu para a redação para ajudar quem estava de plantão.
Teresa Garcia acredita que a principal característica de uma cobertura de tragédia é a solidariedade com os colegas, que sempre se oferecem para trabalhar. “Naquele dia, fiquei até meia noite na redação acompanhando tudo, montando o 'JH' do dia seguinte. O grande desafio nessas horas é pensar nas retrancas e no espelho, escalar a equipe para o dia seguinte.”
Em 2008, uma tragédia que também envolveu cobertura ao vivo fez com que os editores se desdobrassem para saber como trabalhá-la. No caso Eloá, a proposta era manter “o interesse do espectador, sem ser leviano ou incitar a violência”. A opção foi discutir o assunto com especialistas, traçando perfil de pessoas que cometem crimes passionais, aprofundando a discussão pelo lado do comportamento. Na ocasião, a jovem Eloá foi mantida refém pelo ex-namorado, Lindemberg Alves, durante quatro dias. A polícia tentou negociar, mas a adolescente de 15 anos foi assassinada.
O anúncio de que o Rio seria a cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016, em 2009, também envolveu muito planejamento e tomadas de decisões importantes, de maneira rápida. Teresa Garcia lembra que o 'JH' foi feito em quatro espelhos. Ou seja, prepararam quatro reportagens especiais sobre as cidades que poderiam ser escolhidas: Rio, Madri, Chicago e Tóquio. Sabia-se que o anúncio seria feito durante o tempo do jornal. “Foi uma das coisas mais tensas, porque tínhamos que estar ao vivo quando o anúncio saísse e tínhamos que sair para os comerciais, então ficava o jornalismo e a programação negociando. Mas quando anunciaram o Rio, foi uma emoção grande.” Após o anúncio, o jornal percorreu algumas capitais do Brasil mostrando a festa nas ruas e, depois, uma entrevista ao vivo com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentando a vitória.
Terremoto no Chile
Em um sábado de fevereiro de 2010, terremoto que deixou 700 mortos no Chile – o dia que o plantão para o 'Jornal Hoje' tem menos pessoas trabalhando. Teresa Garcia conta que quando iniciou a rotina às 7h da manhã, como um dia normal de expediente, ouviu no rádio que a tragédia tivera proporções enormes. Correu para a redação e conseguiu ajudar a equipe a produzir um jornal completamente novo, num espaço muito curto de tempo. “Foi construído numa manhã, vencendo a letargia comum de sábado. Tivemos entrada ao vivo de Nova York e Tóquio, além da reportagem do Carlos de Lanoy com as imagens da tragédia”.
Em 2014, a queda do avião do presidenciável Eduardo Campos também ocorreu durante o plantão do 'JH'. A equipe estava em uma reunião de rotina, quando foram avisados da queda de um helicóptero em uma área residencial em São Paulo. Teresa pediu algumas imagens para a GloboNews, que já tinha repórteres nas redondezas, mas seguiu apurando, telefonando para pessoas que moravam no local. A informação correta só foi confirmada por volta das 12h, e Evaristo Costa entrou ao vivo com a notícia, na bancada do 'Jornal Hoje'. “Foi um trabalho brilhante dos editores, da equipe inteira, dos 30 colegas voluntários que ajudaram na apuração”. Uma cobertura coletiva, feita no decorrer dos acontecimentos.
Em 2015, Teresa Garcia deixou São Paulo para se tornar chefe da Editoria Rio para os telejornais locais. Durante cinco anos, coordenou o conteúdo produzido na redação para ser exibido no 'Bom Dia Rio', 'RJ1' e 'RJ2'. Deixou a empresa no final de 2020.
FONTE:
Depoimento de Teresa Garcia, concedido ao Memória Globo, em 4/11/2014 |